quinta-feira, 9 de maio de 2013

PÉROLAS DE KLANG - LIVRO PELA INTERNET - AUTORIA: eduardo gantois

Livro grátis pela Internet - O mundo das pérolas douradas - Uma aventura de dois brasileiros nos mares da Malásia.  Alagados de Itapagipe.

PÉROLAS DE KLANG
eduardo gantois
um

Manuel Serbento Filho, mergulhador profissional, biólogo, tinha sobre si a responsabilidade de sustentar a mãe e o irmão viciado em bebida. Já tinha perdido a conta de quantas vezes fora buscá-lo, dormindo em bancos de jardim ou na praia. A família morava numa vila em casa com dois quartos e uma sala. Num dormia a mãe; noutro dormiam os dois irmãos.  Quando chegava em casa à noite a primeira coisa que fazia era olhar para a cama do irmão. Dava Graças a Deus quando ele estava dormindo; do contrário saia à rua a sua procura. Gostava dele, mas tinha esse cuidado mais pelo amor a sua mãe. Ela não dormia enquanto ele não chegasse. Deitava-se as vezes, mas não dormia. Ele também não dormia, dai a busca incessante quase todos as noites. Por tudo isto estava indeciso se aceitava ou não um emprego para mergulhar na Malásia. Lhe fora oferecido pela própria empresa onde trabalhava como mergulhador. Fazia serviços nos portos de Salvador e Aratu e, eventualmente, nas plataformas da Petrobrás na Baía de Todos os Santos desde Madre de Deus até Bom Jesus. O salário tinha um padrão internacional: vinte mil dólares mensais com hospedagem e comida, afora prêmios. Praticamente irrecusável, mas no meio do caminho havia o problema do irmão e  da mãe. Ela não resistiria! Teria que ter uma conversa séria com o mano e teria que ser naquele fim de semana

- Serbentinho (como era chamado) hoje eu vou sair com você. 

- Comigo, porquê isto?

- Faz muito tempo que não saímos juntos. Sou seu irmão, acho que tenho esse direito.

- Oh! Claro! Desculpe. Me pegou de surpresa. 

- Aonde vamos? Gostaria de jantar. Você deve conhecer um bom lugar. 

- Você gosta de arraia? Conheço um lugar na Penha que serve a melhor muqueca de arraia de Salvador. 

- Adoro arraia. Vamos lá.

O lugar era super agradável. Em frente ao mar.  Música ao vivo. Cheio de gente.

- Vamos beber o que? Uma cerveja cai bem ou você prefere outra bebida?

- Vou pedir uma água mineral.

- Água mineral?!

- É isto que você bebe quase todas as noites?

-Você bem sabe que não, mas hoje estou com você. Tem que ser diferente.

- Isto ai. Você disse a palavra certa - diferente. Hoje você será diferente. Mas diferente você terá que ser à partir de hoje. Diferente para você, para mim e principalmente para a nossa mãe. Vou me ausentar do País. Recebi um convite para mergulhar na Malásia. Irrecusável. Vou deixá-los pelos próximos três anos e a partir de hoje entrego a você a responsabilidade de cuidar de nossa mãe. Transferirei algo em torno de dois mil dólares todos os meses e espero que nem a menor parte desse dinheiro seja consumido em bebida. Você deve se mudar para uma casa melhor; voltar a estudar, tornar-se um ser normal e não um escravo de um vicio qualquer...não posso mais falar. Tinha tanta coisa para lhe falar. Meu Deus me ajude!

Serbento estava com os olhos em lágrimas. Levantou-se e saiu às pressas. Serbentinho foi ao seu encontro. Passou o braço nos seus ombros. 

- Irmão! Obrigado! Hoje eu sei que ainda tenho alguma importância nessa vida. Pode viajar tranquilo. Acabou a brincadeira. Eu estava brincando todo esse tempo. Vamos comer a nossa arraia com uma cerveja, só uma...


dois

A mãe dos Serbentos era uma grande batalhadora. Marisqueira das boas. Todos os dias, saía para pescar na ponta da Penha e, às vezes, em Plataforma, onde o papa-fumo era mais abundante. Apesar dos filhos serem relativamente altos, ela era baixinha, ao ponto de ser mais conhecida como Dona Pequenina em vez de Maria da Glória, que era  o seu nome. Tostada pelo sol que tomava diariamente tinha a pele morena, quase mulata e seus cabelos eram lisos e quando moça eram pretos que nem os de uma índia. As pernas eram fortes e arredondadas. Era o tipo da mulher bem feita.

Foi nesse contexto de mulher bonita que resultou os dois filhos que teve, cada qual de um pai diferente. O de Raimundo chamava-se Serbento, mais conhecido como "Seu Serbento" da padaria. Era espanhol. Numa certa manhã, ainda muito cedo, Maria da Glória foi comprar pão que a mãe lhe pedira e, em vez de aguardar que a padaria abrisse de vez – estava apenas com uma das portas meio levantada – adentrou por baixo  e “crau”. O gringo que já estava de olho naquela baixinha, só fez arriar a porta e consumar o ato. Verdade que já havia por parte de Pequenina certa cumplicidade com aquele espanhol que era solteiro e morava sozinho num quarto, ao fundo do estabelecimento. Nos dias seguintes, Maria da Glória chegava cada vez mais cedo, até que um dia a família se mudou e ela não pôde mais ver o amante.

Aí, Maria da Glória ficou grávida. Teve que confessar à mãe quem fora o autor daquele feito. Dona Felícia pegou o ônibus e se dirigiu até o antigo bairro onde morava o gringo da peste. Foi até a padaria em hora de movimento. O espanhol não a conhecia, mas logo percebeu de que se tratava. Negou peremptoriamente. A mulher fez um escândalo. As pessoas se afastaram do local, aos risos.

-- Dou-lhe 24 horas para você decidir, seu galego descarado. Você vai ter que assumir esse filho. Casar eu sei que você não casará, mas as despesas com esse filho, o parto, o hospital, você haverá de pagar, bem como uma pensão. Vou estimar o quanto isto vai ficar e venho aqui buscar o dinheiro com a polícia.

Uma semana depois, a mãe de Maria da Glória voltou à padaria. Encontrou-a fechada. Consultou os vizinhos. Informaram que fazia dois dias que ela não abria. Desesperada, dirigiu-se à Delegacia de Polícia. Contou o ocorrido ao delegado. Esse mandou um investigador ao local do “crime”, sendo informado do endereço de uma irmã do galego - no mesmo bairro. Os dois se caminharam até lá.

- Meu irmão viajou para a Espanha no dia de ontem. Sobre esse assunto ele não comentou nada comigo. Só sei que a padaria já estava para ser fechada, desde que ele tem casamento marcado ainda para este mês em Valença. Vai morar lá. Sinto muito.

Sem a pretendida remuneração, nasceu Raimundo que dona Felicia fez questão de registrar como sendo filho legítimo de Manuel de Serbento, nascido em Valença, Espanha com Maria da Glória da Silva, nascida em Salvador.

E como foi o feito do segundo filho, Manuel ? Este nasceu de pai desconhecido, mas Dona Felícia fez questão de registrar como sendo do mesmo pai do primeiro. O miserável tinha que pagar em dobro.. Quem conhecia a história, haveria de se lembrar para sempre do ocorrido. E quem não sabia, ela contaria tudo. Não tinha vergonha do caso.

Dona Felicia morava nos “Alagados” do Porto dos Mastros. Havia outro “Alagados”, o do Uruguai, mas Dona Felicia não o considerava como uma iniciativa do povo. Tinha sido um aterro com lixo da Prefeitura. Morava em Cachoeira. O pai era funcionário da Prefeitura e a mãe era costureira. Tinha uma vida estável. Em dia de muita festa na cidade, teve uma relação com um fogueteiro quem nem sabia o nome. Ficou grávida. Não queria que os pais soubessem. Se mandou para Salvador e se hospedou na casa de uma amiga. Nesse tempo, soube da invasão do mar no Porto dos Mastros. Resolveu também participar. Com o pouco dinheiro que ainda tinha comprou o necessário para construir uma palafita. Não era muita coisa. O mais caro era as tábuas para o soalho. Os troncos para sustentação da palafita tinha aos montes nos mangues da Ribeira. Nem sanitário precisava. Era apenas um buraco no assoalho. A luz e a água eram gatos que todos faziam. Mudou-se rápido, desde que a posse era importante como sinal de propriedade. Começou a pescar papa-fumo. Dava em frente. Vendia o excesso aos veranistas e num belo dia de fevereiro, em pleno Carnaval, teve Maria da Glória. Os vizinhos a levaram para a maternidade. Ficou apenas dois dias e retornou a sua palafita. Era importante mostrar que havia gente dentro. Nesse ambiente cresceu Maria da Glória e já aos 7 anos ajudava a mãe na pesca do bivalve..  Aos 15 já era uma moça bonita e forte. A esse tempo já assumia a direção da casa, desde que Felicia já mostrava sinais de cansaço.A esse tempo os Alagados já tinha um mercadinho e uma padaria. Foi nesta padaria que aconteceu o que aconteceu. Eta espanhol desgraçado. Quando ficou grávida e Felícia logo descobriu, foi aquele escândalo que nada resolveu. Depois, fruto de outro relacionamento, veio a segunda gravidez.

Antes de morrer Dona Felicia resollveu registrar ambos os netos como tendo sido do mesmo pai espanhol: Raimundo Serbento e Manuel Serbento Filho. Maria da Glória trabalhava duro. Era uma das melhores catadoras de papa-fumo. Vendia quase todo ele. Os meninos ajudavam e de cruzeiro e cruzeiro ganhos, conseguiu comprar uma casa fora da palafita, numa vila, com  dois quartos, uma sala, cozinha e sanitário, onde hoje residiam. ]

Maria da Glória não esqueceu da educação dos dois filhos. Matriculou -os  em Escola Pública no bairro do Uruguai. Desde o principio, o mais velho, Raimundo, mostrava-se mais interessado. O outro só queria jogar bola. No futuro isto faria a diferença e, efetivamente, Raimundo formou-se em Biologia e o outro não passou do ginasial. E para complicar mais a situação, Manuel passou a beber. Era a sua grande preocupação. 

Serbento viajou para Malásia num determinado sábado. Ao saltar no aeroporto de Lumpur um recepcionista postava um cartaz bem chamativo ao fim do corredor de saída dos passageiros que chegavam  com os seguintes dizeres


                                                                     MINING KLANG

Aproximou-se do seu portador e se identificou. Ele conferiu uma lista e lhe deu um sorriso pálido.

-Estou esperando mais uma pessoa do Brasil. Deve ter vindo nesse voo. É do Rio de Janeiro e tão logo acabou de falar e um rapaz alto se aproximou. – Sou a pessoa que você espera. Mario Santa Cruz.

-Este aqui é seu colega, Raimundo Serbento, veio no mesmo voo. - Muito prazer, falou Serbento. O prazer é meu, respondeu Santa Cruz.

- A Kombi da empresa está logo na saída. Sigam-me. - Devido ao horário, os senhores irão primeiro para um hotel aqui em Lumpur e somente amanhã os levarei para Klang. Ok? Estarei no hotel às 9 horas da manhã.


Os dois ficaram hospedados no mesmo quarto. Era uma boa oportunidade para se conhecerem melhor. Ainda era muito cedo e haviam jantado no avião.

-Então, você é do Rio. Cidade Maravilhosa, como diz a música.

- Já foi mais maravilhosa antigamente. Hoje tem muita violência. Sua terra também é muito bonita. Já estive lá duas vezes.

- Já foi mais bonita aí pelos idos dos anos 40/50 como me contava minha avó Felicia. Hoje com quase três milhões de habitantes, fica difícil manter a mesma beleza num espaço tão grande. Há certos lugares ainda belos, mas a cidade como um todo fica a desejar. Onde você mora no Rio?

- Moro da Ilha do Governador.

- Gostaria de conhecer a Ilha do Governador. Sei que o eco – sistema é muito interessante. Nas marés de vazante o mar recua centenas de metros. Sei que vira um mar de lama. O mesmo acontece onde moro em Salvador. O pessoal marisca nessas ocasiões?

- Mariscavam, mas hoje não mariscam mais. Está tudo contaminado. As indústrias despejam dejetos por todos os lados. Até os linguados desapareceram.

- Linguado é a nossa tapa, não é mesmo?

- Isto mesmo. Tem os olhos para trás. Tem até uma lenda sobre elas: “ Andava São Pedro por uma praia sem saber se a maré enchia ou vazava. Resolveu perguntar ao linguado e este ao invés de responder direto, imitou São Pedro com voz fanhosa e boca torta. São Pedro deu-lhe um tapa e  disse:: “Com os olhos para trás hás de ficar”. Mas, mudando de assunto, você fazia o que em Salvador?

- Me formei em Biologia, mas é muito difícil ser biólogo em Salvador. Sustentava-me dando aulas de inglês, e você o que é?

- Sou contador, formado em Ciências Contáveis. Mas não exerço a profissão. É muito difícil. Se você não tem o seu próprio escritório, vai se tornar auxiliar de escritório de qualquer firma. Também falo inglês, tomei diversos cursos e passei seis meses nos Estados Unidos e também sou mergulhador. Frequento uma escola em Angra. Aliás, foi lá que tomei conhecimento desse emprego aqui na Malásia. E você, como soube do curso?

-Igualmente através de colegas de mergulho, não em um curso de mergulho, mas mergulho mesmo, profissional. Mergulhávamos inclusive para a Petrobrás. Das suas torres e plataformas caem muitas ferramentas e outras coisas. Era um de nossos serviços encontrá-las. Também tinha as incumbências técnicas, principalmente de vazamentos. 
Mas, mudando de assunto, o que você sabe sobre essa empresa que nos está contratando?

- Sei apenas que é uma mineradora de pérolas e que está precisando de mergulhadores para catar pérolas aqui na Malásia, mais precisamente em Klang.

- Mas será que na Malásia, em toda a Malásia e nos países que lhe são próximos, não tem mergulhadores que pudessem ser contratados com muito mais economia e igual eficiência?

- Realmente, é estranho. Também me fiz esta pergunta. Por que nós e, possivelmente, de outras partes do mundo? Por quê? Agora me dá licença, preciso dormir, já estou com sono, vou dormir, Boa noite São Bento.

- São Bento não, Serbento.

- Prefiro chamá-lo São Bento se me permite. Combina bem com Santa Cruz. Faremos uma boa dupla, pelo menos nos nomes parecidos. 

-



três

Às 7 horas da manhã, Serbento e Santa Cruz  desceram para o café. Havia uma reserva de mesa com o nome da empresa. Nela já estavam sentados dois homens. Apresentaram-se.

- Somos do Brasil. Chamo-me Raimundo Serbento e este é Mario Santa Cruz..

-Eu sou Richard e sou inglês. O meu amigo é Patrick e ele é escocês.

- Vocês também foram contratados como mergulhadores, perguntou Serbento?

- Sim. Fomos contratados como mergulhadores. É a nossa profissão na Inglaterra. Patrick mora lá. Somos colegas de profissão.

- Tem mais gente contratada?

- Parece que sim. Tem gente de todo o mundo.

- Por que essa diversificação internacional. Aqui não tem mergulhador?

- Tem e muito. Também estou intrigado com isto. É muito mais caro. Cada um de nós deve ganhar uma média de vinte mil dólares mês, afora outros rendimentos por produção. Poderemos totalizar ganhos de até 30 mil dólares. Aliás, por menos disto eu não estaria aqui. Acredito que também o Patrick.

-E os senhores, normalmente, o que fazem em sua terra.

- Como assim?

- O que são fora do mergulho?

O Patric tem uma escola de mergulho e eu sou aluno dele.

-Sim, como profissionais os senhores são o que?

- Patric é um empresário, desde que possui esta escola e eu sou aposentado do serviço público. Nada mais.

-Desculpe, mas eu perguntei por que eu julgava que a escolha de mergulhadores fora da Malásia, fosse devido a uma extensão do mergulho. Eu, por exemplo, sou biólogo. Talvez eles estivessem precisando de alguém que entendesse de pérolas, de moluscos, essas coisas. Estariam unindo o útil ao agradável, mas estou vendo que não é nada disto.

- Quase com toda certeza. Ainda não conheci os demais companheiros, mas certamente deve ser gente como eu e o Patric. Só sabemos mergulhar e estamos aqui para isto, nada mais.

E exatamente às 9 horas uma Kombi se aproximou junto à porta principal do hotel. O motorista era a mesma pessoa que os aguardara no aeroporto. Devia ter dormido no hotel.

- Faremos uma pequena viagem, pouco mais de uma hora, até a sede da mineradora. Se não tivesse chovido esta semana, a viagem seria no máximo de 40 minutos. Parte da estrada é de barro.

- Uma pergunta, senhor.......

- Tanhay.

- Tem mais alguém, além de nós?

- Já estão em Klang. Um japonês, um indú e um libanês. Chegaram ontem pela manhã. Os senhores só chegaram de noite,

-Isto não é mais uma equipe de mergulho. É uma confederação internacional, observou Richard.

Concordou Santa Cruz - Tem até um carioca.

Em menos tempo a viagem foi realizada. Estavam entrando num vilarejo. A maioria das casas era coberta com palha seca de coqueiro, mas o que mais chamou atenção foi o “calçamento” da rua na qual o veículo circulava. Era totalmente revestida de conchas prateadas. Dava-lhe um brilho incomum. Chegava a doer nos olhos. Com o sol batendo de frente, a rua parecia estar iluminada. Era uma rua prateada que nem uma pérola. Batizaram-na logo de Rua Prateada.

Poucos minutos depois, estavam entrando no terreno da mineradora. Ficava em frente à praia. Muitos coqueiros e seringueiras e em meio a esta profusão de verde, ficava a hospedaria.  Também tinha parte da cobertura feita com palha seca de coqueiro. A outra parte era coberta com telhas de cerâmica. Parecia muito com algumas pousadas das praias da Bahia, pensou Serbento. Possuía dois andares e tinha excelente aspecto. Em torno um jardim bem cuidado, culminando com uma fonte luminosa que jorrava água em diversas alturas.  

Quando a Kombi se aproximou da porta de entrada, cada qual pegou sua mala, desde que não havia ninguém para ajudar. Até o motorista sumiu. Lá dentro, apenas uma moça vestida a caráter. Lindíssima!

- Sejam bem vindos a Hospedaria das Ostras.  É importante esta informação para efeito de correspondências, desde que temos outra hospedaria chamada Hospedaria das Pérolas. Lá ficam mulheres.  Eu me chamo Soraya. Cada um de vocês terá seu quarto, Espero que gostem. Infelizmente não temos ninguém para carregar suas bagagens para cima onde eles se acham, mas é só um lance de escada. Aqui estão as chaves. Podem pegá-las. Todos os apartamentos são iguais, tanto faz.

- Com licença, as mulheres também mergulham, perguntou Santa Cruz.

- Não. A hospedaria é destinada às moças do escritório que não moram em Klang e imediato se retirou por uma das portas à direita do hall. Parecia ter pressa.               

 Os quartos eram excelentes, absolutamente confortáveis. Todos com vista para o mar; computador, geladeira abastecida, ar condicionado, banheiro com sauna, banheira térmica. O máximo!

Muito bem decorados. No de Serbento, destacava-se um quadro com uma pérola ao centro.  Uma “simples” pérola, mas que irradiava uma beleza extraordinária. Uma mandala de uma pérola. É muito difícil entender uma mandala e esta, então, mais do que surpreende.





Já tinha lido sobre elas. Em sâncristo a palavra mandala significa círculos. Estava ali o círculo da pérola. Já no budismo, mandala refere-se a um tipo de diagrama simbólico de uma mansão sagrada, o palácio de uma divindade meditacional, ou seja, a dimensão pura de uma mente iluminada. Aquela pérola representaria tudo isto?

Deixou de olhar o quadro e abriu a janela. A brisa bateu no seu rosto como que o despertando talvez de um sonho. Jamais teria imaginado trabalhar na Malásia. Era como um brasileiro perdido no outro lado do mundo. Lembrou-se da mãe. Como estaria? Será que o irmão continuava a dar problema? Precisava lhe dar o número do telefone da hospedaria. Resolveu que seria agora. Ligou para o Brasil.

-Mãe, como está?

- Estou bem, filho meu.

- Ótima?

E meu irmão, como está?

- Anda prometendo que deixará de beber. Estou pedindo ao Senhor do Bonfim que isto aconteça.

Mãe alerte-o que eu não estou mais aí e que a senhora não tem mais a força que tinha; que precisa dele. Será que esse cara não se toca?

- Filho, deixe comigo. Cuide-se.

Serbento era um fã incondicional de sua mãe. Achava-a uma guerreira. Criou os filhos catando papa-fumos. Comia uma parte deles e vendia o resto na vizinhança. O seu dia a dia era determinado pelo horário das marés vazias. Se fosse de manhã cedo, ela estava lá catando os pequenos moluscos. Fosse de noite, da mesma forma. De madrugada, também. Era comandada pela natureza e obedecia rigorosamente aos seus desígnios e normas.

Encorajada pelo filho mais velho, no dia seguinte falou com o mais novo.

- Filho, está na hora de mudar. Você já brincou muito com a sua vida. Jogou-a fora. Talvez ainda haja tempo.

O filho abraçou-a aos prantos. Estou tão arrependido. Vamos amanhã ao Senhor do Bonfim. Aos seus pés, vou prometer ser outra pessoa. A senhora vai ver e, efetivamente, mãe e filho foram assistir a primeira missa do dia seguinte. Permaneceram em silêncio o tempo todo. Na saída o filho comprou uma fita e amarrou no pulso direito da mãe. Está selada a minha promessa.

