terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

AINDA A DESTRUIÇÃO DA IGREJA DA SÉ

A igreja da Sé e o passadiço com a Casa do Bispo – reprodução de uma pintura.

Em postagem anterior falamos da destruição da Igreja da Sé para dá passagem a uma linha de bondes. Concomitantemente, foram destruídos dois quarteirões de prédios para a construção da atual Praça da Sé.
Na oportunidade, fizemos algumas referências a protestos surgidos na época, mas não expressamos sua intensidade. A coisa não foi pacífica! Toda uma sociedade se revoltou contra a referida destruição.
Vejam as seguintes estrofes publicadas na imprensa da época:

A Venda da Sé
Da nossa edição de 9 de Setembro de 1932
O diabo está contente:
Batalhou, vencendo a pé...
Conseguio que a má gente
Barganhasse a velha Sé...
Foi por tresentos dinheiros,
Tresentos contos, isto é;
Que os modernos leiloeiros
Venderam a velha Sé!...
Hão de diser, amanhã: –
Parece-me um sonho até...
Que a picareta christã
Derrubou a velha Sé!
A vida é assim... é isto...
E foi sempre o que hoje é!
Por ‘trinta’, venderam Christo...

O historiador Cid Teixeira, escreveu:

É bom que se diga a verdade, as negociações foram travadas ainda no tempo em que era arcebispo Dom Jerônimo Tomé da Silva, com a morte de Dom Jerônimo, assumiu o arcebispado Dom Augusto Álvaro da Silva que não se rendeu – vamos dizer assim – às manifestações, o que havia, a Faculdade de medicina, a Faculdade de direito, o Instituto Histórico, em resumo, as entidades mais significativas, mais culturais da cidade, protestaram, fizeram abaixo-assinados e manifestos, etc.; não obstante, foi demolida a igreja da Sé.”

Outro que deve ter sido contra foi o também historiador Fernando da Rocha Peres, professor emérito da Universidade Federal da Bahia e ex-diretor do Iphan.
Suas convicções sobre a destruição da antiga Salvador são contundentes. Vejam algumas de suas considerações:

“ Hoje, há uma classe média em ascensão que faz parte também dessa "canalha infernal", que gostaria de ver a cidade histórica totalmente destruída, para nela construir edifícios de 30 ou 40 andares. Porque essa nova classe média quer morar olhando o mar, para curar as suas depressões...
Sob outra roupagem, essa "fúria" segue a mutilar e destruir marcos referenciais de Salvador, com a demolição de casarios para abrir espaço a espigões, a liberação do gabarito em vários pontos da cidade - o que vai mudar o perfil da urbe colonial -, a devastação de áreas verdes e as ruínas de velhos sobrados”.
Vir a Salvador hoje é uma aventura, como se o sujeito estivesse viajando para um País estranho - critica o escritor.
Numa entrevista respondeu a seguinte pergunta:

Em algum momento, após a demolição da Sé, houve uma conscientização dessa classe média infernal e da classe média intelectualizada?

“Sim, é evidente, uma classe média intelectualizada é de doutores. Mas os doutores, como você sabe, hoje estão sendo execrados, não é necessário o indivíduo ser doutor para atingir determinados lugares. Naquela oportunidade, havia uma classe média de intelectuais esclarecidos, que atuaram contra a reforma urbana de Salvador e, consequentemente, contra a demolição de monumentos religiosos, do casario, para a construção da Avenida Sete de Setembro (avenida central e comercial de Salvador). Acontece que, hoje em dia, esses intelectuais perderam aquele fio polêmico, aquela vontade de defender a cidade. Eles querem aproveitar os espaços ainda não habitados para destrui-los, como está ocorrendo com a Paralela (avenida com resquícios de Mata Atlântica em processo de devastação), com o Litoral Norte, que a cada dia se integra mais à cidade, transformando Salvador numa cidade grande e tortuosa. Por isso mesmo eu a denomino de "Salvadolores".

Um pouco mais da entrevista:

Dom Augusto, o Cardeal da Silva. Qual foi o papel dele?

Ele foi o grande finalista, digamos assim. Ele chutou o pênalti. Era o Ronaldo de batina.(risos)O senhor pode situar a importância da Igreja da Sé para a história do Brasil?
A Igreja da Sé começou a ser construída em 1552 pelo bispo Sardinha, que depois foi devorado pelos índios nas costas das Alagoas...
Num memorável jantar...
É, num jantar, evidentemente, muito importante. Daí os portugueses descobriram a "sardinha" em lata... Em seguida, a Sé, depois de começar a ser construída por Thomé de Souza, teve também a contribuição de dois outros governadores, Mem de Sá e Duarte da Costa. Levantou-se essa primeira Sé de pedra e cal. Depois foi passando por transformações. Ocorreram inúmeros fatos históricos. Os holandeses ocuparam a Igreja da Sé, durante a primeira invasão holandesa. Ela serviu de quartel dos holandeses. Os portugueses e os espanhóis expulsaram. Na segunda invasão holandesa, ela também foi bombardeada e, na frente dela, se colocaram canhoneiras, colubrinas, que eram pequenos canhões para rebater os holandeses que estavam na encosta do Carmo, atacando a cidade. Nela Gregório de Mattos e Guerra, o grande poeta, foi da Relação Eclesiástica e Tesoureiro-mor. Nela o Padre Antonio Vieira, diante de Nossa Senhora das Maravilhas, recebeu o "estalo" e ficou inteligente. Quem sabe se as autoridades vierem à Bahia, visitarem o Museu de Arte Sacra e se ajoelharem diante de Nossa Senhora das Maravilhas, não vai haver um estalo geral e irrestrito em suas cabeças! (risos)
Absolutamente contundente! Não resta mais nada a dizer.

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