quinta-feira, 5 de maio de 2011

AVENIDA SETE DE SETEMBRO


Ladeira de São Bento – Na esquina está sendo levantado o Edifício Sulacap
Governador José Joaquim Seabra

A Avenida 7 de setembro tem começo na Ladeira de São Bento e termina na Barra, território da Vila Pereira। Tem 4.6 mil metros e é uma avenida sui-generis. Por quê? Diferente da maioria das avenidas, apresenta diversas interrupções no seu trajeto e perde a denominação oficial em muitos trechos.

A primeira interrupção ocorre no Campo Grande, a famosa Praça da Bahia. Depois continua pelo Corredor da Vitória, passando assim a ser chamada. Logo em seguida, ocorre outra interrupção, desde que temos à direita o Largo da Vitória. Desce a Ladeira da Barra e ganha essa denominação. Ao final, outra interrupção, desde que estamos no Largo do Porto da Barra. Continua em frente como sendo Porto e termina nas proximidades do Largo do Farol.

Não tem esse morador da grande avenida que diga: “eu moro na Avenida 7 de Setembro, 2631” (Esse número se acha no Corredor da Vitória). Com toda a certeza, ele dirá: “moro no Corredor da Vitória, numero tal”. Aliás, quando ele comprou o apartamento nesse local, a locadora o vendeu como sendo “Corredor da Vitória – Edifício tal”. Se fosse dito, Av. 7 de setembro, certamente que o preço cairia.
O mesmo acontece com o morador, por exemplo, do número 3490 na Ladeira da Barra। “Moro na Ladeira da Barra”. Aqueles que moram mais adiante, no Porto, por exemplo, dirá: ” Moro no Porto, 4200”.

Seria uma degeneração do nome oficial ou o status de seus diversos trechos? As duas coisas, sem dúvida।

Mas por quais razões se fez uma avenida desse jeito, provocando indefinição de endereços? Por que não se respeitou os trechos existentes antes mesmo da definição de seu trajeto?

Esta é uma obra do Governador J.J. Seabra. Dizem que foi a sua maior realização. Certos trechos entre São Bento e o Campo Grande, foram feitos na base da derrubada de quarteirões de prédios, inclusive de igrejas. Com o homem não tinha conversa. A sanha reformista de que foi possuído era enorme. Conta-se que na abertura da Rua Miguel Calmon no Comércio - outra obra de sua autoria - o homem queria botar a baixo o prédio centenário da Associação Comercial da Bahia. Não conseguiu seu intento, por que os trapicheiros do local, (eram mais de 400) que haviam custeado a obra, fizeram um movimento de manutenção do palacete.

Concluída a obra, decidiu-se que todo o trecho demolido, mais os que já se encontravam prontos, cada qual com sua denominação tradicional, seria denominado apenas Avenida 7 de Setembro, dia da Independência do Brasil। Teria sido melhor Avenida 2 de Julho, dia da Independência da Bahia, inclusive porque em determinados trechos de seu trajeto, ocorreram fatos importantes de nossa independência. Por exemplo, pelo Corredor da Vitória, desfilaram as tropas vencedoras.

E como reagiu a imprensa na época? Não muito bem. Transcrevemos uma opinião:

"A Bahia material que guarda ainda todos os característicos de uma cidade colonial de três séculos atrás, vai desaparecer para ceder lugar à uma cidade moderna construída sob os preceitos rigorosos do progresso."
—Jornal Gazeta do Povo, Apud Perez, 1974, p.36.

Abaixo, um comentário a respeito:


“Aproveitando-se do momento favorável, J.J Seabra reúne as condições econômicas, financeiras e a força política para executá-las, contando com o apoio do prefeito Júlio Brandão, do Arcebispo Thomé da Silva e do engenheiro Arlindo Coelho Fragoso, designado como seu secretário e coordenador da ação executiva que realizará as obras propostas.
O projeto é bancado em parte pelos governos estadual e municipal, e pelo capital financeiro nacional e internacional, apoiado em uma lei que permitia empréstimos estrangeiros para obras de infra-estrutura e estradas.
Em 1910, é idealizado por Jerônimo Teixeira de Alencar Lima o chamado “Plano geral de melhoramentos em parte da cidade de Salvador” baseando-se na reforma urbana do Rio de Janeiro, e pretendendo realizar novas intervenções na cidade através do saneamento, da estética e do tráfego aberto nas ruas insalubres. Houve três versões desse plano, sendo a segunda de 1912 a mais ousada, apesar de não ter sido executado”.