Passaram-se diversos dias. Pescaram juntos. Nadaram. Pequenina ainda nadava bem.  Saíram de barco. Ele era um bom velejador, mas um dia ele não foi dormir em casa. Pequenina esperou-o até meia noite, mas não resistiu. Pegou uma capa e saiu. Chovia forte. Passou pelo Largo da Madragoa, por toda a Ribeira até a Ponta da Penha e nada. Caminhou de volta pela Avenida Beira Mar, Largo do Papagaio e chegou ao Bonfim. No alto da colina rezou de joelhos. Pensou: parece que tudo não passou de uma simples promessa. Arrancou a fitinha do pulso. Voltou para a casa. Jogou-se na cama. Foi acordada pelo próprio filho. Tinha chegado e estranhou que a mãe estivesse dormindo até àquela hora – eram 10 horas da manhã - e ela estava toda vestida e molhada.

- Mãe, que aconteceu? O que houve? São 10 horas. A senhora está doente?

- Doente? Eu? Onde você andou na noite passada?

- Dormi na casa de minha namorada. Por sinal ela está aqui comigo. Veio lhe conhecer.

Pequenina quase não estava acreditando. O filho estava bonito. Tinha feito até a barba.

- Mãe, essa é a Maria Clara. Clara, essa é minha mãe.

As duas mulheres se beijaram na face. Clara teve que se curvar até a altura de Pequenina. Era muito alta e muito bonita. À primeira vista, passava uma sensação de confiança e de inteligência.

- Mãe, Maria é enfermeira. Conheci-a na emergência de um hospital. Naqueles tempos... Namoramos há mais de um ano.

- Mas você nunca me falou dela, por quê?

- Falta de oportunidade, mãe. Não queria acrescentar mais ninguém à minha vida, mesmo em conversa. Achava que não merecia. De uns dias para cá, ganhei mais confiança. Desde a partida de meu irmão. Resolvi mudar. Fiz a promessa ao Senhor do Bonfim. Devo tomar conta da senhora. Você deve está se sentindo muito só. Meu irmão era seu esteio. Devo assumir esta posição. É minha obrigação. Peço-lhe mil perdões.

Pequenina estava com a cabeça abaixada e chorava. Estava arrependida de ter tirado a fitinha do pulso.

- Mãe, a senhora está chorando? Não. Hoje é um dia muito importante para mim e Maria Clara. Estamos ficando noivos e preciso de sua benção para essa união.

- Filho! Estou chorando de alegria. Claro que vocês têm a minha benção. Esse dia também é importante para mim. Seu irmão ficará muito contente quando souber.

- Diga-lhe também que voltei a estudar. Quero fazer um vestibular. Quero ser um engenheiro civil. Outra coisa mãe. Estou empregado. Fiz um teste para recepcionista de um hotel na orla e fui aprovado. Começo segunda feira. Queriam uma pessoa que falasse inglês e eu falo. Aprendi com meu irmão. Quando saíamos juntos, ele só falava em inglês comigo.

De repente, Serbento retornou da viagem mental que se permitiu fazer. Estava debruçado na janela, olhando o mar. Desviou o olhar para o lado e viu uma piscina e um belo jardim em torno dela. Um caminho de conchas prateadas afulinava em direção a um dos apartamentos. Eram as mesmas conchas que calçavam as ruas do vilarejo. Brilhavam que nem uma pérola. Aliás, muitas delas teriam sido abrigos dessa joia da natureza. De repente, viu alguém se movimentar lá embaixo e recuou, fechando a janela. Foi tomar banho. Uma ducha espetacular. Agradabilíssima. Ficou a imaginar como seria a banheira térmica. Seria usada numa hora mais calma. Agora precisava descer para o jantar marcado para as 20 horas. Iria conhecer o presidente da empresa e os demais companheiros.

O restaurante ficava como que num anexo à hospedaria. Era redondo. Fez-se meio círculo com as mesas.  Ao centro um belíssimo arranjo de flores e conchas prateadas. Pela amplitude do círculo, dava para calcular que, no mínimo, umas vinte pessoas participariam do jantar. Fora o primeiro a chegar. Logo em seguida chegou Santa Cruz, acompanhado de Richard e Patrick. A seguir, adentraram no salão um japonês e um indiano. Era fácil identificar suas nacionalidades. O japonês pelas características da raça e o indiano pelas vestes desse povo. Logo em seguida chegou um baixinho que mais tarde veio a se saber que era o libanês. Meio careca. Poucos minutos depois, chegou o presidente, acompanhado de umas dez pessoas. Todos de terno e gravata. Eram os diretores da empresa, sem dúvida alguma.

Não demorou muito e logo todos se sentaram. Como previsto, o Presidente fora rodeado pelos seus assessores. Nos demais lugares sentaram os mergulhadores. Serbento ficou numa das extremidades, tendo ao seu lado o carioca Em seguida Richard e Patrick e do outro lado os três integrantes do mundo oriental.

E sem mais delongas, o jantar começou a ser servido por duas malaias vestidas a caráter. Suas vestimentas eram de cetim: uma de branco e a outra de rosa. Na cabeça uma tiara de flores naturais. Estavam descalças e parecia que flutuavam no espaço. Silenciosas que nem uma noite sem vento.

Aí foram servidos camarões e lagostas. O arroz, o tradicional arroz oriental, já estava disposto na mesa em quatro grandes tigelas de prata. Noutras quatro ou seis de menor tamanho e formato, os tradicionais molhos. Os pratos eram de porcelana chinesa e os talheres eram de prata. Esbanjava-se luxo e beleza. Belíssimo e extraordinário jantar. Pouco se falou e pouco uma pessoa olhou para outra. Mais do que satisfeitos, ouviu-se a voz do Presidente. – Eu me chamo Hana (acentuou bem o “r” dos nomes em inglês iniciados com “h”). Estou acompanhado de meus diretores. Depois os senhores serão apresentados a cada um na saída.

- Inicialmente, gostaria de explicar-lhes por que os contratei de tão longe. Tem gente aqui do Brasil, da Inglaterra, da Escócia, do Líbano, do Japão e da Índia. Após minha fala, cada um dos senhores se identificará. Moro nessa hospedaria que espero esteja satisfazendo aos senhores. Ela foi construída para receber visitantes, especialmente clientes do mundo inteiro, compradores de minhas pérolas (estava explicado o luxo). Inicialmente usei a mão de obra da terra. No mar, tivemos sérios problemas funcionais. Eles não se adaptaram ao nosso sistema. Tentamos outras tribos que nem os Dayakis aqui da vila. Houve a vez dos Ibans e a dos Penams, duas outras etnias, mas sempre a mesma coisa. Não cumpriam horários e constantemente faltavam ao serviço. Só queriam trabalhar em proveito próprio nos seus próprios barcos, mas toda essa costa numa extensão de 40 km. é de nossa propriedade. Tenho convênio de preservação ambiental com o governo. O mar aqui me pertence. Agora, cada um dos senhores deverá se levantar e façam o favor de dizer os seus nomes e os países de onde vieram. Santa Cruz foi o primeiro a se levantar. - Eu me chamo Mário Santa Cruz  e sou do Brasil, cidade do  Rio de Janeiro.  

Depois foi a vez de Richard. Deu o seu nome e disse que vinha da Inglaterra. Depois Patrick se identificou. Era escocês, mas morava na Inglaterra. Em seguida, levantou-se o japonês. Disse chamar-se Igai e nasceu em Tóquio. O indiano chamava-se Nerhu e o libanês, Delcazzi. Por fim, levantou-se Serbento  - Eu me chamo Serbento e vim da Bahia.

- Que país é este? Bahia? Na minha relação consta que o senhor veio do Brasil.

- Desculpe senhor. A Bahia é um estado brasileiro. Deveria ter dito Bahia-Brasil.

O homem deu um sorriso generoso e acrescentou: - Gostaria de conhecer a sua terra.

-Tudo bem. Sejam todos bem vindos. Amanhã começaremos o serviço. Boa noite para todos e se retirou. Os diretores permaneceram no salão e se identificarão. Também esclarecerão qualquer dúvida. Cumprida esta formalidade, também se retiraram.

Após, cada um dos mergulhares trocaram abraços entre si, desejando felicidades entre eles. Sentaram-se num conjunto ao lado das mesas do jantar.

- Ainda é muito cedo, o jantar foi muito rápido. Vamos conhecer a cidade, ainda não deu 10 horas

A maioria aceitou a ideia. O japonês e o indiano alegaram cansaço.

Os cinco homens saíram dos limites da empresa e logo adiante alcançaram a rua “prateada” como ficou conhecida. Na esquina com a praia viram um bar que parecia ser bom. Estava cheio. Era um bom indicativo para quem não conhece os bons lugares. Com algum custo, conseguiram uma mesa e cinco cadeiras. Um casal havia se retirado, justo naquele momento. Um garçom se aproximou da mesa. Parecia não ter gostado da substituição de duas pessoas por cinco. Um procedimento um tanto incomum, em se tratando de maior valor de conta e, conseqüentemente, de gorjeta.

-Os senhores vão tomar o que?

- Duas cervejas, inicialmente, falou Richard.

Quando o homem se afastou, Richard prosseguiu. - Foi importante termos vindo. Precisamos trocar algumas ideias. O que vocês acharam do homem?

- Na minha modesta opinião.  Um homem certo para um lugar certo opinou pela primeira vez o libanês Delcazzi.

- Uma presença muito forte, considerou Serbento.

- E o que vocês acharam das razões de nossas contratações. A questão dos indígenas. O mar que é só dele. A mim, particularmente não me convenceu. Achei um absolutismo. Verdade que isto nos está favorecendo, mas não deixa de ser uma prepotência.

- Gente, vocês já repararam que o bar ficou vazio de uma hora para outra, exclamou Santa Cruz? Será o adiantado da hora? Vamos pedir a conta.

- Nada de pedir a conta. Vamos sair desse lugar o mais rápido possível, falou preocupado o inglês. Iremos pela praia e já. Levantem todos e comecem a correr. Isto é um linchamento. Se eles nos alcançarem, temos o mar como alternativa.

 Pegaram a praia e começaram a correr. Na esquina do bar, logo apareceu uma dezena de homens portando pedaços de paus. Começaram a assobiar e a gritar. Limitou-se a isto. Seguranças da mineradora que haviam percebido a movimentação, já vinham em socorro. Tinham armas em punho. Um deles deu um tiro para o alto, possivelmente para dar a entender aos quase agressores que estavam armados

- Por questão de segundos e estaríamos perdidos. Se tivéssemos ido pela rua prateada, não sei o que teria acontecido. Seriamos linchados, talvez até a morte.

Richard parecia um homem experimentado nessas coisas de segurança e perigo. Sua decisão foi perfeita. Em segundos, ele decidiu a conveniência de escapar pela praia. Ademais, sentiu rapidamente um clima de hostilidade a partir do próprio garçom no primeiro atendimento. Se o tivesse chamado para pagar a conta, estariam perdidos. Segundos foram importantes naquela hora.

Chegaram à hospedaria cansados e atônitos. Porque aquilo? Não eram nem conhecidos? Foi a primeira vez que foram à cidade. A diferença deve ser com a mineradora. Eles trabalhavam para ela. Estavam tomando o lugar que era deles. Só tem esta explicação. Não encontro outra.

Subiram para os seus quartos. Serbento abriu a janela e percebeu algo se movimentando na piscina. Apagou rapidamente as luzes. Apurou a vista e viu que era uma mulher e estava nadando nua. Dava para perceber a alvura de seu belo corpo.  Do quarto anexo saia uma leve claridade que se espargia até a piscina. De repente um homem cai n’água e sai nadando. Sem dúvida que é o presidente. Dava para reconhecê-lo perfeitamente quando virava a cara para respirar num “crawl” impecável. Num dos braços, o esquerdo a tatuagem de um golfinhjo. Beijou-a nos lábios e acariciou os seios, Uma cena bonita de um “sonho das 1001 noites”. Em seguida, saíram. Deu para perceber que era a mesma moça da portaria quando chegaram à hospedaria. Começou a fazer conjecturas: será que é apenas um caso com a menina ou ela é sua esposa? Um dia saberei. Não era importante. Tanto fazia. Fechou a janela e começou a considerar os acontecimentos ligados àquela noite. Primeiro o jantar com o presidente. Ele foi muito gentil quando da omissão do nome do Brasil. Percebeu meu embaraço e amenizou a situação de uma forma muito hábil. Derivou o pensamento para a vila. Estava atônito de relação a tentativa de agressão de parte da população contra eles. A coisa é mais séria do que a relatada pelo presidente. Este pessoal deve ter sido mau tratado e está sedento de uma vingança, seja contra quem for da empresa. Isso nos impede de frequentar o vilarejo para uma compra ou outra “coisa” qualquer. Estavam solteiros da vida. Ficariam sem opção. Teriam que ir a Lumpur ou outro qualquer lugar, nos dias de folga.


quatro

O despertador havia sido programado para tocar às 5 horas. Queria aproveitar o tempo para um bom banho. Iria estrear a banheira térmica. Seria a primeira vez na vida. Logo após desceu para o café. Era o primeiro a aparecer. A garçonete era uma das moças do jantar da noite anterior. Muito simpática. Sempre sorrindo. Seria uma Dayaki? Estaria sabendo dos acontecimentos da vila. Resolveu indagá-la.

- Você mora na vila? 

- Moro senhor.

- Está sabendo o que aconteceu ontem à noite conosco?

- Não senhor.

- Você é solteira ou casada?

- Sou solteira, senhor.

- E você saiu ontem à noite?

- Não, senhor.

A essa altura chegava os outros componentes do grupo. Serbento interrompeu o interrogatório. Não conseguiu nada e se expôs sem necessidade. Claro que ela não iria falar nada.

As 5.50  soou a buzina de um veículo que chegava à hospedaria. Era a mesma Kombi que os fora buscar no aeroporto e o mesmo motorista. Cada qual pegou sua mochila com o material de mergulho. Entraram no veículo e foram conhecer a empresa para qual iriam trabalhar nos próximos três anos e, possivelmente, realizar o primeiro mergulho.

A sede ficava a uns 500 metros da hospedaria. O terreno era todo cercado por telas de arame grosso. Uma guarita elevada e um portão automático protegiam a entrada. A Kombi estacionou numa das laterais do prédio, onde já se encontravam diversos carros Na parede os nomes dos departamentos. Todos, carros luxuosos, mas um deles chamava especial atenção: era uma Mercedes, conversível, prateada, que nem as pérolas. Devia pertencer ao presidente.

- Primeiramente, vocês irão ao Departamento de Recursos Humanos para conhecer o seu gerente e ele conhecer os senhores. Certamente que, logo após, deverão ser encaminhados ao Departamento Médico para os exames de rotina, falou o motorista.

O gerente do Departamento de Recursos Humanos chamava atenção pela sua careca, bastante pronunciada, apesar de jovem. Parecia que ainda ajudava raspando totalmente a cabeça, desde que nos lados do crânio notava-se ainda a existência de um cabelo escuro.

  - Me chamo Steeve como vocês já sabem quando fomos apresentados no jantar e sou o gerente desse departamento. A contratação dos senhores foi coordenada pelo nosso departamento ao redor do mundo. Pelas aparências, vejo que fizemos uma boa escolha. É um prazer recebê-los. Gostaria que cada qual entregasse seus respectivos passaportes para as devidas anotações. Depois serão devolvidos se os senhores assim preferirem; senão, ficarão guardados em cofre especial à prova de fogo. É mais garantido. Aqui tem muita palha seca e há os temporais, frequentes nessa região. Agora vou encaminhá-los ao DM – Departamento Médico – para os exames de rotina. O doutor Hans deverá atendê-los.

Todos preferiram guardar os passaportes na empresa. O último a entregar foi Richard. Parecia em dúvida. Só finalizou a entrega após um sinal de olho com o Patrick. Serbento percebeu.

Foram chamados por ordem alfabética. O primeiro a entrar foi Delcassi. Foi tomada a sua pressão e foi auscultado. Faria também exames de sangue e de urina. Um laboratório de Lumpur mandará uma enfermeira para a obtenção de material de todos no mesmo dia.  Avisaremos aos senhores para a abstinência alimentar de véspera. Tudo bem com Delcassi. Pressão 12 por 8. Em seguida foi a vez de Igai e a pressão também estava bem. Depois foi a vez de Santa Cruz e se apresentou um problema – sua pressão estava um pouco elevada em 13 por 9.

- Nada sério, mas o senhor não poderá mergulhar dessa maneira. Vou lhe passar uma medicação e dentro de uma semana, faremos nova tomada de pressão. O senhor também deverá fazer um exame de sangue e urina que a todos estou pedindo para daqui a três dias. Na sequência, entraram Nehru, Patric, Richard e Serbento. Todos muito bem!

Menos Santa Cruz que ficou deitado no consultório médico, os demais se dirigiram para o píer onde estava atracada uma escuna. Foram recebidos pelo comandante, um indiano chamado Masifaji. Dois marinheiros faziam os serviços de bordo. Eram malaios, mas não eram de Klang. Usavam bermuda multicolorida e camisa regata branca. O comandante mais ou menos a mesma coisa, com exceção da bermuda que era cinza. Na altura do peito esquerdo nas três camisas, o desenho de um golfinho.

- Não estou vendo tubos de gás comprimido nem compressor de ar. Parece que os mergulhos serão feitos em apneia, observou o escocês.

Enquanto isto a escuna seguia mar afora. Estavam próximos a um banco de corais. Pela distância percorrida, mais de três quilômetros da praia, era de se esperar maior profundidade.  A água era extremamente límpida. O comandante deu algumas instruções de como deveriam agir na retirada das ostras. Cada mergulhador levará uma pequena barra de ferro com dentes numa das pontas. Além disso, cada um terá um saco amarrado à cintura para colocação das ostras. Deviam permanecer n’água pelo menos uma hora com descanso de 15 minutos fora dela, na escuna, se preferirem ou relaxando no próprio mar. Deveriam preservar as ostras pequenas. Só recolher as maiores e aproveitou para mostrar a todos o que era considerado uma ostra grande e uma pequena. Ambas enormes, mas para os padrões deles, havia verdadeiramente uma pequena e uma grande.

Ai seguiu-se um monte de perguntas dos mergulhadores.

- Todas as ostras têm pérola?

- A maioria não tem.

- Há uma forma de saber se uma ostra tem ou não uma pérola pela cor de sua casca ou pela sua forma. Qualquer indicativo.

- Não tem!

- Como será feito o controle da contagem das ostras per - capita?

- As sacolas são numeradas de 1 a 7. Todos os dias cada um dos senhores receberá a mesma sacola hoje escolhida. Por exemplo, quem for o número 1, será sempre esse número. Por tradição a sacola com este número é oferecida ao mergulhador mais velho. Não sei dos senhores quem é o mais velho, ou melhor, o menos moço.

- Eu devo ser o mais velho. Tenho 35 anos. Acho que ninguém aqui é mais velho do que eu.  Era Richard quem falava.

Todos bateram palmas e abraçaram Richard. O homem número 1. Evidente que era uma brincadeira.

- Quando um mergulhador terminar a sua tarefa que corresponde a quatro mergulhos de uma hora e 15 minutos de descanso entre eles, deverá  entregar  a sacola a um de nossos ajudantes que fará a contagem das ostras válidas, isto é, com pérola. Este procedimento é realizado lá em baixo da escuna. Temos uma sala refrigerada para tanto. Na oportunidade será feito um relatório em duas vias, assinado pelo ajudante e pelo mergulhador. Este terá um armário com fechadura de segredo onde guardará esses relatórios e seu material de mergulho.

Prosseguiu o comandante: - Todas as conchas retornarão ao mar, mesmo aquelas que tenham pérolas. Claro que as pérolas serão retiradas antes e guardadas em cofre. Em terra, quando a escuna chegar, um funcionário acompanhado de seguranças, vem buscar as pérolas obtidas. O descarte das ostras, retornadas ao mar, claro, tem a finalidade de preservar a espécie.  Elas se recuperarão se os tubarões não as comerem antes, em razão de estarem ainda caminhando sobre a areia, mas esse caminhar é muito lento. Elas se abrem e depois se fecham impulsionando a água. Mas não há dúvida que são presas fáceis dos tubarões que as trituram nos dentes, afiadíssimos e fortes.

- De relação à alimentação, será sempre à base de ostras e peixes aqui pescados pelos nossos ajudantes. A área é muito piscosa e teremos sempre uma base alimentar muito saudável. Claro que temos uma reserva de outras alimentos, caso não haja condição de pescar. De relação à água, importamos de Singapura a melhor delas. Não temos nessa parte da ilha uma água confiável. Por último, se alguém se cortar, saia logo da água. O sangue dos cortes pode atrair tubarões que existe em toda essa área, mas não há registro de acidentes nos últimos cinco anos.  Se aparecer algum, olhe-o de frente. Não lhe dê as costas. Se tiver alguma ostra na mão jogue-a fora, imediatamente. As do saco, não tem problema, desde que o mesmo não é transparente, mas não o sacuda. Poderão exalar algum cheiro. Por fim, costumamos encerrar o serviço às 16 horas. Felicidades para todos e cada um mergulhou pela primeira vez naquele mar azul.

Assim, teve inicio uma nova vida cheia de surpresas, mas de muita beleza. O fundo do mar era extraordinário na Malásia. Lá estavam as conchas grudadas aos corais. Foram sendo recolhidas em cada um dos sacos numerados. A cada hora, os mergulhadores subiam na escuna. Um sinal de apito era ouvido. Cumprido todo o conjunto de tempos de 4 horas de mergulho e uma hora de descanso, desceram todos e começou o processo de abertura de cada concha pela ordem dos números dos sacos. Ao final, somente uma concha ofereceu uma pérola. Estava no saco número 7 de Igai, o japonês. Os demais estavam decepcionados. Tanto esforço, quatro horas de mergulho e apenas uma pérola. Era um resultado muito pífio, estavam crendo.  À noite, já na hospedaria, somente alguns desceram para jantar, entre eles Serbento, Patrick e Richard. Sentaram-se numa das mesas do restaurante e beliscaram o self-service. Basicamente só comeram salada. 

De relação à Santa Cruz, descansou por quase três horas numa maca no Departamento Médico. Chegou a dormir. Quando acordou foi levado de carro até a hospedaria. Começaria a trabalhar no escritório no dia seguinte até o término do contrato como mergulhador   Assim esperava. Não havia no contrato a previsão desse problema ou teriam que antecipar o valor de seu salário de três anos.

Efetivamente, no dia seguinte, Santa Cruz logo ao chegou na empresa, foi encaminhado ao escritório. Deram-lhe uma mesa. De imediato , estava em sua frente o chefe do escritório. Se apresentou: - Meu nome é Barrada. Sou o chefe do escritório. Já me explicaram o seu problema. Como você é contador formado, não terá nenhuma dificuldade em entender o funcionamento desse  escritório. Vou lhe apresentar aos seus companheiros de trabalho e em seguida desceremos até a expedição onde começa a operação que controlamos ou registramos.

Desceram pelo elevador até o térreo. - Aqui as pérolas são despachadas para todo o mundo via Correios. Eles vêm pegar em carros fortes. Naquele momento estava sendo feito um carregamento de pérolas. Era um veículo que nem esses de bancos com os dizeres “KANTOR POS”, os Correios daqui. 

- E essa zuada? Vinha de uma das laterais do depósito.

- Ali atrás trabalham duas trituradoras fazendo pó de pérola, como é chamado. É muito procurado Ele é usado pelos japoneses devido ao seu efeito de correção da pele branca das gueixas. Penetra nos poros e é com uma massa fazendo com que os poros fiquem perfeitos, lisos e com uma cor brilhante. Na China também é muito usado. Veja esta revista. Tem um texto sobre esse produto.

Pó de pérola: 

Há milênios a China detém um segredo que consiste em embelezamento através dos pós de pérolas. O aspecto mais convencional em toda gravura chinesa é sempre daquela imagem que "parece" uma pele de porcelana e isso não o é por acaso. A prática de rejuvenescimento e clareamento através do pó de pérola faz parte da cultura chinesa. Assim, após algumas décadas de pesquisa, conseguimos finalmente a formulação de tal produto, e agora fabricamos creme com pó de pérola agregado à óleos essenciais específicos e um hidratante que serve como veículo para levar os produtos ao interior da pele, rejuvenescendo-a  e dando "luz" às cútis cansadas ou manchadas. Ao produto final com pó de pérola o nomeamos de creme perla itália, e os resultados são surpreendentes. “


- E a pérola de que se compõe?

- Não é da minha área mas sabe-se que as pérolas são compostas por carbonato de cálcio, material orgânico e água; o carbonato entra na composição com cerca de 80%. Outra coisa interessante: a maioria das pessoas pensa que as pérolas são apenas prateadas. Não são. Tem pérolas douradas, verdes, azuis e até negras, esta últimas caríssimas. Agora vamos subir de novo. Vou lhe mostrar o nosso call-center. Era um salão. Aqui vendemos as nossas pérolas para todo o mundo. São 15 moças nessa atividade. Todas falam pelo menos dois idiomas. A maioria é estrangeira. Somente duas são malaias. São Dayaks, isto é, pertencem à tribo daqui.Por sinal, você é brasileiro, não é verdade? Pois bem temos uma brasileira do Rio de Janeiro. Um de nossos diretores a selecionou entre centenas de candidatas no próprio Rio de Janeiro. Colocamos um anuncio num jornal dessa cidade e foi um sufoco. Quase parou Copacabana.
- Muito bem. Vou deixar você por aqui. Vou chamar uma das “controllers” para lhe explicar o resto. 

Sentou nas proximidades e dirigiu o olhar para a brasileira.. Realmente muito bonita. Tinha um corpo abençoado. Como uma águia, pressentiu que a estava olhando. Quase sorriu, mas controlou os músculos da face. Poderia não ter gostado e não queria mais complicações. Nesse ponto a peça se levanta para ir ao sanitário. Passa em sua frente exalando um perfume extraordinário. Que pernas! Que braços maravilhosos!  Que coisa! Santa Cruz estava realmente impressionado. Voltou pelo mesmo caminho, apesar de ser mais curto o espaço pelo outro lado da sala, até onde estava sentada.  Ela está querendo me chamar à atenção, não resta a menor dúvida..  Vou dar um jeito de falar com a portentosa e vai ser na hora que a “controller” for me mostrar o funcionamento do centro. Vou perguntar se tem alguma brasileira entre aquelas moças, eu que era brasileiro. Claro! A pergunta mais natural e lógica para a ocasião. Se tivesse, queria ser apresentado, é natural.

E não deu outra. - Este é o senhor Mário Santa Cruz. E brasileiro como você.  Gostaria de lhe conhecer.

 - Meu Deus! Um brasileiro aqui na Malásia. Meu nome é Sandra e sou do Rio de Janeiro. Você de onde é? – Também sou do Rio. - Não acredito? Dois cariocas perdidos na Malásia.  Nessa altura, a “controller” sentindo-se à parte da conversa, tomou uma decisão. – Está quase na hora do almoço. Sandra.  Poderia almoçar com o senhor Mário? – Claro, será um prazer. Vamos! O restaurante é aqui mesmo há uns 200 metros do prédio.  É uma espécie de quiosque. É muito agradável. Fica à beira do mar. A praia em frente é muito bonita. Não é como Copacabana, mas é praia. Chegamos! Caminhar é bom. Poderíamos ter vindo de carro, mas é tão perto.

- Ela não sabia que eu não podia fazer muito esforço, mas não senti nada. Até gostei. Estava me sentindo o homem mais sortudo do mundo. Logo de primeira! Uma brasileira. Bonita, agradável, descontraída, nesse fim do mundo. Parece que também ela estava gostando em me conhecer, não especificamente ao Mário Santa Cruz, mas tão somente um brasileiro qualquer, fosse quem fosse,  desde que deveria ter mais carência afetiva do que eu próprio que estava em Klang apenas há poucos dias. Ela já morava aqui fazia mais de um ano. As mulheres também precisam.

- É aqui que você almoça todos os dias?

- È! Também almoçam aqui os diretores e até o presidente. Daqui a pouco eles chegam. Vêm sempre juntos. Também vêm a pé. O presidente quase exige. Ele é muito ligado a exercícios físicos. Aliás, na juventude, foi um grande atleta.

- E as suas colegas, também almoçam aqui?

     
- Também, a exceção das dayakis que almoçam em suas casas na vila. Ambas são casadas.

- De onde você é no Rio de Janeiro?

- Minha família mora em Laranjeiras, desde que me entendo.

- Fluminense?

- Sim tricolor. Meus pais são sócios do clube e eu quando estava no Rio frequentava muito o clube. E você, de que bairro é no Rio.

- Sou da Ilha do Governador, também desde que me entendo. Sou vascaíno. Mas, por que a decisão de vir para a Malásia.

- Saiu um anuncio num jornal e resolvi me candidatar. Peguei uma fila enorme. As entrevistas foram num hotel em Copacabana. Foi uma confusão. Deu até polícia. Na minha vez, o entrevistador perguntou se eu falava inglês.  Disse que falava e também espanhol. Mandou que eu aguardasse numa sala contígua ao hall. Depois de meia hora entrou nesta sala outra moça. Ficamos aguardando por mais de duas horas até que o entrevistador apareceu. Começou a conversar com nós duas em inglês. No final eu fui escolhida. O inglês da outra moça não era muito bom, dava para perceber. Em seguida fui comunicada sobre salário e dia da viagem. Tomou meu endereço e numa semana recebi uma ligação da Varig disponibilizando uma passagem de ida para a Malásia e aqui estou eu há mais de um ano. E você, como veio parar aqui em Klang? Você é formado ou é apenas um mergulhador profissional?

- Sou formado em Ciências Contábeis. Escolhi mal a profissão. Passei algum tempo nos Estados Unidos aperfeiçoando meu inglês. Isso me permitiu candidatar-me a esse emprego. Não sou um mergulhador profissional. Era um mergulhador amador de pesca submarina. As duas coisas permitiram-me chegar até aqui. Vai ser uma experiência interessante.

- Já eu sou formada em Comunicação, mas é muito difícil achar um bom emprego no Brasil nesta profissão. Não sei por que escolhi esta profissão. Certamente, achava-me comunicativa. Não tem nada a haver. Quando li o anuncio no jornal – emprego na Malásia – resolvi fugir. Queria ir para bem longe do Rio.  Ganho bem, mas o serviço que faço não é, verdadeiramente, um trabalho de uma comunicadora formada. Pensava em algo bem melhor. Não é pior por que você conversa com pessoas de todo o mundo. Tenho clientes nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Alemanha, no Japão, em tudo que é lugar. Minhas colegas mais antigas passam as suas férias em muitos desses países a convite desses clientes. Não faz meu gênero. Ainda não entrei em férias, mas quando acontecer prefiro rever meus pais. É a única saudade que eu tenho do Rio.

Mas, vamos nos servir?

- Claro! Vamos lá.

Era um self-service impressionante. Um peixe enorme no centro da mesa de serviço, assado na palha; lagostas, camarões e, naturalmente ostras preparadas de diversas formas.

- Parece que você gosta muito de camarão. Você quase só se serviu deles!

- É. Especialmente este à moda malaia. Se você gosta de cozinhar, depois eu lhe passo a receita. Acompanho com arroz à La Malásia. Uma delícia.

- Veja! Os homens estão chegando. É como você mesmo disse. Vêm em grupo

- É!  Não devo me virar. Eles chegam sempre nesta hora.

- Você mora na vila?

- Não, a exceção das malaias, todas nós moramos numa outra hospedaria que nem a de vocês. É muito confortável. Fica aqui perto. Chama-se Hospedaria das Pérolas. As “perolas” somos nós.

- Por sinal, suas colegas estão chegando.

- Elas devem chegar sempre depois do presidente e seus diretores.

- E por que nós chegamos primeiro?

- Você é “visita”. Têm todas as preferências. Como estou com você, também cheguei antes do presidente, mas amanhã estarei integrada àquele grupo.

- A não ser que eu a convide, retribuindo sua gentileza.

- Não dá, é claro. Amanhã você não é mais visita. Já deverá estar trabalhando ou no mergulho ou vão lhe colocar em algum lugar na empresa.

- Preciso voltar ao escritório. Se você quiser descansar um pouco antes de voltar para a empresa sua hospedaria fica a poucos metros daqui. Você ainda não está sujeito às normas de horário. Você estagia. Aproveite.

Efetivamente  Mário  veio descansar na hospedaria. Tirou os sapatos, arregaçou as calças e veio chutando água. Cansou. Efetivamente não estava bem. Dormiu o resto da tarde. 

cinco

Naquela noite, ninguém se aventurou a sair. Aliás, depois dos acontecimentos do bar, as opções eram muito reduzidas. Evitava-se até caminhar à esquerda da praia, por questões de segurança. Os guardas estavam instruídos para impedir qualquer aventura nesse sentido. Assim sendo, Richard sugeriu que andassem em sentido contrário, para a direita e em pouco tempo, estavam próximos a um quiosque, o mesmo que Mário almoçou. Estava todo apagado. Parecia um lugar agradável. Era uma pena que não funcionasse à noite. Seria uma ótima opção. Resolveram caminhar mais um pouco e chegaram em frente à outra hospedaria. Devia ser das moças.   Bem parecida com a deles. Alguns quartos estavam com a luz acesa, mas não se viu ninguém nas janelas. Para ver o que? Até o mar estava escuro, sem ondas que iluminariam um pouco as bordas da praia com suas espumas. Também não ventava, o que não deixava de ser estranho.

- Isto é sinal de temporal, observou o japonês Igai.

Tinha alguma experiência do assunto. Afinal de contas, na sua terra os temporais eram frequentes. Parece que a natureza se prepara para ventar. É como que estivesse aspirando o ar em torno e em seguida, soltá-lo com a força proporcional. E só foi parar de falar e o temporal começou. Inicialmente, uma chuva torrencial, seguida de ventos mais ou menos fortes. Certamente amanhã não haverá mergulho.

Quando chegaram à hospedaria, totalmente molhados, viram no quadro de avisos que o dia de amanhã seria de folga. Parece que eles já sabiam do tempo que ia fazer a partir de hoje – tempestuoso.

Na manhã seguinte, quando desceram encontraram o motorista malaio na portaria

- Estou indo à Lumpur. Quem quiser aproveitar é só se preparar. Saio dentro de 30 minutos, o tempo de eu tomar um café.

Acomodaram-se todos no conhecido veículo e partiram para a capital da Malásia. Saltaram bem no centro da cidade e combinaram o retorno para as 20 horas. O encontro seria em frente a um cinema ali existente - rua tal, número tal – anotaram. Por outro lado, havia o recurso do celular, todos tinham os números entre si.

Começaram a andar e de imediato ficaram surpresos com a beleza da cidade. Moderna, limpa, vibrante, charmosa. Tiraram muitas fotos.



Lumpur
Foram a um shopping e compraram o que estavam precisando, principalmente produtos de higiene pessoal. Alguns, entretanto, compraram bermudas e camisas coloridas, extravagantes. Influência do ambiente! Pensaram também na monotonia das noites na hospedaria – compraram baralhos, dominó, xadrez e gamão. Compraram até um arco e flecha e respectivo alvo. Brincaram que talvez não precisassem do alvo – tinha o traseiro do motorista malaio. Depois do almoço, pegariam um cinema. Fazia tanto tempo que não assistiam a um filme em tela grande. Escolheram um em 3 D. Divertiram-se muito com as imagens extrapoladas. Quando estavam à procura de um restaurante que não servisse ostras, depararam-se com uma agência de turismo e um grande mapa da Malásia região. Pararam para apreciar por sugestão do inglês. – Todos precisam saber onde estão. Para quem ainda não sabe estamos aqui em Kuala Klang e apontou a localidade. Fez diversos comentários, inclusive as portas de saída da Malásia.
Mapa da região da Malásia

 

- Saltamos aqui em Kuala Lumpur e estamos em Klang a oeste, em pleno estreito de Malacca. Fica a 14.2 km.  da capital. Vejam onde fica a Tailândia ao norte e a Indonésia ao sul, bem na linha do Equador. Olhem Singapura ou Singapore, uma grande cidade. Espero um dia conhecê-la. Num fim de semana prolongado poderemos ir até lá. É perto! Prosseguiu, salientando o grande número de ilhas que o Mar da China possui. São dezenas delas. Todas, verdadeiros paraísos e agora basta, vamos almoçar. Falava como um líder e, efetivamente, já estava se tornando.

- Quem quer comer ostra, levanta a mão. Churrasco. Churrasco gritaram todos. Aqui no shopping deve ter um bom restaurante. Será que tem churrasco? É difícil!

Quando estavam nessa euforia pré-gastronômica, eis que surge o malaio.

–Como você nos encontrou? Perguntou Richard.

- Claro que vocês só poderiam estar em um shopping. Procurei em dois aqui no centro. Por fim os encontrei. Tenho novas ordens da empresa. Devo voltar com a Kombi às 15 horas. Tem previsão de chuva para o fim da tarde. É aconselhável viajarmos antes.

Richard retrucou – São 13.30 horas e você quer viajar às 15 horas. Nós nem almoçamos e você quer se mandar às 15 horas. Esqueça. Venha almoçar conosco e melhorar seu astral.

- Não como dessas comidas.

- Você coma ou não, esqueça-nos. Depois do almoço estamos pensando em jogar um videogame interativo, boliche, apreciar o desfile das beldades de sua terra e só voltar à noite, se voltarmos. Poderemos retornar amanhã de madrugada. Simples!

- Mas são ordens do presidente. Tenho que obedecê-las.

- Obedeça-as e boa viagem. Diga ao seu presidente que resolvemos dormir aqui e amanhã às 6 horas estaremos a postos para mergulhar. Ninguém é de ninguém!

O malaio estava sem acreditar. Os caras estavam desafiando as ordens da empresa, especialmente do presidente. Ninguém fez isto antes. Esses gringos são mesmo um bando de malucos e se afastou mais do que possesso.

O restaurante tinha carne. Foi um festival delas. De boi, de carneiro, de frango, de porco, de tudo. Riam como crianças e se brindavam a toda hora com rodadas de chopes. Davam vivas aos seus países e à Malásia. Viva a vida. Viva o mar. Viva às pérolas.

Depois entraram num boliche. Richard não acompanhou o grupo.  Alegou precisar passar um telegrama e comprar uma mochila. Encontraria com o grupo antes da sessão de cinema terminar. Por outro lado, iria providenciar um transporte para o retorno à Klang. Faria contato pelo celular para o reencontro.

Após comprar a mochila, o inglês entrou numa casa de armas (!?). Escolheu uma minimetralhadora. Colocou-a na mochila e em seguida se dirigiu a uma locadora de veículos.

- Não temos Kombi como o senhor está querendo. Só possuímos carros e no horário que o senhor pretende viajar fica difícil. Vai chover, aliás, já esta chovendo e a estrada tem um trecho muito ruim. O risco de assalto é muito grande, devido à baixa velocidade que os veículos são obrigados a andar. Porque o senhor e seu grupo não vão amanhã, por volta de 5 ou 6 horas?

-É uma boa sugestão. Coincide com nossas verdadeiras intenções.

- Não entendi?

- Não é mesmo para entender. É instinto! Algo que se forma na cabeça das pessoas e ninguém sabe como e por que. Deve ter um hotel aqui por perto.

- Tem um aqui ao lado do shopping. É muito bom. Tem uma bela de uma boate no 50º andar. Parece que os senhores estão sozinhos. Seria um ótimo programa e o hotel permite acompanhamentos extras, digamos assim. O senhor me entende?

-  Agora foi a sua vez. O instinto lhe pegou. Riram!

- Vou aceitar a sugestão do senhor. Quanto vai custar a viagem?

- Quantas pessoas são?

- Somos sete.

- Nesse caso, serão dois carros. Serão 350 dólares. 50 dólares por pessoa. No horário que o senhor marcar, os carros estarão no hotel. Só preciso que o senhor me confirme se realmente ficarão hospedados nesse hotel e o número de seu apartamento, pelo menos. O pagamento é antecipado. O senhor compreende.

Richard de imediato emitiu um cheque. Depois cobraria de cada um a parte correspondente.

Quando o grupo soube dos acertos respectivos, vibrou. O menos entusiasmado foi o indiano, mas mesmo assim, esboçou um sorriso maroto. Também estava precisado. Fazia tanto tempo! Era o que se imaginava.

- Os senhores vão querer apartamentos individuais ou preferem ficar em dupla?

- O que o senhor acha?

- Individuais, é claro, desculpe. Favor encher as fichas. Como os senhores não estão com bagagem de viagem, o pagamento é antecipado. As despesas extras poderão ser pagas depois São 200 dólares por pessoa com direito a um jantar com acompanhante. O restaurante funciona até meia noite. Sejam bem vindos. Divirtam-se.

- Está ficando caro, esperneou o japonês, mas aceitou. Ponderou que um jantar naquele hotel devia ser um espetáculo e se houvesse acompanhante, mais espetacular ficaria. Em tese, o hotel como que estimulava o acompanhamento, desde que isso resultaria numa receita a mais se o acompanhante fosse para o apartamento. Seriam mais 100 dólares. Uma forma de ganhar mais sem que o cliente sentisse o peso. Espertos! É assim que se faz negócio. Usando a ansiedade e o desejo dos semelhantes. É uma forma de se aproveitar das fraquezas humanas Ou seria o contrário?

Combinaram se juntar de novo na boate às 9 horas a fim de dar tempo para as outras coisas que a noite prometia. Praticamente, chegaram ao mesmo tempo. Combinaram entre si pelo telefone interno do hotel. Quando chegaram à porta da casa de danças (!) foram conduzidos a uma antessala curiosa. As paredes estavam cheias de máscaras, dependuradas em pequenos ganchos. Uma malaia, vestida a caráter dirigiu-se ao grupo que se mostrava surpreso. Toda sorrisos e reverências.

- Todos os homens têm que usar máscaras no recinto da boate. É uma preservação da identidade das pessoas. Os senhores compreendem! Temos meias-máscaras e outras que cobrem toda a face. Quais os senhores preferem?

Quase todos preferiram meias-máscaras, menos Nerhu, o indiano. Ninguém compreendeu.

Lá dentro, efetivamente, todos os homens estavam mascarados, até mesmo os garçons, seguranças e o pessoal do bar. Somente as mulheres não usavam máscaras. Todas de vestido longo, elegantíssimas. Sentaram-se numa espécie de box, separados por divisórias baixas aveludadas. Ao meio de cada um, uma mesa também baixa. Estavam dispostos em círculos espirais em declive e bem ao meio do salão na parte mais baixa, achava-se a pista de dança. Era como se fosse uma arena. Pediram uísque com gelo e o escocês acrescentou ao seu pedido uma água mineral com gás. Explicou que na sua terra se tomava uísque daquela maneira.

Tão logo pediram a bebida, duas lindas malaias aproximaram-se da divisão. – Podemos entrar? E foram entrando sem aguardar o consentimento. De onde vocês são?

- Do mundo inteiro respondeu Serbento.

- Como assim?

- De diversas partes. Não estamos brincando. Depois vocês haverão de saber especificamente. Vocês devem ser malaias, pela aparência.

- Eu sou e ela não. Sou de uma cidade aqui perto. Moro lá e venho quando preciso. Ela é de Singapura, mas mora aqui em Lumpur. Meu nome é Sara e o dela Magnólia.

- Nomes verdadeiros ou artísticos, interveio o japonês?

- Mais ou menos.

- Compreendo.

- Vocês querem companhias? Tem muito moça bonita e inteligente disponível. Vocês vão gostar.