Buscando uma "modernização" da antiga estrutura colonial de Salvador e conectando o centro antigo aos bairros novos que surgiam com a expansão sul da cidade (Vitória, Graça, Canela e o Balneário da Barra) a abertura dessa avenida e o alargamento das ruas provocou a perda irreparável de monumentos importantes dos séculos XVIII e XIX, como a antiga Igreja de São Pedro Velho e o Convento das Mercês, ambos destruidos, assim como o prédio do Senado estadual, que teve sua ala esquerda demolida para a abertura de uma rua, sendo posteriormente doado ao Instituto Histórico e Geográfico da Bahia e a Igreja de Rosário de João Pereira (ou dos brancos). Também são derrubadas muitas residências, gerando um problema habitacional na época.
Até mesmo o Mosteiro de São Bento teria sido demolido para dar lugar a novos prédios do serviço público, mas graças aos esforços do Abade Don Maiolo de Cagny, que através de um manifesto chamado “Aviso ao povo baiano” conquistou o apoio da população, pressionou para que os reformadores, felizmente, desistirem de destruí-lo।”


Vale a pena citar o principal argumento de defesa do governo para a realização dessa obra e consequente demolição de peças importantes de nossa cidade:

Era uma cidade suja; sem ventilação. Em razão disso, ocorreram diversas epidemias.”

Evidentemente que essa justificativa não satisfaz em nenhum sentido. Se ocorreram epidemias, foi por falta de saneamento básico que a cidade não possuia. Saliente-se, inclusive que, a exceção do trecho da Barra, toda a avenida fica no alto da cidade, onde a ventilação é sempre muito boa. O argumento apresentado não tem nenhuma consistência.

Consubstanciando a nossa indignação sobre essa febre de modernização de nossa cidade, vale a pena transcrevermos parte da entrevida concedida à imprensa pelo escritor Fernando Rocha Peres (1), onde ele aborda inclusive a construção da Avenida 7 de setembro:

(1)Professor emérito da Universidade Federal da Bahia e ex-diretor do Iphan.

Escritor Fernando Rocha Peres

Há paralelos entre a mentalidade da Bahia dos anos 30, quando houve a demolição da Igreja da Sé, e a atual? Como o homem médio encara a preservação do patrimônio? Qual foi o legado desse crime histórico?

Gregório de Mattos, no século XVII, já dizia que a Cidade da Bahia era habitada por uma "canalha infernal". Em 1933, não melhorou nada. A "canalha infernal" esteve presente. Hoje, há uma classe média em ascensão que faz parte também dessa "canalha infernal", que gostaria de ver a cidade histórica totalmente destruída, para nela construir edifícios de 30 ou 40 andares. Porque essa nova classe média quer morar olhando o mar, para curar as suas depressões, as suas insatisfações, as suas expectativas irrealizadas”.


Em algum momento, após a demolição da Sé, houve uma conscientização dessa classe média infernal e da classe média intelectualizada?

Sim, é evidente, uma classe média intelectualizada é de doutores. Mas os doutores, como você sabe, hoje estão sendo execrados, não é necessário o indivíduo ser doutor para atingir determinados lugares. Naquela oportunidade, havia uma classe média de intelectuais esclarecidos, que atuaram contra a reforma urbana de Salvador e, consequentemente, contra a demolição de monumentos religiosos, do casario, para a construção da Avenida Sete de Setembro (avenida central e comercial de Salvador). Acontece que, hoje em dia, esses intelectuais perderam aquele fio polêmico, aquela vontade de defender a cidade. Eles querem aproveitar os espaços ainda não habitados para destrui-los, como está ocorrendo com a Paralela (avenida com resquícios de Mata Atlântica em processo de devastação), com o Litoral Norte, que a cada dia se integra mais à cidade, transformando Salvador numa cidade grande e tortuosa. Por isso mesmo eu a denomino de "Salvadolores".

Nenhum comentário:

Postar um comentário