- Precisamos!  Era a vez de Patrick, quase eufórico.
Sara se levantou e em poucos minutos o Box se encheu de lindas mulheres, menos ela. A sua função era do primeiro contato. Fazia-se acompanhar sempre de uma grande mulher para impressionar. E sem nenhuma cerimônia, cada uma das moças sentou-se de forma indiscriminada. Não havia escolha e nem precisava, de ambas as partes. Elas pela beleza de suas pessoas; eles porque estavam precisando. As limitações dos rostos dos rapazes estavam relativamente escondidas, entre elas principalmente a idade. Outras referências poderiam ser usadas. O porte atlético ou não; a altura; a voz; o cabelo, essas coisas do corpo humano. É possível que o indiano tenha usado bem este artifício. Era o menos dotado fisicamente, desde que, intelectualmente era dos mais fortes. Aliás, ele e Serbento. Richard era enorme. 1.90 de altura, louro de olhos azuis. Patrick não ficava atrás, também era louro e igualmente alto. Um pouco menos do que o inglês. Mario tinha a estatura média, 1.75 de altura. Tinha os cabelos pretos e era moreno. Serbento era um pouco mais alto do que ele e tinha a pele clara, sem ser muito branca. Não escondia sua descendência espanhola. Era elegante. Viajando para o outro lado do mundo, Delcassi não podia esconder sua origem de nenhuma forma. Era o verdadeiro árabe, da mesma forma que Nehru era o verdadeiro indiano. Peles morenas. Restou o japonês. Claro que inconfundível, mesmo com a máscara. Seus olhos rasgados o traiam De relação às moças seis eram da terra e uma era russa. Esta tinha especial preferência pelos homens orientais. Sentou-se quase propositadamente junto ao japonês. As demais foram se identificando pelos nomes: Raja, Mirua, Soraha, Wook,Sara e Vera. A russa chamava-se Maria Slonova, devia ser xará  de alguma tenista russa.

- Dá licença. Vou dançar com a minha amiga....

- Mirua.

- Minha amiga Mirua.

Tocavam um bolero. Somente um casal se encontrava dançando. Serbento e Mirua era o segundo par na pista.  O outro se compunha de uma moça muito bonita e um cara alto, musculoso. Num daqueles momentos em que os dois pares se aproximaram um do outro, Serbento reparou no braço do homem uma tatuagem de um golfinho. Será que é o presidente?  Começou a se indagar. Aproximou-se de novo, agora propositalmente. Teve a certeza! Era o presidente! A outra referência marcante era a altura. O presidente era alto que nem aquela pessoa. Não podia ver qualquer parte da sua face porque usava uma mascara total que nem a do indiano. Mas não restava a menor dúvida. Interrompeu a dança e se sentou ao lado de Richard.

- Richard  tenho uma novidade. O Hana está aqui na boate. O identifiquei pelo braço.

- Como? O que? Pelo braço?

O vi nadando na piscina certa vez, à noite. Ele tem a tatuagem de um golfinho num dos braços. Naquela ocasião estava acompanhado pela recepcionista da hospedaria.

- Lógico e natural. Tinha que ser ela.

- Como assim?

- Vamos por parte. Lembra-se do nosso motorista malaio. Queria porque queria nos levar de volta às 15 horas para que não descobríssemos o homem por aqui como está acontecendo. Se não foi no shopping ou no hotel, foi aqui na boate. Aliás, ao que tudo indica, ele também está hospedado nesse hotel. É lógico.  Reconheceu a moça que está com ele?

- Não é a recepcionista! Tenho certeza. Essa daqui é bem mais alta.

- Não deixa de ser normal. Ele é um homem solteiro e pode fazer o que bem quiser. Só não estou entendendo o papel da moça da recepção. Não consta que ele seja casado. Deve ser um caso particular. Vamos deixar o homem viver a vida dele e vivamos a nossa. Vamos a elas. A minha já vai jantar comigo e em seguida...

E aos poucos os pares foram se acertando, restando apenas o indiano e sua parceira e mais do que de repente ela se levanta num movimento brusco. Houve algum problema. O indiano se retirou sozinho. A conta já havia sido paga por Richard, o primeiro a sair Depois ele cobraria de cada um as novas despesas.
seis

O retorno foi feito sem maiores problemas. Os dois carros no horário acertado – 6 horas – subiram a rampa que dava na porta de saída do grande hotel. Como não havia malas, apenas mochilas, rapidamente os dois carros começaram a pequena viagem. Chovia muito e os motoristas dirigiam com cuidado. Ninguém se falava e assim aconteceu em toda a viagem. Quando chegaram à hospedaria viram de imediato o aviso de que os mergulhos estavam suspensos até segunda ordem.

Ainda com poucas palavras entre eles, subiram para seus quartos. Serbento estava pensativo. Apesar de ser normal e lógica a presença do presidente na boate, conforme disse Richard, não deixava de ser estranho aquele comportamento. Um homem da sua responsabilidade, sozinho numa boate em Lumpur. Não era uma questão de necessidade sexual. Ele tinha ali em Klang, em sua própria casa. Por que seria? Era muita exposição e o motorista malaio era seu “comparsa”. Confiar num homem daquele era muito estranho, em sua opinião. Não comentaria o assunto com mais ninguém, nem mesmo Santa Cruz, seu conterrâneo. Por fim, resolveu dar uma olhada na piscina do apartamento do presidente. Estava coberta com uma lona plástica e o apartamento parecia fechado. Não entendia onde se “escondia” a recepcionista. Nunca mais apareceu. Uma das malaias do jantar é que dava a assistência de refeições e fazia a arrumação dos apartamentos.

Após o almoço e rápido descanso, a maioria resolveu jogar um pôquer. O libanês foi jogar gamão com o indiano. A chuva continuava e se estendeu pela noite toda. Resolveram dormir mais cedo, a fim de compensar os esforços do dia anterior, viagem, boate, sexo, etc.

O sol resolveu aparecer no dia seguinte. O tempo estava maravilhoso. Os mergulhos certamente seriam retomados. Precisavam! Para isso foram contratados. Já fazia quase um mês que estavam na Malásia e poucas vezes mergulharam. Devia estar ficando caro para a mineradora ou não? Essa era a opinião do inglês, principalmente quando o malaio reapareceu para comunicar que também hoje não haveria mergulho – a escuna estava em manutenção.

Richard desconfiava de algo muito sério. Vinha guardando segredo ao grupo, mas não havia mais razão para esconder. Por outro lado, precisava da ajuda deles. Convidou todos para irem ao seu apartamento.

- Tenho uma coisa que preciso contar para vocês. Eu não sou um mergulhador profissional. Sou um detetive particular. Pertenci à Scottand-Yard, onde trabalhei quase 10 anos Os convidei para vir até aqui porque desconfio que no salão e em muitas partes da hospedaria, haja escuta clandestina. No meu quarto havia. Descobri após rigorosa varredura. O dos senhores também deve ter. Verificarei depois, mas não é aconselhável desarmar tudo. Eles desconfiariam. Só que os senhores precisam ter cuidado com o que falam e até o que fazem, pois pode haver câmaras ocultas.

Fui contratado pela Federação Internacional dos Joalheiros com sede em Londres. São filiados a esta entidade as maiores joalherias do mundo.  Eles querem descobrir o que está acontecendo aqui na Malásia de relação às pérolas. Desconfiam que as pérolas oriundas da Malásia não sejam verdadeiras ou naturais, como se propala. São pérolas artificiais, mas tidas como naturais, em razão de sua perfeição. Tudo bem! O problema é que eles vendem as pérolas como sendo naturais e não são. Por outro lado, desconfia-se de contrabando.

Isto vem prejudicando as comunidades indígenas de todo o Mar da China, bem assim, da Índia – esta a maior produtora de pérolas naturais do mundo – Ninguém está conseguindo vender seu produto por questões de preço. As pérolas “naturais” de Klang são negociadas pela metade do preço. Ninguém está vendendo nada. Um caos e o artífice desse negócio que poderia ser absolutamente legal se ele quisesse, é o senhor Hana, Presidente da Mineradora Klang. Ele nasceu na Índia, mas tem cidadania inglesa.

- Desculpe Richard, preciso de uma explicação, expressou-se Serbento. Em sendo artificiais, como os peritos não descobriram a fraude?

- Por enquanto ninguém conseguiu descobrir nada. Eles da Klang devem ter descoberto uma nova tecnologia que ainda ninguém conhece. Como sabem a ostra para produzir uma pérola cultivada, precisa sofrer uma inserção de um corpo estranho no seu organismo. Hoje, isto é feito com um grão de areia. Quando isto acontece, o molusco reage ao corpo estranho e é esta reação orgânica de defesa que produz a pérola. Temos desconfiança que, ou eles estão inserindo um tipo especial de areia ou teriam encontrado um novo tipo de ostra, talvez uma ostra híbrida com os germes da própria ostra, ou não seria uma ostra e sim outro molusco, talvez até um coral. Quanto ao contrabando é claro que, por uma questão de princípio, sou obrigado a denunciar as autoridades locais e de outros países que trabalham com a mineradora do senhor Hana, se ficar comprovada a suspeita.

- E por que nos contrataram a peso de ouro, pelo menos dentro dos padrões de meu país o Líbano?

- Foram duas contratações. O Patrick também é contratado. Ele não foi nem é da Scotland Yard. Ele apenas foi meu professor de mergulho em Dover, quando eu passei uma temporada lá. Ficamos muito amigos e eu sugeri aos patrocinadores que também o contratasse. Seria mais uma pessoa trabalhando na questão. Agora, respondendo à sua pergunta, parece complicado, mas não é. Eles pretendem dar ao mundo a impressão que fazem uma pesca natural e pagam caro por isto. Contrataram-nos a peso de ouro e fizeram questão de promover a contratação nos maiores jornais de cada país. O mesmo com as moças do Call-Center, como se viu num hotel no Rio de Janeiro. De alto luxo. Em Copacabana. Criam o espetáculo para chamar a atenção da imprensa. De relação aos índios Dayakis, isto explica mais ou menos a reação daquele grupo. Estão sendo preteridos de mergulhar, porque não há interesse verdadeiro de encontrar pérolas naturais. Isto é o que penso. Fazem de conta e nós estamos fazendo parte desse conto das mil e uma noites. Quero dizer aos senhores que já os considero como amigos – só amigos – e que ninguém se sinta obrigado a me seguir ou apoiar. Esta é uma questão minha para a qual estou sendo pago, regiamente pago. Entretanto, se faz necessário alertar que podemos estar correndo perigo de vida. Os senhores estão correndo perigo de vida por minha culpa. Se este pessoal descobrir alguma coisa, poderão nos matar e deverão fazê-lo, se conseguirem, como se fosse um acidente. Não esqueçam que o nosso trabalho é feito no mar e o mar tem perigos incontornáveis. Os senhores sabem disto!

- Este senhor Hana veio para a Malásia com este plano? Perguntou Santa Cruz.

Em absoluto! Segundo estamos sabendo ele foi mergulhador na Índia. Era caçador de pérolas, por sinal, um grande caçador. Atravessou o Canal da Mancha a nado quando jovem. Neste tempo residia na Inglaterra e estudava Biologia. Ele é biólogo com diversos cursos de extensão. Dizem que também teria feito um curso de Engenharia Química. Cursou em menos tempo porque já era biólogo. Como levou 10 anos se preparando, desconfia-se que tenha feito outros cursos, inclusive de engenharia genética. É um cara super bem preparado. È capaz de tudo. Quando veio para a Malásia via Singapura, montou um pequeno negócio de pérola e era o seu principal mergulhador. Possuía uma lancha e começou a levar alguns indígenas a quem incentivou a mergulhar. Queria que todos fossem à profundidade que ele ia, mas, sem preparo, muitos estouraram os ouvidos. Ele não teve como assisti-los. De uma hora para outra parou de mergulhar e, estranhamente seu negócio cresceu e acredita-se que não com as pérolas naturais que pescava. Cresceu de outra forma, justamente esta que estamos tentando descobrir.

Delcazzi foi o primeiro a se manifestar – Pode contar comigo!  Depois outro e mais outro, menos o indiano que ficou calado. Aliás, desde o acontecimento da Malásia que o homem está em silêncio profundo. Ninguém sabe o que aconteceu.

Analisando bem a questão, o grupo não tinha outra opção, senão apoiar o “colega”. Infelizmente, tinham “entrado” nesta e precisavam da experiência de um homem como Richard para escapar pelo menos vivos. Não era tão simples pegar um avião em Lumpur e voltar para seus países. Primeiro estavam com as reservas de dólares baixa, desde que não haviam recebido os seus salários. Por outro lado e fundamental, seus passaportes estavam com a empresa desde que eles mesmos os entregaram por questões de “segurança” como fizeram crer. Parecia que não era.

Já que a grande maioria aderiu, no dia de amanhã faremos nova reunião a fim de traçarmos um plano de ação e distribuição de tarefas. Precisamos de muita cautela. Se algo transpirar, estamos fritos. Nesse ponto olhou para o indiano, o único que ainda não havia se pronunciado. Será que ele poderia delatar. Sentou junto a ele.

- O que está havendo, Nerhu?

- Não deveria ter vindo. Preciso voltar para a minha terra. Já consegui de volta o meu passaporte e já me demitir. Só falta viajar, mas estou com dificuldade. Só tenho parte do dinheiro.

- Se este é o problema, a segunda parte desse dinheiro eu lhe darei e mais alguma coisa para os primeiros dias em sua terra.

- Não, Richard. Não é direito.

- Nossa amizade me dá esse direito. Estava preocupado com sua pessoa. Você é um cara muito introspectivo, mas nos últimos dias estava ainda mais. Reparei, por exemplo, o caso da boate. Você foi o único a pedir uma máscara inteira e depois parece que brigou com a mulher.

- Pedi aquela máscara por que estava com vergonha de mim mesmo. Não tive forças para dizer a vocês que não deveria ir àquele lugar. Lá dentro comecei a chorar atrás do disfarce e quando a moça sentou ao meu lado, pobre moça, tive que descartá-la. Naturalmente que ela não gostou. Se tivesse mais dinheiro no bolso, eu a teria recompensado, mas só tinha uns trocos. Arrependo-me de ter vindo. Não deveria ter abandonado meu curso de sacerdotado por dinheiro. Era como se estivesse trocando o céu pelo inferno.

- Conte comigo, amigo. Sabia que estava tratando com uma pessoa de bem. Você é gente boa. Amanhã disporei do dinheiro correspondente e você poderá viajar a hora que quiser.

Como se disse, no dia seguinte, logo após o café, voltaram a se reunir no quarto de Richard. Na sua cama, estava estendido um mapa da Malásia e região e ao lado um potente binóculo. Foram comprados durante a visita a Lumpar. A outra coisa estava dentro da valise ao canto e, por enquanto, ninguém poderia saber. Richard não queria assustar ainda mais seus companheiros, além daquele ponto alcançado ontem. Mas foram coisas que tinham que ser ditas e as foram na hora exata. A situação assim exigia.

- O negócio é o seguinte. Quando eles nos vierem buscar para mergulhar, faremos de conta que está tudo bem. Não faremos nenhuma reclamação e mergulharemos normalmente.  Caberá a uma pessoa, entretanto, uma incumbência toda especial. Você Mário  Santa Cruz. Se sua pressão estiver boa, como já deve estar, você vai dizer que ainda não está se sentindo bem. Não está dormindo bem, está sem apetite, essas coisas. A ideia é que você permaneça no escritório da empresa. Você vai tentar, principalmente, uma nova aproximação com a brasileira gostosa da vida, como você fala. A hora mais conveniente é no almoço. Você deverá almoçar com as moças. Encontre um jeito de pedir uma relação de embarques de pérolas nos últimos três meses. No entanto, só faça esse pedido se você sentir que ela mereça confiança.

- Mas como vou ter essa impressão?

- Nos olhos, minha “santa”. Só no olhar! As mulheres se expressam muito bem no olhar. Olhe bem nos olhos dela. Se ela se esquivar, deixe para lá, mas lhe peça que mantenha segredo do seu pedido. Claro que ela vai perguntar para que você quer esta relação. Aí você dirá que precisava saber se havia outro grupo de mergulhadores atuando em outro lugar para efeito de comparação com o que nós estávamos produzindo ou deveríamos produzir. É uma desculpa esfarrapada, mas no momento não me ocorre outra. Tem muitas formas de falar numa hora desta.

Santa Cruz ao chegar à empresa foi direto ao Departamento Médico para  verificação de sua pressão. Desta feita, o Dr. Hans mandou que ele tirasse uma chapa do tórax, revelada aí mesmo em poucos minutos.

- Infelizmente, estou constatando um pequeno problema.

- Mas como doutor?

- O senhor tem uma redução no pulmão esquerdo. Você já fumou ou fuma?

-Já, mas fumava pouco.

- Não é nada grave. Pode ser que o senhor já tenha nascido assim.

Mário lembrou-se da dificuldade de ir a uma maior profundidade quando mergulhava. Não conseguia acompanhar os outros mergulhadores.

É uma displasia!

O que é isto? E curável, doutor?

- Não! O senhor vai morrer com ela, certamente por outra causa. Fique tranquilo que sua morte ainda está muito longe. Você tem ainda muito que viver. Eu vou morrer primeiro que o senhor, minha enfermeira também, muita gente. Só não pode voltar a fumar. Ai a coisa poderá se complicar. Também esqueça o mergulho.

Como assim?

- O senhor não pode mergulhar. Sou forçado a encaminhá-lo ao Departamento de Recursos Humanos para anotação do ocorrido.

Dirigiu-se para  o RH com os exames na mão e um “escrito” do médico.

- Um momento. Vou olhar seu contrato. .

Poucos minutos depois o diretor retornou. – O senhor deu sorte. Não tem nenhuma cláusula impeditiva. Deveria ter sido inclusa, mas não foi.  Seu caso passa a ser considerado como sendo acidente de trabalho. A empresa terá que aceitar o senhor como mergulhador até o encerramento do seu contrato de trabalho. Praticamente é o que já esta fazendo quando o colocou no escritório. 

Sem que ele quisesse, apesar dos pesares, tudo estava ocorrendo da melhor maneira possível. Talvez nem houvesse necessidade de envolver a Sandra na questão. Ele em pouco deveria saber onde encontrar todas as informações que o grupo precisava.

Subiu para o segundo andar. Passou pelo “call-center”. Sorriu para Sandra. Ela retribuiu. Dirigiu-se para o escritório que ficava numa sala contígua ao centro. Sentou-se na mesa que lhe havia sido designada. Não demorou muito e o chefe do escritório o chamou.

- Inicialmente, o senhor vai passar pelas diversas carteiras a fim de ficar conhecendo o serviço como um todo. Escrituração, faturamento, etc. etc.

Estava melhor do que podia imaginar. Teria acesso fácil a muitas informações, naturalmente com o tempo. Por outro lado, era um sinal de que não desconfiavam ”nadinha” da gente ou não tinham nada para esconder.

No escritório trabalhava umas dez pessoas, a maioria mulheres. Uma delas chamou a sua atenção pela altura e beleza. Chamava-se Marion e fazia o faturamento. Os pedidos chegavam à sua carteira e após análise cadastral e financeira, eram faturados e enviados à expedição Deveria haver outros procedimentos que ainda não estava ao par.

Como já sabia, o pessoal do escritório também almoçava naquele quiosque à beira-mar. Seria uma boa hora de voltar a falar com Sandra. A confirmação desse fato lhe foi dada por Marion, com quem mais simpatizou e se entrosou, possivelmente pela importância do seu serviço. Possivelmente, uma questão de conveniência estratégica. Também havia a conveniência de que Marion era muito amiga de Sandra, segundo ela disse, ao ser indagada.

Fez o percurso do escritório até o restaurante com Marion, da mesma forma como  tinha feito com Sandra, à pé. Contudo, as duas situações eram bem diferentes. Como previa, quando Marion viu a amiga se dirigiu até a mesa onde se encontrava e foi atrás.

- Tudo bem?

Tudo! Agora somos colegas mesmo. Estou trabalhando no escritório junto com a Marion que me disse ser sua amiga.

- Amiga não. Amigona!

- Vocês fazem compras de seu uso pessoal, aonde?

- Na vila. Por quê?

- Preciso fazer umas compras, mas não podemos ir à vila. Tivemos um problema lá no dia que chegamos. Um desentendimento num bar.

- Compreendo. As coisas que eu necessito são feitas por uma das malaias do Call Center que mora na vila. Gente muito boa. Prestativa. Direita.

- Conhece o marido dela?

- Conheço, também é gente boa. Tem um cargo importante na comunidade.

- Estamos precisando apagar aquela impressão deixada com o desentendimento, como lhe falei. Queremos paz. Não nos interessa as desavenças que aquele pessoal tem com a mineradora. Somente um entendimento com um dos chefes, poderia dar fim a esse problema.

- Vou conversar com ela.

No fim da tarde Mario chegou à hospedaria. Os colegas do mergulho já tinham chegado. Sentou-se numa mesa com Richard.

- Como foi?

- Melhor do que você pode imaginar. Fui admitido de vez no escritório da empresa. Já comecei a trabalhar. Não posso mais mergulhar. Foi decisão médica. Tenho um pequeno problema num dos pulmões. É uma displasia. Felizmente no meu contrato não consta que num caso como este, de saúde, o contrato seria interrompido. Ele está valendo até o fim de três anos. Sandra tem uma colega malaia, casada com uma pessoa de certo prestígio na comunidade que vai tentar agendar um encontro de um de nós com um dos chefes da tribo.

- Importante. E você conseguiu ou vai conseguir uma relação de faturamento?

- Devo conseguir sem necessidade de envolver a Sandra. Com o tempo eu mesmo terei acesso a essas informações. Talvez na próxima semana.

- Muito bom mesmo. Como você disse. Melhor do que se esperava.

- E vocês como se saíram no mar?

- Mais um banho de mar em meio a ostras estéreis. Por sinal, no lugar que mergulhamos nunca vi tanta ostra junta. É um mundo de ostras. Não sei por que não exportam?

No dia seguinte, segundo dia de trabalho de Mário no escritório de novo almoçou com a Sandra. Ela lhe informou que surgiu uma grande esperança de um encontro entre um chefe Dayaki e um de vocês. Ainda nesta semana, daria a resposta definitiva.

Ao final do expediente à tarde, quando Mário ia saindo a Mercedes do presidente parou ao seu lado. – Quer uma carona? Estou indo também para a hospedaria.

- Claro. Muito obrigado.

- Você é o rapaz que está com um problema no coração e não pode mergulhar?

- Verdade.

- Deve ser uma dor. Eu já fui mergulhador e sei. Quando não podia mergulhar por qualquer razão, eu quase não dormia. Sonhava com o mar, as vezes bravio, às veses calmo. No seu caso, que deve ser definitivo segundo eu sei, deve ser uma barra.

- Sem dúvida, mas eu quero agradecer sua gentileza em me admitir no escritório.

- Imagina você ficar aqui sem fazer nada, Era preferível voltar para a sua terra. Por sinal, quer voltar que nem o indiano que liberei?

- Não, pelo amor de Deus. Seria uma decepção para a minha família. Estão apostando muito em mim. Pelo menos vou respeitar o contrato  a que tenho direito.

- Claro! Só foi uma sugestão. Chegamos. Foi um prazer. Quando quiser, é só me esperar.

Mário entrou na hospedaria se fazendo de importante. Estou pagando champagne para todos. Ai deve ter uns canapés de ostras como complementação.

- O que aconteceu, cara?  Mais uma vez Richard ansioso por novidades. Que regalia!

- Deu-me carona. Saia da empresa e ma ofereceu. Agradeci o emprego de office-boy no escritório. Ele lamentou que eu não pudesse mais mergulhar. Ele compreendia aquela situação, ele que já foi mergulhador.

- Muito bem e no mais?

-Está quase cerro o encontro entre um de nós e um dos chefes dos Dayakis. Talvez seja esta semana.

- Desculpe! E a relação. Algum avanço?

- Já sei onde fica. Tentei no computador, mas pedem uma senha que eu não tenho.

Já anoitecia quando Richard resolveu tomar um banho antes de jantar. Pegou o binóculo e o dirigiu para o píer de atracação da escuna das pescarias. Naquele momento outra, bem maior, estava descarregando uns barris. Um caminhão guincho era usado na operação. Ligou para o quarto de Patric e o indagou se ele tinha uma máquina fotográfica ou filmadora.

-Tenho uma filmadora que também fotografa. É muito boa. Tem forte poder de aproximação É uma Canon profissional compacta BP-970G. Comprei-a em Londres.

- Traga-me rápido, depois você faz outros elogios. Filma você mesmo, naquela direção. Aproxime bem, quero ver aqueles tonéis. Levou uns 10 a 15 minutos filmando. Vamos descer para ver no aparelho da televisão. Deve ter sistema de acoplagem. Dito e feito. Eram mesmo tonéis e eram pesados. Usavam guindastes ou guinchos. Bote em câmara lenta. O escocês botou. Veja isto aqui. Água escorrendo dos tonéis.  Tonéis aberto, cheios de água. Está parecendo ostras trazidas de algum lugar.

- Pode ser água potável.

- Água potável em tonel fica difícil. Eles bebem água importada de Singapura. Não tenho mais dúvida. Essas ostras estão sendo destinadas ao processo de cultura de pérolas. E estão sendo manipuladas naquele prédio. Tenho quase certeza! Algo está acontecendo de muito importante naquelas dependências. Talvez um novo sistema de manipulação das ostras; uma nova tecnologia.
sete
                                                      

O domingo surgiu estonteante em Klang. O que fazer num dia como este? Serbento estava a imaginar como teria sido este domingo em Itapagipe desde que lá já aconteceu o fenômeno. Afinal, hoje é ontem no Brasil pelas leis da Natureza. Poderia se quisesse ligar para Pequenina e perguntar justamente – como foi o domingo aí? Anteciparia como que os acontecimentos do tempo. Mas, para que? Não iria mudar nada. Estava sem saber o que fazer. Pensava em tomar um banho de mar ou apenas andar um pouco pela praia. Quando estava nessa dúvida, ouviu a buzina da Kombi do malaio e chegou até a janela.

- Vim buscá-los para que os senhores almocem com as moças do Call-Center. É aniversário de uma delas e o próprio presidente está organizando a festa. Como vêem, nem sempre é ruim minha presença. Tem dias como o de hoje. Vocês não merecem. Não esqueço o que fizeram em Lumpur.

Ligeiramente todos se acomodaram e começou a pequena viagem rumo à alegria. O malaio a todo instante recebia um cascudo ou um puxão de orelhas. – Hoje é o dia da inveja. – Mas que inveja?  -Do malaio, do malaio...

A Kombi seguiu por uma pequena estrada à beira-mar e logo chegou ao seu destino. A hospedaria das meninas era belíssima! A Kombi parou bem na porta onde um porteiro fardado os recebeu. - O presidente destinou dois apartamentos para que os senhores possam mudar de roupa ou queiram descansar. Cada um tem três camas, justamente o número de vocês ( o indiano já tinha viajado). As geladeiras estavam cheias de bebidas e em cada quarto havia uma cesta de frutas. Nos banheiros xampus e perfume. Duas toalhas para cada pessoa. Óculos e toucas para a natação, bem como sandálias havaianas antiderrapantes. Claro que em ambos os quartos havia uma banheira térmica já pronta para funcionar.Após se mudarem, desceram. Num dos lados da piscina, duas mesas de massagem e respectivos massagistas. Do outro, um bufê de doces e salgadinhos, ainda coberto com toalhas de linho. Muitas flores por toda a piscina, dispostas em pequenos vasos formando como que uma moldura de um quadro de água. Era a impressão que dava. Mesas e cadeiras brancas. Espreguiçadeiras. A piscina tinha cascatas nos dois lados. A água era ozonizada. À noite devia ficar muito bonita, desde que  tinha diversos pontos de luz nas bordas, com proteção de vidro colorido. Tinha 25 metros de comprimento, oficial. Afinal de contas o homem foi um campeão de natação. Mais um detalhe. No fundo, ao meio, pintaram com tinta fosforescente, letras garrafais: FELIZ ANIVERSÁRIO MARION.

Por enquanto, o presidente era a única pessoa presente. Como bom anfitrião, já demonstrado na preparação do ambiente, estava ali para receber os convidados e os primeiros a chegar foram os mergulhadores com Richard à frente e Mário por último. Apertava a mão de todos. Na vez de Mário. lhe deu um abraço.

Em nome do grupo, agradecemos a gentileza do convite. Pena que não tenhamos trazido um presente para a aniversariante. Fomos pegos de surpresa esta manhã.

- Mas eu falei com o motorista que os avisasse na sesta!  ( o malaio tinha aprontado mais uma). Está bem. Deve ter esquecido. Ele é meio desligado.

- Aceita um uísque senhor Richard? O restante do grupo já tinha se afastado. Só Patrick se achava próximo.

- Claro, sem gelo.

- Desculpe. Também aceito um uísque. Aproximou-se Patrick. O meu acompanhado de uma água mineral com gás.

- Bem à moda escocesa, não é verdade senhor Patrick? Falou o presidente. Porque vocês bebem assim, na terra do uísque?

Nossa água é muito boa e é muito bom beber água, mesmo com uísque. Suaviza o gosto. Dá à bebida o equilíbrio que ela deva ter.

A água que bebemos aqui também é excelente. Servimos uma da Singapura, fonte de um amigo meu e a Perrier, vinda da França. Vamos sentar?

- Claro! E os dois amigos sentaram ao lado do presidente.

- De qual cidade o senhor é, senhor Patrick.

- Seu presidente, sou de Langholm, distrito de Dunfries. A cidade é famosa por seus festivais de música, arte e comida. Também é conhecida no mundo inteiro por ser o lar dos Armstrong.

- Armstrong? Já ouvi esse nome.

- Claro! Neil Armstrong, astronauta norte americano. Primeiro homem a pisar na Lua. Seus antecedentes imigraram para os Estados Unidos. O mais incrível é o seguinte: o primeiro Armstrong foi expulso da Escócia e seus descendentes condenados à forca. Em 1972 o astronauta esteve na cidade e foi recebido com muitas honras. Na oportunidade, recebeu o título de primeiro Armstrong livre do burgo local, após o prefeito rasgar a lei de quatrocentos anos que condenava à forca qualquer Armstrong. Dizem que o astronauta comentou: O MUNDO DÁ MUITAS VOLTAS!

- Parabéns senhor Patrick. Uma história muito bonita.

- Você nunca ma contou!

- Richard, eu só a conto à gente importante. Ah! Ah! Ah!

A essa altura, chegaram os diretores e suas famílias, bem como gerentes e funcionários também acompanhados das famílias e por último, como rainhas de um grande espetáculo, chegaram todas as moças do Call Center e do escritório, bem como as secretárias. Essas nunca sido notadas. À frente do grupo a aniversariante e a mais alta de todas. Fizeram quase um desfile, muito embora não tivesse essa finalidade. Depois sentaram quase todas juntas num determinado ponto da piscina.

Richard se aproximou de Mário e lhe perguntou – Santa, Marion é mesmo aquela mais alta? Que monumento! È muito bonita! Você vai me apresentar, não vai? E quem é Sandra, sua outra amiga?

- É aquela de biquíni azul. Os cabelos curtos.

- Também muito bonita. Aliás, só tem mulher bonita.

Num determinado momento o presidente chamou o garçom e segredou ao seu ouvido qualquer coisa. O mesmo se dirigiu até o grupo das moças e falou com uma delas. De imediato esse se dispersou por diversas partes da piscina e até algumas sentaram em mesas de rapazes solteiros, inclusive dos mergulhadores.

Uma se aproximou do presidente e lhe beijou a face. Serbento logo a reconheceu. A moça que tomava banho de piscina naquela noite, completamente nua.

- Minha noiva. Estes senhores trabalham conosco, senhores Patrick e Richard.

- Muito prazer, meu nome é Yasmin e sentou-se ao lado do presidente.

- O senhor vai nos dar uma licença. Vamos dar uma volta. Richard falou e Patrick o acompanhou.

- Reparou Richard que a noiva do homem é a mesma moça da portaria no dia que chegamos?

- Reparei. Como recepcionista poderia escutar muito coisa, não é verdade?

- Verdade!

Mário já se achava conversando com Sandra. Estava encantado com a beleza de sua amiga. Era um pedaço de mau caminho. Uma deusa. Mergulharam diversas vezes na piscina. Nadaram juntos. Jogaram água um no outro. Foram juntos à mesa de frios. Beberam cerveja. Brindaram-se entre si, muitas vezes cruzando os braços como os noivos fazem. Não quiseram champagne. Bem brasileiros!

- Todos os domingos é assim?

- Não. Um domingo sim, outro não. Vêm todos os diretores e suas famílias, além dos funcionários mais graduados. Hoje veio todo mundo porque é aniversário da Marion e ela é muita querida. 

- E você? Vem sempre?

- Poucas vezes. Prefiro ir a Lumpur fazer compras, ir a um cinema, essas coisas que uma grande cidade oferece. Geralmente vou com Marion, mas às vezes vão outras meninas.

- Olha o pessoal já está se servindo no Buffett. Vamos a ele? Aliás, mais uma coisa. É sobre aquele encontro. Deverá ser na segunda feira na praia, à esquerda da hospedaria de vocês, às 20 horas. Será junto ao gradil. Tchau.

E o almoço se fez da melhor maneira. Comida excelente e farta. Tinha, praticamente, todos os mariscos que se conhece e existe na Malásia. O presidente estava satisfeitíssimo. Corria mesa por mesa, brincando com as moças e as crianças. Parecia uma delas. De vez em quando caia na piscina e exibia o seu crawl em belíssimo estilo. Às 15 horas, dois garçons deslocaram uma mesa móvel e em cima dela um lindo bolo de aniversário. Marion apagou uma vela sem data definida, ao som de “Parabéns para você” no canto de muitas vozes. Logo após os diretores e suas famílias começaram a se retirar e a partir daí a festa pareceu ficar mais animada. Os mergulhadores estavam encantados. Eram super assediados, principalmente o libanês Delcazzi com seu repertório de piadas. As moças riam às gargalhadas, principalmente quando contou a do turco. – Sabe por que o turco só vê filme de sacanagem de trás para frente? Não? É para ter de volta o dinheiro que pagou à mulher que fiou com ele.

O que menos se divertia era o Richard. Ficava o tempo todo observando o presidente da forma a mais disfarçada possível. Ele não poderia perceber. Estava meio confuso. Pinta-se este homem como sendo um pequeno ditador e, no entanto, na primeira oportunidade sem as protocoladas, demonstra ser uma pessoa como outra qualquer. Mostrou ser um homem alegre, de bem com a vida. Permaneceram na hospedaria até às 18 horas.

Na segunda feira Richard, exatas 20 horas, Richard sentava-se na areia junto ao alambrado divisório da empresa. Não demorou muito e sentiu o mato do outro lado balançar e um homem num pulo deitou-se do outro lado.

-Vou permanecer deitado. É mais seguro. Richard tentou ver o seu rosto, mas não conseguiu.

-Eu sou um dos líderes da comunidade dos Dayakis. Quero, antes de tudo, pedir desculpas pelo que ocorreu naquele dia. Vocês não têm culpa de nada. Nossa diferença é contra o Hana. Ele está seduzindo a nossa menina e ainda trouxe-a para perto dele. Que menina? A que trabalha com ele na hospedaria. É só para disfarçar aquele emprego, se é que ela trabalha. Ela é uma autêntica Dayaki, filha de cacique, uma princesa.

- Um momento. Ontem ela nos foi apresentada como sendo sua noiva. Acho que eles pretendem se casar.

- Casar, não sabia disto? Pensei que ele fosse casado em Lumpur. Sabemos que ele tem alguém lá.

- Pois bem, a revolta de alguns parentes e amigos da moça foi por causa disto. Eles acham que todo mundo da empresa é culpado. Querem descontar em qualquer pessoa. Felizmente os senhores perceberam em tempo e correram pela praia naquela noite. Se tivessem ido pela rua, provavelmente seriam mortos. Não vejo sentido a extensão dessa vingança. Inclusive estamos sendo prejudicados. Os senhores poderiam estar gastando seus dólares lá na vila e o estão fazendo em Lumpur. Resolvi acabar com isto. Já conversei com os familiares e os líderes da tribo. A partir de amanhã podem nos visitar. Serão bem recebidos. Eu já estou indo.

- Um momento! Por que vocês deixaram de trabalhar para o senhor Hana?

- Ele era muito exigente. Mergulhava. Tinha uma capacidade de mergulho excepcional. Queria que todos fossem iguais a ele. No esforço, muitos estouraram os ouvidos e o pior, sem nenhum proveito. Aqui não tem mais pérola. É uma raridade. E ele pagava por pérola pescada. Uma farsa. Ninguém estava ganhando nada. Nossos líderes os proibiu de mergulhar com o senhor Hana.

- Então, aqui não tem pérola, mesmo?

- Não tem! Tem muita ostra. É um dos maiores bancos do planeta. Talvez por isto, pensam que tem pérola. É um engano. São raríssimas.

- Você pode me dar o número de seu celular. O malaio deu.

- E seu nome, qual é?

- Chame-me de Dayaki, é o mesmo nome da tribo.

- Eu me chamo Richard, sou inglês.

- Espero vocês na vila. Ficarei aguardando sua ligação. Até um dia.

                                           

oito

No dia seguinte, uma terça feira, Mario Santa Cruz fez-se ainda mais de doente. Não foi almoçar com o grupo. Preferiu ficar no escritório. Pensava em fotografar as notas fiscais de venda e de compra da empresa. Já sabia onde as pastas se encontravam.  Trouxe uma pequena máquina fotográfica na mochila. Tirou mais de 50 chapas das notas. Colocou de novo a máquina na mochila que nunca erai revistada. Quando o grupo voltou do almoço, alegou que não estava se sentindo bem e que iria descansar na hospedaria.

No fim da tarde quando Richard chegou subiu ao apartamento do inglês a fim de lhe mostrar as fotos. Reproduziu-as na TV. Aumentou os caracteres.

- Consegui o que estávamos procurando. Fotografei um monte de Notas Fiscais de venda e de compra. Cheguei cedo e analisei cada uma delas. Temos novidades. A mineradora Klang está comprando pérolas naturais na India e no Japão. Serão essas pérolas que estão sendo repassadas para os clientes como sendo da produção deles?

- Incrível minha Santa. Realmente não esperava por esta, mas tem um detalhe. As pérolas da Índia já foram comparadas com as faturadas por eles e não são iguais. São bem inferiores. Também se fizeram comparações com as japonesas e, de igual forma, há grandes diferenças.

- Tem um detalhe Richard que agora me lembrei. Eles trituram pérolas para fazer o tal pó de pérola. Vi as duas trituradoras.

- Mas também tem outro detalhe Mário. Sabe-se que outras mineradoras no Japão e na China, grandes consumidores desse pó, possuem também essas trituradoras e usam para tal, pérolas artificiais.  Ficaria muito caro triturar perolas verdadeiras. Vamos ver alguma nota fiscal de venda de pó de pérola faturada para algum cliente do Japão ou da China. Vejamos a que preço foi faturado o tal do pó. Está aqui. 1 milhão de euros o quilo do pó de pérola. Eles vendem por este preço. Como é caro, não é? Vou ligar para Londres e saber a cotação desse pó no mercado.

Fez a ligação. -Três milhões de euros? - Tem certeza? Obrigado.

- Você não vai acreditar. O tal do pó está sendo cotado hoje na Bolsa de Mercadorias de Londres em 3 milhões de euros e os caras venderam o mesmo produto há uma semana atrás, segundo a data da nota fiscal, por 1 milhão de Euros. Ai tem coisa e muita coisa. É. Temos muito que fazer.

- Precisamos passar para Londres um e-mail anexando essas fotos das notas fiscais, mas tem um problema. Este computador poderá estar violado. Os e-mails que aqui passarmos poderão ser vistos num computador da mineradora se preparado para tal. É o mesmo que uma escuta eletrônica. Compreende? Veio-me uma ideia. Poderemos passar este e-mail na vila com Dayaki. Já está tudo apaziguado. Vou ligar para ele e iremos ainda hoje.

Fez a ligação- Podemos ir até ai logo mais às 20 horas. Vocês têm internet? Tem.  Ótimo. Até logo mais.

- Quem é Dayaki? Perguntou Santa Cruz.

- È o principal líder da tribo deles. Tem o direito de usar o nome da tribo como fosse dele próprio.

No horário marcado, Richard e Mário pisavam o chão nacarado da rua principal do vilarejo dos Dayakis. As luzes das casas estavam todas apagadas Não havia nenhum reflexo. Somente o bar da esquina tinha as luzes acesas. Sentiram uma sensação estranha. Os acontecimentos daquela noite ainda marcavam a mente dos dois amigos. Será que está tudo bem mesmo ou estavam indo para uma cilada. Os corações dos dois homens estavam acelerados. Olhavam-se como que buscando apoio um n’outro. Quando chegaram ao bar somente um homem estava sentado numa das mesas. Devia ser Dayaki. Este logo se levantou e veio cumprimentar os visitantes.

- Eu sou Dayaki. Muito prazer. Vamos começar no dia de hoje uma nova fase de nossas relações. Confiem em mim. Sou o principal líder da comunidade. Já pedi desculpas pelo que aconteceu. Foi um grande erro dos meus conterrâneos. Estamos todos envergonhados.

- Oh! Nada disto. As coisas acontecem. Felizmente só foi um susto.

- Pois bem, vocês querem passar um e-mail, não é verdade. Na hospedaria não tem computador?

- Claro. Tem, mas está quebrado. Não podia dizer a verdade.

O diálogo estava sendo travado entre Dayaki e Richard. Mário apenas escutava.

Oh! Desculpe. Este é meu colega Mario Santa Cruz. Não estranhe o nome dele. É assim mesmo. Mergulhamos juntos. Também ele esteve aqui naquela noite,

- Prazer, senhor Mário. É tão jovem!

- Tenho 22 anos.

- Eu tenho 28. O Richard deve ser mais velho.

- É já cheguei aos 35.

- Tomam uma cerveja? Claro, garçom uma cerveja e mais dois copos. Logo após vou levá-los até a sede do sindicato local.

- Aqui já tem sindicato?

- Tem!

- Eles não perdem tempo.

Antes de levá-los até lá, preciso esclarecer algumas coisas. Como lhe falei naquela noite e é verdade, o senhor Hana seduziu a nossa Yasmin que é considerada uma princesa por todos nós. Ela é filha de um importante cacique de nossa tribo. Ela é uma Dayaki. E vejam como a coisa aconteceu. Ela trabalhava no Call-Center da mineradora e o homem quando a conheceu se impressionou com ela. Certa noite, ela não voltou para a casa e seus familiares ficaram preocupados. Ligaram para o seu celular, mas estava desligado. Na noite seguinte, quando apareceu, comunicou à família que iria morar na Pousada das Seringueiras.

- Pousada das Seringueiras?

- Conhecemos como sendo Hospedaria das Pérolas.

- Eles mudaram o nome.

- Sim, é como era chamada a hospedaria das moças estrangeiras que trabalham na mineradora. Queria fazer crer aos pais que era muito puxado ir e voltar todos os dias para a casa. Tinha que acordar muito cedo, essas coisas. Os pais acharam razoável e deram o consentimento.

E de relação àquela noite quando não apareceu?

- Alegou que trabalhou até mais tarde e que dormiu no apartamento de uma colega. Mas como a mentira tem perna curta, uma das malaias que trabalha com ela e mora aqui na vila a viu saindo na Mercedes do presidente. Depois, ficamos sabendo que ela estava dormindo no apartamento do homem. Tinha virado sua amante. O próprio pai, inconformado e sem querer acreditar, pegou uma canoa e ficou a noite toda ao largo observando a movimentação do tal apartamento. Num dado momento, viu a filha sair do apartamento e cair na piscina totalmente nua. Conta ele que, naquela hora, deu vontade de saltar na praia e matá-la. Você deve saber como são os índios? A nossa cultura ainda não aceita coisas como esta. O velho quase morreu de depressão. Teve que ir para Lumpur, a fim de se curar.

- Muito bem, lamentamos. Podemos ir ao sindicato.  Lá, passou o seguinte e-mail:

 “Estou anexando dezenas de copias de notas fiscais da Mineradora Klang para que os senhores possam verificar alguma irregularidade fiscal nas mesmas ou qualquer outra coisa. Foram tiradas fotos das originais das mesmas. Peço especial atenção para os preços registrados tanto de compra como de venda. Favor responder através carta registrada. Estava com problema no computador. Abraços. Richard.”

Em seguida despediram-se. Richard prometeu retorno em breve. Traria a turma para jantar.

Três dias depois, recebeu um telegrama. Dizia este:

“Recebemos seu material. Todas as operações foram checadas. Quase tudo normal. Favor telefonar para informações dos detalhes”.

Richard ligou de imediato. – Recebi seu telegrama faz poucos minutos. Porque o “quase”, senhor presidente?

- Um dos auditores observou que eles não citam nas notas fiscais se as pérolas são naturais ou artificiais. Faturam apenas como sendo “Pérolas de Klang” e fazem referências ao tamanho e a cor. Isto é, não citam se são pérolas cultivadas ou naturais. Apenas e tão somente, Pérolas de Klang. Não deixa de ser estranho, mas não é ilegal, principalmente se a expressão estiver patenteada. Tem uma coisa que nos intrigou. Encontramos um faturamento feito a uma joalheria de Paris de pérolas negras. Não nos consta que nessa região haja pérolas negras. Essa espécie só foi encontrada no Tahiti e nas Ilhas Cook, onde vive as chamadas ostras de lábios negros. O senhor Hana deve ter importado essas pérolas de lá ou teriam sido contrabandeadas. Poderemos pegá-lo por ai. Mas isso é apenas um detalhe. O mais importante é descobrir onde estão conseguindo as pérolas prateadas e na quantidade que o próprio faturamento indica. Segundo estamos sabendo, você e os mergulhadores, quase não estão conseguindo nenhuma pérola já faz tempo, consequentemente, também essas pérolas prateadas estão vindas de algum outro lugar, legalmente ou contrabandeadas. O mundo inteiro está interessado em saber a origem dessas pérolas, desde que em novos exames feitos aqui em Londres e em outras partes, as mesmas são absolutamente legítimas. De relação ao pó de pérola é incrível o preço pelo qual estão faturando – um milhão de euros o quilo. O produto está sendo cotado na Bolsa de Mercadorias de Londres a três milhões de euros. É incompreensível. E o produto deles é tão bom quanto qualquer outro ou até melhor. Chamo sua atenção para a possibilidade dessas pérolas estarem vindo de alguma ilha da própria Malásia, enquanto todo mundo está pensando em Índia, Japão, Filipinas e a coisa está aí por perto. O senhor teria alguma ideia de alguma região próxima com este recurso?

- Existe aqui uma região pouquíssima explorada chamada Pulau Pangkor, Ilha Pangkor. 90% de seu território são ocupados por mata virgem. Verdade que o turismo já chegou por lá, mas de resto é só floresta. Tem muito peixe e mariscos Pode ser lá. Fica aqui no Estreito de Mallaca, do outro lado de Klang.

- Você precisa descobrir esta mina de ouro, ou melhor, de pérola. Até outra oportunidade. Estou desligando.

Logo após Richard acessou a internet no item “Patentes da Malásia”. Encontrou rapidamente o que estava buscando: PÉROLAS DE KLANG- MARCA REGISTRADA DA MINERADORA KLANG. Não era por ai.

nove

O dia seguinte foi de mergulho. Como de costume a Kombi pegou o grupo na hospedaria. Todos se falavam menos Mário. Estava cabisbaixo. Quando o malaio parou na porta da empresa para que saltasse, pediu que continuasse. Queria ver o embarque dos companheiros Depois voltaria a pé.

-O que está havendo minha santa? Falou Richard carinhosamente, colocando uma das mãos na nuca do amigo e apertando-a ligeiramente.

- Estou me sentindo um inútil. É triste ver vocês sair para mergulhar e eu naquele escritório, sentado o dia todo como um babaca.

- Você que é feliz. Rodeado de beldades do mundo inteiro. Estou brincando. Você já fez um grande serviço. Serei eternamente grato. Ainda poderá fazer muito mais que o deixará com o astral elevado. Estava para lhe falar. Preciso saber muito mais sobre esta empresa e você que está lá dentro é a pessoa indicada. Por exemplo, procure dar um pulo na expedição. Tenho a impressão que ali poderemos obter excelentes informações. É onde as mercadorias se movimentam. Memorize tudo. Não faça qualquer tipo de anotação por escrito. E ainda há o terceiro andar. Tenho a impressão que existe muita coisa por lá, talvez os grandes segredos da empresa.

- Vou tentar fazer o melhor que eu possa. Foi muito boa a sua orientação. Bom mergulho.

Nesse instante o inglês estava sendo chamado aos gritos pelos colegas. A escuna chegou a buzinar como que aflita. Correu e embarcou. Enquanto isto. Mário começou a caminhar em direção ao escritório, como que ansioso pelas sugestões do inglês.

A escuna singrava o mar na sua maior velocidade. Parecia que o comandante queria compensar o pequeno atraso ocorrido ao esperar o inglês.  Em meio ao percurso avistaram outra escuna que vinha em sentido contrário. Trocaram apitos de saudações e se aproximaram uma da outra. Agora os dois comandantes se falavam em voz alta na língua deles. Deu para reparar a fileira de tonéis no convés. Devia ter uns vinte. Estava comprovado o que já tinha sido filmado. Ao que parece, não estavam preocupados em esconder nada, senão não teriam se aproximado. Estavam cheios de água que se movimentava na superfície devido ao balanço da embarcação. Era para ter falado ao Mário sobre esses tonéis, mas certamente ele os notará se conseguir ir até a expedição da empresa. Deve tomar muito espaço. Em seguida as duas escunas se separaram.  A do mergulho ancorou desta vez bem mais longe do que das vezes anteriores. A profundidade no local chegava entre 8 a 10 metros. Parece que por isto, os resultados de colheita de pérolas foram bem melhores. Foram colhidas quatro pérolas. Não é muito, mas é bem superior ao que vinham obtendo. De qualquer sorte, racionalmente, não se justificava a contratação deles para aquela tarefa pouco produtiva. O custo-benefício era muito alto.

Enquanto isto no mar, em terra Mário já estava na expedição. Alegou ao chefe do escritório que gostaria de conhecer o “despacho” das mercadorias faturadas. Foi atendido sem nenhuma suspeita. Apresentou-se ao senhor Lai, um chinês, que era o chefe desse setor.

-Esteja à vontade, Pode ver o que quiser Como agora estou ocupado – está chegando um carregamento – depois lhe explico como isto aqui funciona e se dirigiu para a plataforma de embarque. Um caminhão furgão estava desembarcando grandes tonéis com água. De muitos deles a água escorria na plataforma. Depois verificaria do que se tratava.

Sem mais delongas Mário se dirigiu para uma divisória de onde vinha um som estridente. Abriu a porta e se deparou com duas grandes máquinas, todas de aço cirúrgico. Depois ficou sabendo de que se tratavam das trituradoras para obtenção de pó de pérola. As paredes estavam impregnadas desse pó e dois operários usavam máscaras de proteção. Depois se encaminhou para onde estava o senhor Lai. O desembarque dos tonéis já tinha sido concluído. Ele lhe explicou o funcionamento geral da expedição, desde a chegada das notas até o embarque das mercadorias, pérolas e pó de pérola. A maioria dos pedidos solicitava embarque pelos Correios de Lumpur. Eles vinham buscar em carros fortes. Depois, despediu-se do Lai e na passagem em direção ao elevador que o levaria de volta ao escritório, olhou um dos tanques, cheio de água. Provou da mesma. Era salobra. Apurou a vista aproximando a cara da superfície daquela água e enxergou centenas de ostras que ainda se movimentavam. Estavam vivas. No tanque seguinte, a mesma coisa. Pegou o elevador e sentou-se em sua carteira. Memorizou diversas vezes os principais detalhes daquela visita. Richard vai gostar dessa informação: tonéis cheios de água e principalmente de ostras vivas.

À noite, quando Mário estava a jantar, surgiu no salão o inglês. Quando ele chegava era como se fosse uma avalanche, uma avalanche de pessoa, fazendo zoada, brincando com um e com outro, falando alto, vermelhão, altíssimo.

- Salve, salve caçadores dos grandes mares ou da Ilha Perdida de Gulliver. Não tem para ninguém. Nem para o Hana, nem para nós. Amanhã terá outro banho de mar. Vamos levar umas traves e uma bola e jogar polo-aquático. É menos maçante. O comandante será o árbitro. Alô Delcazzi, você conhece aquela piada do Libanês bicha? Alô Serbentão, meu professor e você Igai, aquilo já cresceu? Na vez de Mário sentou-se ao seu lado. Minha santa preferida!

-Vamos deixar de brincadeira. Tenho informações importantes. É sobre uns tonéis que vi na expedição da empresa. Estavam cheios de ostras vivas e água naturalmente, para mantê-las assim. Provei daquela água. É salobra.

Richard ficou sério. Ostras e água salobra. Devem ter sido colhidas em algum estuário de rio. Desembarcando na sede da empresa! Eles as estão cultivando lá. No primeiro andar, você não viu nada. No segundo, você trabalha junto com as moças do Call-Center. Só pode ser no terceiro andar o destino das mesmas e segundo se sabe, lá devem ficar os laboratórios. Certamente a “coisa” está lá.

- Que coisa?

- O cultivo, a manipulação, tudo que envolve a preparação de uma ostra para germinar uma pérola, só que eles muito provavelmente descobriram um método diferente que as tornam como que naturais. Precisamos descobrir isto.

nove

Sábado não se trabalhava; domingo também e quando a folga caía numa segunda feira de acordo com a escala, o grupo tinha um descanso prolongado. Naquela semana que chegava ao fim, seria assim. Richard tinha grandes planos para esses dias. A coisa ia começar na sesta-feira. Ligou para Dayaki e perguntou se poderia levar os amigos; possivelmente iriam algumas moças do escritório. Seriam convidadas. Deve ter aí um bom restaurante. Não gostaria que fosse o mesmo daquela noite.

- Não se preocupe. Tem aqui um bom restaurante na praia. É muito procurado por turistas. 20 horas, está bem?

- Está bem, 20 horas.

Richard comunicou a todos a realização do jantar da paz, como já estava já sendo denominando.

- Você garante que está tudo bem, falaram quase todos ao mesmo tempo.

- Podes crer. Já estive lá depois daquilo. Mantive entendimentos com um dos líderes da vila e ele, humildemente, até pediu desculpas pelo ocorrido.

Richard não podia dizer que aquele encontro na vila foi o segundo. O primeiro no gradil, não podia ser citado.

Mário ficou encarregado de convidar as moças do escritório e do Call Center. Não deveria descriminar. Convidou todas. Não sabia se Richad iria gostar e na sesta feira um grupo de 18 pessoas encaminhava-se para a vila. As meninas estavam deslumbrantes. Delcazzi teria uma grande plateia para suas piadas. Mário já juntava com Sandra; Richard com Marion e os demais andavam sem saber quem escolher para sentar junto. Era indiferente. Certamente seriam definidas durante o jantar ou não. Não importava!  A ideia era promover uma confraternização geral e uma forma de retribuir o convite que tiveram para o aniversário de Marion, apesar de ter sido feito pelo presidente.

Dayaki já estava aguardando o grupo na esquina do bar. O restaurante ficava ali perto, ao lado do mar. Estava de bermuda e camisa super colorida com motivos florais. Era um homem bonito. Forte. Estatura mediana. Bronzeado. Um sorriso quase permanente. Impressionou a muitas das moças. Foi beijado pela maioria delas. Recebeu um grande abraço de Richard. Dayaki beijou-o na face. Depois daquilo, Richard tranqüilizou-se de uma vez por todas. Arrependeu-se de uma coisa muito grave. Na mochila que trazia às costas, portava além da filmadora de Patrick a metralhadora portátil que havia comprado em Lumpur. Quando resolveu levar tão díspares objetos, desconfiava das verdadeiras intenções de Dayaki. Apostava mais nas boas, senão não teria levado um grupo tão numeroso, contudo, não conseguia descartar uma calamidade. Por via das dúvidas!

O restaurante ficava bem próximo de onde estavam. Desceram uma pequena escada e estavam num acesso revestido de conchas prateadas que nem a rua. Havia outros juntos, todos iluminados com lanternas japonesas de diversas cores. Quase todos tinham música ao vivo. No escolhido por Dayaki, uma famosa cantora malaia soltava sua belíssima voz em diversos idiomas e ritmo.  Um órgão eletrônico a acompanhava.

Sentaram-se todos e os que ainda não tinham tido nenhuma preferência feminina, procuraram um lugar entre duas moças, ao contrário de Delcazzi  com o qual as moças procuravam sentar-se junto. Sabiam que as piadas iriam rolar! Dayaki também foi envolvido por duas beldades. Chegaram a se empurrar entre si. Elas estavam mais impressionadas com ele do que ele por elas. Por outro lado, a todo o momento se levantava para falar com um garçom, com o gerente do restaurante, preocupado com a excelência do serviço. Mas não havia defeito. Tudo corria às mil maravilhas. A comida era excelente, o que de melhor poderia ser feito. De principio foram servidos o que é conhecido na Malasia como “Dim Sun”, ou seja, pasteis recheados de camarão com acompanhamento de curry, gengibre e pimenta, ao gosto. Em seguida, enguias à moda malaia, conhecidas como “kingkip”. Por fim, foram servidas lagostas com salada e frutas. Um luxo! Dayaki ria todo o tempo e solícito explicava o que era cada prato,  como era feito e como devia ser comido. As moças estavam encantadas e algumas chegaram a chamá-lo para uma pergunta no ouvido. Ele ria como se fosse uma resposta. De relação à bebida estava sendo servido um delicioso vinho branco e champanhe francesa. O jantar já se estendia até as 11 horas e quando Richard pediu as contas  um dos garçons informou que Dayaki já havia pago antecipadamente. Todos eram convidados dele. Na saída,  as moças receberam um buquê de flores. Os homens um colar, igualmente de flores.

No sábado, o grupo acordou cedo. Viajariam para Lumpur em dois taxis contratados. Tinham feito reserva de hotel até segunda-feira. Retornariam na terça bem cedo, a fim de mergulharem. Depois de acomodados, cada qual seguiu seu rumo, em duplas. Delcazzi com Igai. Serbento com Patrick e Richard com Mário. O programa era absolutamente livre. Cada qual fizesse o que quisesse. Deveriam apenas anotar os números dos celulares entre si. Anotaram!

Quando todos se afastaram, Richard e Meru se dirigiram ao aeroporto. – O helicóptero já deve estar nos aguardando Merú. Vamos pegar um táxi.

Diversos helicópteros estavam sendo preparados para voo. Eram muito requisitados por turistas. Fazia-se um tour pelas ilhas do Estreito de Malacca. Era necessário reservá-los com antecedência. Foi o que tinha feito Richard desde a sesta feira pela manhã. Fariam um tour específico. Sobrevoariam toda a costa de Pulau Kantum. A Idea era localizar o estuário de um rio. Após meia hora de voo sentido norte-sul, avistaram o estuário de um  deles. Suas águas marrons avançavam sobre o mar alguns quilômetros. Pediram ao piloto que se aproximasse do mar. Enxergaram pontos amarelos. Eram tonéis. Marcavam possivelmente, pontos de criação de ostras. Havia uma centena deles. Estavam amarrados a uma corda bem grossa. Richard começou a filmar.

- Dá para o senhor se dirigir até aquele último tonel à direita? A água está mais limpa ali.

O helicóptero se aproximou e Richard pôde ver os cachos das ostras. Filmou com aproximação.

- Já podemos voltar. Estamos satisfeitos, falou Richard.

Já passavam das 11 horas. Pegaram um taxi e voltaram para o hotel. Tomaram um banho e desceram para almoçar, ali mesmo. Era um excelente hotel e seu restaurante devia ser bom. Nem menos sentaram e Mário enxergou numa mesa ao fundo do salão sua amiga Sandra. Estava acompanhada de Marion. Levantou-se e se dirigiu à mesa das moças.

- Não acredito Mário. Você está me perseguindo? Sente-se ai, almoce conosco.

- Com muito prazer, mas estou acompanhado de Richard. Posso chamá-lo.

- Claro!

Richard veio como que correndo.

Marion ajeitava os cabelos. Beijou-o na face e o mesmo Richard fez com Sandra, como que para disfarçar.

- Que surpresa! Ontem estávamos a jantar na vila. Vocês estavam presentes e hoje estamos aqui a almoçar. Vão voltar hoje ou ficarão até o domingo.

- Ficaremos até domingo e vocês?

- Ficaremos até segunda. Temos folga de mergulho na segunda.

- Mas o jantar de ontem foi uma maravilha. Uma simpatia o Dayaki.

- Verdade, parece ser uma boa pessoa. E você Marion, gostou do jantar?

- Adorei!

- De onde você é?

- Nasci na China mais ainda menina meus pais se mudaram para Singapura onde eles residem até hoje. Conhece Singapura?

- Não, ainda não conheço. Dizem que é uma grande cidade. Que é muito bonita. Moderna.

- Acho que sim.

- Permita-me pedir uma champagne para comemorar  o encontro e antes de qualquer reação dos demais, chamou o garçom e fez o pedido. Quando a bebida chegou pediu licença para fazer um brinde. – Às minhas colegas e amigas da empresa. Brindaram, cruzando os copos em várias direções. Que a nossa amizade perdure por muito tempo. Há quanto tempo vocês trabalham na mineradora?

- Eu trabalho há uma ano e meio, disse Sandra.

- Eu trabalho há três anos, respondeu Marion.

- Nós trabalhamos há três meses.

- Vocês são os brotinhos da Mineradora Klang, brincou Sandra.

- Brotões, talvez fique melhor. Sandra, Mário me disse que você é brasileira e é do Rio de Janeiro. Se existe uma cidade que gostaria de conhecer, esta é o Rio.

- Nas suas férias, você e sua esposa poderão ir até lá. Irão gostar.

- Não sou casado. Não deu tempo. Viajava muito e achei conveniente não formar família nessa situação. Só isto.

- Ou será que você ainda não encontrou a mulher ideal? Observou Marion.

- Talvez, Nunca se sabe.

Nessa altura chegou o almoço. Todos pediram peixe. Uma comida leve.

- Depois do almoço, vamos dá uma volta no shopping. Vocês querem ir conosco?

- Oh, queremos. Já havíamos pensado nisso, Numa cidade que você não conhece bem, a melhor opção é começar por um shopping. Depois você vai se aventurando para outros lugares.

Pegaram um taxi e se dirigiram para o melhor shopping da cidade. Richard foi na frente com o motorista e Meru atrás entre as duas beldades.

- Isso é que é privilégio, brincou.

No shopping fizeram compras; jogaram boliche, tomaram sorvete. O inglês era uma companhia sensacional. Surpreendente, principalmente para Sandra que o achava um homem muito sério. Marion, desde o principio, quando se conheceram na festa de aniversário da noiva de Hana, achava o tipo do homem pronto para muita coisa da vida. As brincadeiras que fazia era para amenizar a seriedade que transmitia naturalmente.. Ele sabia disto! Era um homem extremamente inteligente. Não entendia porque era apenas um simples mergulhador. Deveria ser mais alguma coisa; ou já foi alguma coisa ou será no futuro. Só tinha pensamentos positivos para com ele. Ótimo sinal!

À nível de relacionamento Mario já andava com Sandra de mãos dadas. Já com Marion a coisa estava mais cerimoniosa. Foi Richard quem quebrou o gelo, sugerindo que ela lhe desse o braço. Não ficava bem dois casais andando juntos. Um de mãos dadas e o outro separado. Haveriam de pensar que estavam brigados.

Ficaram no shopping até às 19 horas. Lancharam e em seguida voltaram para o hotel.

Subiram para seus apartamentos duplos. – Richard, Sandra está querendo ir a uma boate mais tarde. Não falou no geral, porque temia uma negativa de Marion e poderia não haver retorno. Falaria com ela a sós. Perto das 22 horas, o telefone ao lado de Mário tocou. Era Marion.

- É para você. Marion.

- Gostaria de convidá-lo para dançarmos esta noite. Aceita o convite?

- Claro minha amiga. Será um prazer.

Divertiram-se muito. Richard era realmente uma figura. Incansável. Piadista. Pessoas das mesas vizinhas davam risadas escutando suas piadas. Juntaram as mesas. Eram turistas norte-americanos. Dançaram juntos. Fizeram rodas. O inglês rebolava no centro. Uma figura. Foi muito divertido. Saíram da boate às duas da manhã.

- Muita obrigada por suas companhias. Vocês foram maravilhosos.

- Vocês também, repicou Richard. Mário sorria de felicidade.

Na manhã seguinte já estavam na piscina do hotel. Nadaram. Deram-se caldos, depois almoçaram em mesa próxima. Às quatro horas as moças subiram para seus apartamento e as seis, viajaram.

Na segunda feira, os mergulhadores foram conhecer o centro da cidade. Olharam muitas lojas de joalherias. A maioria exibia “Pérolas de Klang”. Depois do almoço resolveram retornar à Klang. Os demais resolveram acompanhá-los. Já tinham visto quase tudo, achavam.

Quando chegou à hospedaria subiu ao seu quarto; chamou Partrick e Serbento e mostrou aos dois o resultado da filmagem do estuário existente na costa de Pular Katum. Eram tonéis flutuando e amarrado a eles os cachos de ostras cultivadas. Milhares de ostras. Como são quase 100 tonéis e em se admitindo que cada um possuísse 1000 ostras, conclui-se que existiam ali 100 mil ostras. Se 40% dessas ostras produzissem pérolas, seriam 40 mil pérolas a cada período de 6 a 7 meses.

- E essas ostras produzem as pérolas ali mesmo?

- Ai que está o X do problema. Não se sabe se aquelas já foram manipuladas com um grão de areia no seu organismo ou são apenas criatórios delas próprias. Como descobrimos que essas ostras estão sendo trazidas para a sede da empresa, existe apenas a certeza que essa manipulação esteja sendo feita lá mesmo e depois encaminhadas para o estuário ou não. Penso eu.

- Será que estes caras estão entrando também no mercado de exportação de ostras e nós aqui pensando que elas são cultivadas em algum lugar?  Serbento indagou.

- Nem pensar. Se fosse uma fazenda de ostras, em vez de 100 tonéis, haveria mil, dez mil barris ou muito mais. Essas fazendas são enormes porque o mar é enorme, seu espaço é imenso.

- E a criação das ostras em água salobra, não seria uma razão da melhoria da qualidade quando fossem manipuladas, se manipuladas?

- Pode ser. Não deixa de ser uma novidade.

- No mais, vamos assistir a um vídeo que Serbento comprou em lumpur sobre o cultivo de pérolas no Japão. Nunca é demais.

A principio um grão de areia, geralmente, entra no organismo da ostra, falava o apresentador, enquanto uma imagem computadorizada mostrava a penetração incômoda. Em seguida se inicia a reação do corpo da ostra, também muito bem caracterizada. Uma substância nacarada que a própria ostra produz vai envolvendo o tal do grão de areia e se forma a pérola. Como, geralmente, o grão de areia tem a forma redonda, a pérola se torna redonda. Se a o grão de areia tivesse outro formato, consequentemente a pérola se formaria nesse outro formato. Depois veio a escassez das pérolas naturais, provocada pela ganância do homem. A pesca era mais intensa do que o tempo natural da formação de uma pérola. Ai, eles próprios imitaram a natureza. Pescavam as ostras e em terra forçava a introdução de um grão de areia no seu organismo e a retornava ao mar. Se fossem 100 mil ostras, seriam praticamente 100 mil perolas. Um maná dos deuses do mar. Ai o vídeo já mostrava a manipulação de uma ostra em laboratório. A abertura forçada da ostra com um pedaço de bambu entre suas valvas. Em seguida a ostra sendo colocada numa bandeja rasa com a parte dorsal das valvas para baixo, sendo imediatamente coberta de água. Em poucos minutos a ostra começa a se abrir. Aí é introduzido o grão de areia. Em seguida é mostrada uma experiência interessante para provar que a formação redonda das pérolas é mesmo motivada pelo formato do grão de areia (redondo): mostra os chineses introduzindo imagens diminutas de Buda e tais imagens eram envolvidas pelo nácar das ostras. Ainda como coisa do passado, 70 anos atrás, além do núcleo esférico que se introduz nas ostras, eram enxertados pequenos pedaços de manto de uma ostra produtora de pérola. Hoje, estão introduzindo o núcleo esférico tirado da casca de outra ostra. Em seguida o vídeo mostra pérolas produzidas por mexilhões, bem como as ostras que produzem pérolas negras cultivadas em Mahini. Nesse caso, as ostras são enxertadas por um corpo estranho, umas esferas produzidas por moluscos do Rio Mississipi e, em consequência, as ostras secretam uma substância que dá a cor negra à pérola.

- Sensacional! Serbento. Depois vou querer uma cópia. Pediu Richard.

Aí perguntaram a composição de uma pérola a que Serbento respondeu ser constituída basicamente de carbonato de cálcio sob uma forma de cristais de aragonite e por uma substância proteica denominada cochina. É esta cochina que produz o brilho nacarado das pérolas. Sobre o nome “pérola” vem do latim “pirla”, diminutivo de “pira”, em alusão à forma alongada das pérolas pendentes. Para os romanos, as pérolas eram um símbolo do amor e chamavam-nas de Margarita. Na Bahia, a linda terra de Santa Cruz, Iemanjá é a deusa das Pérolas.

-Opa! Já basta! O importante é a minha deusa, a minha margarita e apertou o travesseiro com sofreguidão. Você não escapa ao amor desse lorde britânico, solteiro por acaso, exclamava Richard.

Só Mário entendeu a atitude de Richard.

dez

Richard acordou super ansioso naquela manhã. Não teria dormido muito bem. Parecia que, quanto mais peças ele reunia ao quadro que vinha compondo, mais ansioso ficava. Desceu às pressas à procura de Mário. Encontrou-o no café.

- Caro amigo. Precisamos conversar. Você precisa subir àquele terceiro andar de qualquer jeito. Deve estar lá a última peça que precisamos para desvendar esse mistério.

- Richard, não é fácil! O lugar é super vigiado. Ninguém pode subir sem ser notado. Deve ter câmaras de observação por todos os lados. Acho que o elevador tem algum segredo no botão de acesso. Deve ser o número de toques. Só as pessoas autorizadas devem conhecer.

- Inventa uma história qualquer. Que você precisa falar com o presidente. Fazer uma denúncia, uma queixa, algo assim- Não é fácil Richard. Vou tentar algo. Deixa-me pensar. Tchau, a Kombi está chegando.

Somente ele iria trabalhar naquele dia. Era folga dos mergulhadores. Já no escritório ficou pensando quais dos dois acessos seria mais fácil ou menos difícil. Um dos dois teria que ser usado para alcançar aquele andar misterioso. Um elevador com segredo de toque e as escadas com câmaras e, muito provavelmente com uma porta com chave antes de alcançar o salão principal.

Primeiramente, descartou o elevador. O segredo de acesso era mental. Cada uma das pessoas autorizadas sabia de cor o número de toques ou a forma de tocar. Já a chave, era algo material. Existia o objeto chave. Poderia ser roubada e feita uma cópia. Mas como? Com quem? Mas tem que ser por aí. Pegou um caderno e anotou no mesmo a primeira letra das pessoas que ele sabia tinha acesso ao 3º andar. Começou com a supervisora do Call Center. Chamava-se Verbena. Anotou um V. Em seguida anotou a letra do nome do médico. H de Hans. Em seguida M de Masifjui, o comandante da escuna. Lembrava-se que no jantar ele denominou o indiano como “meu comandante”. Devem ser muito amigos. Hana mergulhou na India por muito tempo. Depois escreveu um H de Hans, o gerente industrial e, por fim G, de Gerard, o secretário particular do Hana. Tinha as secretárias, mas ele nunca as via. Deviam chegar à empresa por outro acesso. Ficou em dúvida em relação ao Lai, chefe da expedição. Talvez ele tivesse apenas acesso pelo elevador. Não teria a chave do acesso pela escada. Por fim repetiu a letra H, já usada anteriormente. Era a letra inicial do nome do presidente. Diferenciou a anotação com um duplo H (HH). Essas as pessoas que se lembrava.

Posteriormente, ficou a pensar das possibilidades de alcançar uma dessas chaves, pessoa por pessoa. Começou em sentido contrário. HH do presidente. Ele morava na hospedaria. Como chegar até sua pessoa?  Quase impossível. Em seguida L do Lai. Bem mais fácil se ele deixa a chave em alguma gaveta, mas se ele a mantém na cintura fica mais difícil e era o mais provável. Gerard, o secretário particular do presidente quase não era visto e nem se sabia onde morava. Talvez em Lumpur. Quase impossível. Chegou à letra de Rami, o gerente industrial. Outro que morava em Lumpur. Mesma situação do secretario particular.  Em seguida, avaliou as possibilidades de Masifju, o comandante. Devia dormir na própria escuna. Tinha alguma vulnerabilidade.    Por último V de Verônica. Morava na hospedaria das meninas. Parecia a pessoa mais acessível. Havia muitas pessoas próximas dela fora do trabalho. Sandra, Marion e tantas outras.

Precisava discutir a ideia com Richard. Era muito importante. Poderia traçar uma estratégia das prioridades. Talvez tentar primeiramente o comandante da escuna. Sabia-se que ele tirava uma soneca depois do almoço. A chave poderia ser surrupiada nesse momento e devolvida no dia posterior. Ele não deveria perceber a falta nesse tempo, mas mesmo que o percebesse, talvez pensasse que a teria perdido.

- Tem um problema Santa que você não atentou. Como saber a chave certa numa penca de muitas outras. A não ser que ela seja muito diferenciada das demais.

É verdade, Richard, não atentei para isto. E agora?

- Me veio uma ideia. Um chaveiro, um fazedor de chaves. Poderemos introduzir um deles no prédio.

- Simples, mas muito difícil. A segurança é muito rigorosa e atenta. Epa!  Tenho uma ideia. Poderei aprender a fazer chave. Tirar um molde diretamente da fechadura. Não sei se é possível? Poderemos ir a Lumpur e consultar um chaveiro. Convencê-lo a me dar um curso relâmpago. Far-se-á necessário uma centena de dólares. Quem haverá de resistir? Alegaremos qualquer coisa. Ele, chaveiro, deve estar sabendo que a coisa é para algo suspeito. Mas que importa? Não nos identificaremos. Vou ver quando teremos um fim de semana prolongado. Está aqui. Na próxima semana. No seu caso você alegará uma indisposição se precisar ficar em Lumpur até uma segunda feira.

- Boa ideia Mário. Mas tenho uma preocupação. As câmaras de segurança. Você precisa saber se existem na escada de acesso ao terceiro andar. Se não existir, tudo bem. Mas, se existir você terá que desligar o sistema. Aliás, muito provavelmente, os salões do laboratório estarão vigiados por outras câmaras. De qualquer sorte, obrigatoriamente, o sistema terá que ser desligado. Depois lhe ensinarei como fazer. Já desliguei muitos e os daqui não deverão ser diferentes. É pena que eu não possa ir.

O dia da viagem para Lumpur demorou de chegar. Era a ansiedade, a chamada hora mental. É demorada, mas chegou. Contrataram um táxi e viajaram. Não foi difícil localizar um chaveiro pela lista telefônica. Era um senhor de idade, malaio, 30 anos de profissão. Tinha um pequeno lojinha numa rua movimentada. Os amigos se aproximaram.

- Bom dia, senhor. Estamos precisando abrir uma porta cuja chave foi perdida. É uma casa numa fazenda no interior de Klang. Lugar de difícil acesso. Não compensa levar um chaveiro até lá. Seria melhor até arrombar a porta, mas...

- Nem eu iria. Na idade que estou daqui não saio, nem mesmo em Lumpur.

- Muito bem! O senhor é a pessoa ideal. Não sai daqui e tem experiência. Queremos aprender a fazer uma chave através da estrutura da fechadura. É possível?

- Os arrombadores experientes conseguem abrir fechaduras com alguns clipes de papel e uma chave de fenda normal, mas o trabalho fica muito mais fácil quando eles têm as ferramentas adequadas. Um kit básico para violação de fechaduras contém uma alavanca tensionadora e várias hastes diferentes. As hastes diferem principalmente no formato da cabeça. As cabeças diferentes são adequadas para determinados tipos de fechaduras e técnicas de abertura.

Alguns violadores de fechadura usam também uma ferramenta - um tipo de pistola de hastes. Esta pistola consiste basicamente em uma ou mais peças vibratórias de metal em forma de haste. Você introduz essas peças na fechadura do mesmo modo que faria usando uma haste. Quando as peças de metal vibram, elas empurram os pinos para cima.. Isso funciona mais ou menos como extrair uma fechadura. Você gira a pistola enquanto as hastes vibram até jogar alguns pinos na linha de transição. Às vezes, esses dispositivos abrem a fechadura em questão de segundos; outras vezes, não funcionam. Muitos dos que violam fechaduras por diversão, evitam esses dispositivos porque eles tiram do processo o elemento de solução de quebra-cabeça.

 -Verdade?

- Estou lhe dizendo! Possuo uma delas e já a usei muitas vezes quando ainda era jovem e podia sair por ai. As pessoas costumam perder suas chaves, principalmente as mulheres. Muitas das vezes, a chave está apenas escondida numa das entranhas da própria bolsa.

- O senhor aluga a mesma?

- Não. Posso vendê-la. Vai custar caro.

- Quanto?

- 200 dólares. Posso trazê-la amanhã e ensinar o seu funcionamento. Depois faremos um teste em qualquer porta fechada que o senhor escolher, desde que me leve e me traga de táxi. Tenho dificuldade de andar.

- Combinado, amanhã às 8 horas. Está bom para o senhor?

- Está. Até amanhã.

À noite, foram a mesma boate das máscaras. A esperança era verificar se o Hana estaria por lá. Não estava. Lembraram-se do indiano Nehru. Felizmente, conseguiu viajar para a sua terra. Richard ajudou na compra da passagem. Foi mais garantido. Era um cara complicado, apesar de suas promessas de segredo do que já sabia.

No dia seguinte lá estavam Richard e Merú à espera do chaveiro. Já passava das oito e nada do homem.

- Merú, vamos sair daqui de perto. Esse cara pode ter chamado a polícia. Ficaremos sentados naquele bar ali em frente em mesas separadas.

- Mesas separadas! Você pensa em tudo.

- Claro! Se houver algum problema, um de nós poderá escapar.

Mas não foi preciso. Quando atravessavam a rua em direção ao bar, o velhinho chegava de taxi. Portava uma pequena caixa. Devia estar trazendo a tal máquina abridora de fechadura.

No mesmo taxi se dirigiram ao hotel.

- Abra esta porta. Pediu Richard em frente à porta de seu apartamento.

O chaveiro entrou em ação com sua máquina e em menos de um minuto abriu a porta.

Entraram e foi explicado como fazer. Era fácil.

- Aqui estão os 200 dólares.

- Falta uma coisa.

- Que coisa?

- Levar-me de volta ao meu estabelecimento.

-Oh! Claro. Vamos lá.

Voltaram para Klang e os dois amigos ficaram reunidos toda a tarde e boa parte da noite. Fizeram diversas experiências de abertura de portas na hospedaria sem o uso da chave, todas com sucesso e a cada uma em menos tempo. Em seguida, explicou a Merú como desligar sistemas de segurança. Acessou a internet e também lá havia explicações como agir nesse sentido. Era uma orientação a eletricistas para revisão do sistema ou conserto. Facilitou muito a compreensão.

Foi aconselhado a levar dois celulares. Ficariam contatados todo o tempo por um deles. O outro só seria usado em caso de necessidade. Também uma pequena lanterna. Richard não iria trabalhar no dia seguinte.

A Kombi do malaio chegou à hospedaria por volta das 7 horas. Embarcaram todos menos Richard que alegou indisposição. Mário saltou na porta e os mergulhadores se dirigiram para o píer. A pequena máquina abridora de portas estava num dos bolsos da calça de seu bolso. Seu tamanho ajudava a ocultação. Até nisto era sensacional. Custou cara – 200 dólares – mas poderia render milhões. Almoçou na companhia de Sandra e Marion. Quase não falou. A amiga chegou a estranhar e alegou que não estava se sentindo bem. Sugeriram que ele fosse para a hospedaria descansar, mas alegou que tinha muito serviço. Talvez saísse mais cedo na parte da tarde. Pelo contrário, foi o ultimo a sair. Deixou que todos os colegas saíssem e se dirigiu à escada que dava na expedição. Surpreendeu-se com a presença ainda do Lai. Ele se preparava para sair. Escondeu-se dentro de um dos barris sem água. Havia muitos ali. Por fim o Lai pegou o elevador e subiu. Com a pequena lanterna se dirigiu à caixa de luz aonde devia estar também o sistema de controle das câmaras de segurança. Estava!  Até agora tudo bem! Retornou pela escada à sala de escritório e começou a subir pela continuação da mesma com o terceiro andar. Como previa, havia uma porta ao final. Acionou a pequena máquina de abrir fechaduras. Funcionou admiravelmente. Estava dentro do grande laboratório da Mineradora Klang. Refez o sistema de segurança da fechadura, conforme também aprendeu. Notou de logo dois grandes tanques. Ocupavam 80% do imenso salão. Estavam cheios de água. Provou e se tratava de água salobra, circulante. Ambos os tanques estavam cheios de ostras. Em seguida, avistou uma bancada de mármore. Junto uma perfuradora odontológica daquelas que os dentistas usam para obturar dentes. Ao lado um monitor igual a esses de computador. Chamava a atenção dois braços mecânicos como se fosse um robô com terminais ligados ao monitor e, consequentemente, ao aparelho. Continuando a visão da bancada, quatro baixos relevos em forma de círculo e, em cada qual um frasco transparente bojudo. O da extrema esquerda acondicionava um pó branco que nem talco, parecido com aquele que viu no salão das trituradoras. O da direita possuía uma pasta amarela, uma espécie de gel. O terceiro frasco continha umas esferas diminutas que pareciam ser de aço cirúrgico. Brilhavam muito à luz das luminárias. Por fim, no quarto baixo relevo, outro frasco contendo mais esferas que pareciam ser um pouco maiores do que as do outro frasco. No fundo do salão, chamava a atenção uma espécie de container, ou melhor, no formato deste, todo em aço e em sua frente uma serie de manômetros, possivelmente de controle do sistema operacional que ali existia. Desse “container” saía uma tubulação ligada aos tanques. Completando o ambiente, uma pequena mesa, uma cadeira e um armário de aço que, certamente, era destinado para arquivo de documentos. Num dos lados, outra porta que, certamente, levava às salas da diretoria. Por fim, uma grande surpresa. No alto, acima do tal container o símbolo universal de “perigo nuclear”.

 Ficou atônito. Para que serviria? Estariam usando energia nuclear?  Feitas todas as observações, colheu amostras de cada um dos materiais dos frascos em folhas de papel tiradas de um caderno que se encontrava em cima da mesa. Colocou-as num dos bolsos da calça. Seria bom pegar também uma ostra de cada um dos tanques e quando se preparava para sair, percebeu alguém entrando no salão. Devia ser o vigia. Devia ter a chave. Pensou em correr para o sanitário, mas o homem poderia estar indo justamente para lá. Atirou-se num dos tanques e afundou, prendendo a respiração. Tinha agido bem! O vigia estava indo justamente para o sanitário. Demorou um bom tempo por lá. Pensou em sair do tanque e correr para a porta. Não! Ele poderia sair justamente naquele momento. Resolveu permanecer dentro do tanque agachado. Aspirou fortemente e de novo afundou. Afinal de contas era ou foi um mergulhador e poderia ficar sem respirar de dois a três minutos. Sentiu o vigia passar. Dava para ouvir os seus passos. Passado algum tempo, saiu do tanque super ofegante, muito menos pela retenção da respiração, muito mais pela tensão do momento. Se fosse descoberto, poderia ser morto. Tentou escorrer a água da roupa comprimindo as mãos de cima para baixo sobre a camisa e a calça. Retirou os sapatos e escorreu a água dentro do tanque para não molhar ainda mais o chão que procurava enxugar com a camisa que já havia tirado. Agora era hora de tratar de ir embora; de sair daquele prédio.  De novo abriu a porta principal. Desceu para o segundo andar. Depois para o térreo. Religou o sistema de segurança das câmaras e, mais uma vez, retornou ao segundo andar. Ele sabia existir uma saída de emergência no salão. Devia ter uma porta. Mas, ele estava preparado para abri-la. A maquininha estava toda molhada, mas como era absolutamente manual, esperava que funcionasse. Funcionou! Estava fora do prédio. Respirou profundamente e em seguida pulou o gradil. Estava livre. Seguiu em direção à praia. Queria o mar como companheiro. Caminhou na sua borda chutando água, como uma vez fez, mas agora as coisas eram diferentes.


onze


Mário chegou à hospedaria ainda todo molhado. Subiu rapidamente as escadas em direção ao seu apartamento. Alguém o viu chegar e comentou que teria havido algum problema com ele. Richard deu um pulo de onde estava e subiu rapidamente até o apartamento do colega. Encontrou-o deitado, todo molhado. Tirou a sua roupa e o conduziu até o banheiro. Abriu o chuveiro com água quente e o amigo como que despertou. Estava meio fora de si. Olhava o teto fixamente. Não inclinou o rosto quando Richard entrou. Minutos depois como que voltou à realidade.

- Porque todo molhado. Veio pela praia? Teve que mergulhar? Você estava todo molhado.

- Não. Molhei-me lá na empresa. Tive que mergulhar em um tanque de água cheio de ostras. Também vim cortejando o mar. Adoro o mar. Depois eu lhe conto. Acho que preciso descansar um pouco. Estou um pouco tonto.

- Claro! Quando você acordar pode me ligar. Seja que hora for. Estarei aguardando no meu apartamento.

À meia noite ligou. – Pode vir amigo.

- Tudo bem, meu herói?

- Já estou bem. Acho que a missão foi comprida. Epa! Minhas calças. Tenho algum material num dos bolsos. Deve estar tudo um mingau. Enrolei em folhas de papel.  Deve ser importante. Veja lá.

Richard vasculhou a calça de Merú e, efetivamente, estava tudo misturado. Com cuidado, foi colhendo o que encontrava. Inicialmente diminutas pérolas; depois notou uma pasta amarela grudada ao tecido. Colheu parte dela e duas ostras.

- Tem mais alguma coisa?

- Tinha. Um pó branco que nem aquele que vi no salão das trituradoras do Lai. Deve ter se misturado a esta pasta amarela.

Richard anotava tudo num caderno.

- A pasta tem cheiro de látex. Deve ser uma espécie de cola. As esferas que você julgou serem de aço, na realidade são pequenas pérolas. Tem dois tamanhos e são absolutamente esféricas. Devem ter entre 0,3 e 05 milímetros. Impressionante! Agora me descreva o local.

- Dois tanques cheios d’água abarrotados de ostras.

Richard anotou. Um devia ser para ostras virgens e o outro para ostras já cultivadas.  A própria separação explica os dois tipos.

- No meio dos dois tanques, uma bancada de mármore e sobre ela quatro frascos contendo o material que você encontrou na minha calça, inclusive o pó de perola que deve ter se dissolvido. Nas proximidades da bancada um LCD de computadores e dois braços mecânicos. Num dos lados o braço segurava uma perfuradora que nem àqueles aparelhos que os dentistas usam para obturar dentes.

-Você percebeu alguma coisa no outro braço?

- Não. Não percebi.

- Muito bem. Esse braço devia ter embutida uma mini filmadora. É o que eu penso. E estendendo mais esse pensamento, concluiu que a perfuradora, claro, estava ali para perfurar cada uma das ostras e mediante filmagem de uma provável câmara embutida no outro braço, dirigia a introdução dessas pequenas esferas no organismo da ostra. A operação devia aparecer na tela do computador. A cola e o pó de pérola para fechar o buraco. Eles, em vez de abrir a ostra pelos modos tradicionais, perfuram-nos e acompanham esse processo através da uma câmara.

-É como se fosse uma endoscopia?

- Exatamente! Um avanço! E sobre o container ao lado? 

- Cheio de manômetros controladores e dois tubos que saiam deles em direção a cada um dos tanques. Mas, uma coisa me chamou muita atenção. Não queria acreditar no que estava vendo.

- Que foi, perguntou assustado Richard.

- Nos dois lados do container o tradicional aviso de perigo atômico.

Senti medo. Estaria aquele ambiente contaminado? Só me tranqüilizei quando vi o vigia entrar para ir ao sanitário. Caminhava normalmente sem nenhuma proteção de máscara, essas coisas.

- Exatamente! Foi até bom que ele aparecesse.

- Mas ele foi o culpado de meu banho no tanque. Tive que mergulhar num deles para me esconder, mas a água estava morna. Devia ser o ambiente fechado, creio eu.

Richard ficou pensativo. Possivelmente, aqueles tanques armazenavam energia nuclear, daí a temperatura morna da água. Não diria nada ao amigo, por enquanto, mas se fazia necessário um exame posterior.

- Agora, falo eu.  Estou crendo que aquele container era uma desintegradora movida à energia atômica. Essas pequenas pérolas é o resultado dessa desintegração e o material original é uma pérola normal. Só que ainda não sabemos se a matriz é uma pérola natural, verdadeira ou uma pérola chamada artificial. Desconfio que sejam pérolas legítimas, digamos assim. Se confirmado em laboratório, está explicada a nossa contratação. As poucas pérolas que conseguimos são desintegradas nessas esferazinhas, aos milhares. Impressionante, mais uma vez. Os bichos conseguiram o grande feito. Possivelmente a pérola original como que se transforma de carbono em oxigênio e sobre este atua a desintegradora, provocando uma explosão do que resulta em milhares de pequenas pérolas em tamanhos cada vez menores como prova a existência de pérolas de dois tamanhos. O tamanho maior já não deve estar sendo mais usado. Estavam ali, como que de sobra. Só me resta saber se essas pequenas pérolas estão energerciadas atomicamente. Só um laboratório especializado poderá definir, mas tenho quase certeza, que estão. Esta seria a segunda função do tal do container, como você falou.

Não se referiu aos tubos ligando a operadora aos tanques. Não queria assustar ao amigo.

  O dia seguinte foi de mergulho, Mais uma vez Richard alegou indisposição e não foi mergulhar,

- Mário, vou a Lumpur consultar algum especialista em pérolas cultivadas. Dayaki deve conhecer algum. Vou telefonar para ele.

 Por sua vez, Mário foi até o  escritório, mesmo ainda zonzo, mas precisava saber como estavam as coisas; se havia alguma desconfiança no ar, algo diferente do normal daquele. Não havia.

- Conheço um muito bom. Ele é japonês. Trabalhou na Tailândia como engenheiro químico. Chama-se Sato. Hoje faz avaliações de pérolas e outros minerais para diversas joalherias. Tenho seu telefone.

- Obrigado Dayaki. Richard anotou e já no próprio taxi que o levava para Lumpur, marcou a consulta para as 11 horas.

- Gostaria que o senhor avaliasse estas reduzidas pérolas e abriu o saco de veludo que as guardava.

- Nunca vi pérolas tão pequenas. À principio não valem muita coisa.

- Não estou interessado no valor delas. Quero saber se são naturais ou cultivadas.

O japonês inicialmente pegou uma lupa e começou a analisá-las.  Não satisfeito, pegou um microcóspio eletrônico e focou as diminutas pérolas. Após alguns minutos, ainda usando o aparelho, disse tratar-se de pérolas absolutamente naturais. Em seguida, levantou-se e foi até um armário. Lá pegou um pequeno frasco e uma pinça. O frasco continha um liquido branco. Pingou uma gota deste liquido sobre a pequena pérola e continuou a observá-la. Demorou no processo. Depois fitou Richard de forma uma tanto quanto estranha.

- Onde o senhor conseguiu estas pérolas?

Claro que Richard não poderia dizer “onde conseguiu”. Procurou uma resposta.

- Um amigo meu disse ter encontrado em ostras pescadas por ele. Não acreditei muito, daí eu ter vindo até aqui.

- Como já lhe disse, elas são mesmo naturais, mas há algo nelas que está me intrigando Ao colocar este liquido leitoso sobre uma delas, ele como que mudou de cor e se encolheu, como que atraído para dentro do material observado, quase se integrando ao mesmo.  Afastei o liquido e ele retornou à sua cor natural. Voltei a aproximar o liquido e, de novo, o líquido mudou de cor e a se reduzir.

- Repeti a operação uma maia dúzia de vezes e sempre a mesma coisa. Concluo que essa pérola emite como que uma atração estranha que nem uma ima. Permitiu a Richard também a observar o fenômeno. Aconselho ao senhor procurar outro avaliador para confirmar o que eu vi. Se o senhor quiser, posso indicar um colega meu. Ele tem equipamentos bastante modernos.

- Vou querer. Agora, uma pergunta. O que é esta substância que o senhor colocou sobre as pérolas?

- É nácar ou madrepérola um pouco mais liquida do que a original para efeito de armazenamento e experiências. Como o senhor talvez saiba, esse nácar é composto de material calcário chamado aragonita; 6% de material orgânico (conqueolina) da própria concha e 4% de água. No caso nosso, o percentual de água é cem vezes maior, como já lhe disse.

Richard anotou o endereço e em maia hora já estava sendo atendido. Entregou uma meia dúzia de pérolas e o analista levou todas elas para outra sala. O homem possuía equipamentos ultramodernos. Transferia o que era focado para uma tela com imagem digital e em 3D. Não acreditou no que estava vendo; As pérolas como que se movimentavam de dentro para fora sem saírem do lugar. E atraiam as coisas ao seu lado. Foi introduzido um pequeno inseto já morto e este também se aproximou das pequenas pérolas. Incrível! Quando o homem saiu da sala fez a mesma pergunta que o colega.

- Aonde o senhor achou essas pérolas? Elas não são normais ou não estão normais. Elas estão carregadas de energia, possivelmente, de energia atômica. Não chega ser uma energia contaminante, perigosa, mas é uma energia diferente. Nunca vi nada igual.

Richard estava atônito, mas ao mesmo tempo compreendendo o porquê daquelas mini-pérolas possuírem aquela qualidade, ou seria um defeito? Sabia que tinham sido resultado de uma eclosão atômica, e assim, seria quase natural que retivesse aquela energia detectada nos dois exames. Agora o problema era saber se era isto que dava às pérolas cultivadas de Klang toda a qualidade e beleza que possuíam. Iria pensar sobre isto.


doze


O sucesso das Pérolas de Klang estava causando uma verdadeira revolução no mercado internacional de pérolas. As maiores mineradoras do mundo estavam passando sérias dificuldades. O valor de suas ações havia despencado horrores. O prejuízo já estava sendo orçado em bilhões de dólares. O Hana se negava fazer qualquer acordo. Não queria nem conversar. Rejeitava todos os convites de almoço com presidentes das empresas concorrentes e até deixava de receber embaixadores de países prejudicados.

Li-Hu era o maior produtor mundial de pérolas cultivadas. Tinha uma empresa quase centenária. Ele fazia parte da segunda geração de dirigentes de uma mesma família. A cada dia que passava, sentia que sua empresa estava correndo um sério perigo de fechar. Algo precisava ser feito diferente de tentativas de acordo. Resolveu estipular uma premiação de duzentos milhões de dólares para quem descobrisse o segredo das Pérolas de Klang, sua origem, qualquer coisa. Reuniu os presidentes das mineradoras de todo o mundo e cada uma entrou com uma parte de acordo com seu poder no mercado.  Era uma questão de vida ou morte. Estava aguçando até uma denuncia; incentivando a quebra de um sigilo industrial; em suma estava quebrando todos os princípios éticos. Não importava! Não deixaria que a empresa de seu bisa avô fosse destruída sumariamente.

Richard ficou sabendo da premiação através de um cartaz no último laboratório que visitou em Lumpur. Quase não acreditava no que estava lendo. Estava ali a grande oportunidade de sua vida. Havia descoberto o segredo das pérolas de Klang.  Tornar-se-ia  um homem rico, poderoso, realizado, essas coisas. Já estava no meio do caminho dos 40 anos, a fase mais produtiva de qualquer pessoa e, no entanto não tinha nada, nem uma casa própria, nem uma família, porque temia não poder sustentá-la. Sem dúvida que essa era a sua chance. Não poderia perdê-la.

Todos esses pensamentos estava tendo durante a viagem de volta a Klang. Olhava a paisagem que passava na mesma velocidade do carro. Estranhamente não sentia a euforia que uma situação como esta devia proporcionar. Pensava nela, desde que saiu do último laboratório e ainda era o pensamento predominante naquele momento, mas achava que seu coração não vibrava tanto. Alguma coisa estava faltando. Lembrou-se de seu chefe. Foi ele que lhe deu condições de estar em Klang e fazer a sensacional descoberta. Confiou à sua pessoa uma missão de bilhões de dólares. Não achava justo que não compartilhasse com ele os louros daquela vitória. Se ganhasse o prêmio, ele é que estipularia o quanto ganharia de comissão. Deve ser a praxe. Decidiu ligar pra ele e contar o sucesso da empreitada. Faria isto logo chegasse a Klang.

Sentindo-se mais aliviado, já no seu apartamento ligou para Londres.

-Quero falar com o presidente. É Richard de Klang. É muito importante.

- Alô, Richard. Como vai este mergulhador? Divertindo-se muito com suas ostras? Muita pérola por ai?

- Senhor presidente, conseguimos. Descobri o segredo das pérolas de Klang. Queria compartilhar com o senhor a euforia que estou sentindo pelo feito. Não sei se o senhor sabe que foi instituído um prêmio de 200 milhões de dólares a quem descobrisse esse segredo?

- Sei Richard.  Li numa revista de negócios. E daí?

- Estou satisfeito de ter proporcionado à sua empresa e ao senhor este ganho, para mim formidável.

- Formidável para qualquer pessoa. Ele irá proporcionar ganhos ainda maiores a dezenas de empresas que estavam indo à falência e levando para o fundo do poço, milhares de famílias cujos chefes vivem da pérola. O desemprego nessa área já é uma calamidade e tendia a se estender em pouco tempo. Daí a sua contratação, desde que confiávamos em sua competência. Tinha certeza que você iria conseguir.

Lágrimas chegavam aos olhos de Richard, ao ponto de embargar sua voz.

- Está chorando grande mergulhador, senhor dos mares orientais?

- Verdade, senhor Presidente. Não tinha pensado assim. Como estavam sofrendo essas famílias! Agora, estou feliz. Parabéns mais uma vez.

- Um momento, não desligue. Ainda não acabei. Como lhe disse os associados de minha empresa estarão ganhando dez, vinte, cinquenta vezes mais nos próximos anos. Foi você que descobriu o grande segredo, O prêmio é só seu.

- Não, senhor presidente, não posso aceitar.

- Pode e deve. Na sua idade você precisa constituir família, ter uma esposa, filhos e aí você perceberá que tudo isto é mais valioso do que qunhentos milhões de dólares. Em verdade é nada e em sendo “NADA” não estou lhe dando nada.

- Presidente, o senhor não existe. Em poucas palavras, jogando com elas, efetivamente estou ganhando “nada” e por esta razão, aceito.

O prêmio seria pago em Singapura onde estava sediada a empresa do senhor Li-Hu, mas ainda tinha um longo caminho a percorrer. Precisava ser provado cientificamente aquele novo processo de cultura de pérolas. Era tão inovadora a invenção do Hana que muitos haverão de suspeitar e até de não acreditar no sucesso das suas pequenas pérolas. Tinha dezenas delas guardadas. Tinha que ir em frente. Marcaria uma entrevista com o industrial, imediatamente. Discou para o telefone da empresa.

- Gostaria de falar com o senhor Li-Hu,

- Quem fala, respondeu uma voz feminina.

- Richard Madison.

- Quem é o senhor, de que empresa é?

- Não sou nada e não tenho nenhuma empresa, respondeu irritado. Parece que o homem é um Deus!

- Não estou entendendo, do que se trata?

- Quero agendar uma entrevista com o senhor Li-Hu.

- O senhor Li está muito ocupado este mês. O senhor faça o favor de ligar no próximo e talvez possamos agendar a entrevista que o senhor está solicitando. Qual é mesmo o assunto.

- Não tem assunto nenhum. Não é “nada” de importante.

Richard desabou. É assim que as pessoas perdem a oportunidade. Colocam um “muro” ao telefone e pronto. Ninguém incomoda o tal do presidente, contudo, não sabia Richard que aquela empresa estava recebendo milhares de telefonemas do mundo inteiro de pessoas ávidas por ganhar o prêmio. As ideias mais estapafúrdias. O presidente já havia até recebido algumas dessas pessoas em seu gabinete. Absoluta perda de tempo. Pediu que anotassem os contatos, a qualificação do proponente e seu endereço. Uma comissão nomeada por ele avaliaria cada caso e aquelas propostas mais consentâneas eram classificadas e seus autores convidados para uma entrevista preliminar com a referida comissão. Foram alguns desses casos que o Presidente foi sugerido a atender. Até então, nada que prestasse, efetivamente. Geralmente, eram culturas de pérolas usando como elemento provocador do distúrbio orgânico da ostra os mais variegados elementos. Sementes de frutas eram as mais constantes. Até as “pobres” ovas do caviar foram citadas.

Ai lhe chegou uma ideia. Tinha que ir por cima. De presidente para presidente. Ligou para o seu presidente. Explicou-lhe a situação. Pediu que ele conseguisse uma entrevista com Hi-Fu para sua pessoa. Inventasse qualquer coisa, menos referência à descoberta. Queria escapar da tal comissão de avaliação. Devia ser composta por muita gente. Não podia confiar.

No dia seguinte, uma quinta feira, o presidente retornou a ligação. – Pronto Richard. Você vai ser recebido pelo Hi-Fu amanhã, sesta-feira, às 15 horas, lá em Singapura. Felicidades, grande mergulhador.

O presidente, sempre brincalhão. Bem sabia ele que só conhecia de mergulho o que aprendeu no curso com Patrick, relembrava Richard. A água era gelada, suportável apenas para quem estivesse devidamente equipado com aquela roupa de neoprene, um tipo de borracha que contem milhares de minúsculas bolhas em seu interior. Graças a essa característica, a água que entra na roupa não sai, logo ela é aquecida pela temperatura corporal e cria uma barreira isolante entre o mergulhador e o meio líquido no qual ele está envolto.No primeiro dia só houve apenas aulas teóricas. Não esquecia as origens do mergulho confiável. Lembrava-se do que disse Patrick à respeito: “O padre italiano Giovanni Alfonso Borelli foi o primeiro homem a mergulhar com segurança e conforto. Seu bem-sucedido passeio subaquático, em 1679, contou com um traje impermeável feito de couro e untado de sebo. Ele tentava, rusticamente, reduzir as agruras causadas pelo frio, uma das grandes dores de cabeça dos mergulhadores. Antes dele, porém, o historiador grego Heródoto relatava que o imperador Xerxes tinha organizado expedições para buscar, nas profundezas do oceano, os tesouros submersos dos persas Aristóteles, o notável filosofo da Grécia antiga, narrou a descida de Alexandre, o Grande, num sino de mergulho primitivo para observar a vida marinha”.

Foi daí que surgiu a amizade com Patrick. Como precisava de uma pessoa para ajudá-lo na empreitada,  Richard achou por bem consultá-lo se ele gostaria de mergulhar na Malásia. Patrick aceitou. Parece que  não ia muito bem na sua escola de mergulho. Só tinha ele como aluno. Também em Londres. Ficava dificil. A temperaratura da água não era nada agradável, mesmo com neoprene. O homem precisava comprar um aquecedor, mas certamente lhe faltava recursos. Mas não foi só por piedade que fez o convite. Patrick era um homem bom, simpático. Seus parentes moravam na Escócia, sua terra. Vivia sosinho em Londres. Não devia ser fácil.

E ele, Richard, como surgiu no cenário. Tinha se desligado da Scoltlah Yard fazia um ano e meio. Teve um desentendimento com um diretor e não concordando com uma de suas decisões, resolveu se afastar. Mais tarde, soube que o diretor tinha razão. Foi até o seu gabinete e lhe pediu desculpas. O diretor considerou muito dígna a decisão de Richard voltar a ele e pedir desculpas. Não havia necessidade!  Não era tão grave o assunto. Convidou-o a retornar, mas Richard não aceitou. Certa dia, recebeu uma ligação desse mesmo diretor, pedindo que ele fosse até a SY, pois tinha um assunto a tratar com ele. Explicou: A Federação dos Joalheiros de Londres precisava de um mergulhador. Richard achou bastante estranho o convite- uma entidade de joalheiros precisando de um mergulhador – e ele nunca foi mergulhador! Mesmo assim foi até a SY e de imediato foi recebido pelo diretor que se tornou seu amigo. Se comunicavam sempre. Almoçaram uma duas ou três vezes. Chamava-se Simon.

- De que se trata, Simon?

- Sei que você deve estar rindo desse convite, mas a coisa é séria. Fizemos um trabalho para a Federação dos Joalheiros de Londres – a FJL – que suspeitava estar havendo um grande contrabando de pérolas oriundas da Malásia, o que vinha prejudicando e muito o negócio dos seus associados de todo o mundo. Entramos em ação; prendemos alguns suspeitos, mas nada se confirmou. Concluimos que alguma pessoa teria que ir até a Malasia e, “in-loco” fazer uma investigação mais proveitosa. Aí, pediram a indicação de um dedetive da SY, mas isso não seria possível, desde que se tratava de um fato com o núcleo criminoso em outro País. Seria um caso mais da Polinter do que nosso. O presidente da tal Federação, não satisfeito, pediu que, pelo menos, indicasse uma pessoa de confiança e que não pertencesse aos nossos quadros. Me lembrei de você, claro. Você é uma pessoa da minha inteira confiança e sinto muito a pequena rusga que tivemos, felizmente resolvida com uma grande amizade e respeitto um pelo outro. Você aceita?

- É. Estou sem fazer nada no momento. Ninguém desconfia de ninguém e só trabalho quando isto acontece. Não está acontecendo. Acho que o mundo está melhor.

Aí Richard foi à presença do presidente da tal Federação. Chamava-se Thomas Cook. Lhe foi explicada a necessidade. Tinha que ia para a Malásia como sendo um mergulhador.

-Senhor Presidente esse mergulhador é mesmo para mergulhar ou teria apenas uma função burocrática com uma história a contar de que um dia foi mergulhador e arpoou um cação de 10 metros?

- Tem que mergulhar!

- E agora?

- O senhor faria um curso de três ou quatro meses – acho suficiente – e se transformaria num mergulhador. O senhor é muito forte e não deve ter nem 40 anos. Pagaremos este curso.

- Tenho 31.

- Aceita ou não aceita?

Richard pensou alguns minutos e resolveu aceitar. Talvez fosse interessante conhecer outro país. 

- Pois bem! Aqui está um cartão com o endereço da pessoa que o senhor deve procurar. Ele tem uma pequena academia aqui no subúrbio de Londres, dotada de piscina. Estamos procurando fazer a coisa a mais discreta possível. Vou confirmar o seu nome junto à agência encarregada da seleção de candidatos que já nos reservou duas vagas certíssimas. Uma será do senhor e a outra de uma outra pessoa que o senhor indicar e que também fará o curso de mergulho, caso não seja da área. Mais uma coisa importante. Durante a realização do curso, teremos outras reuniões para o senhor ficar sabendo o que está se passando.

Foi aí que Richard conheceu Patrick e o convidou para ocupar a segunda vaga.




treze


Richard alegou a mineradora que precisava ir à Londres e pediu uma licença de uma semana. Em verdade, contudo, ele estava indo para Singapura, séde da mineradora do senhor Hi-Fu. Não sabia quantos dias iria ficar por lá, de modo que pediu logo uma semana – seria descontada nas suas férias. Foi de helicoptero. Era relativamente perto .Conversou muito com o piloto. Este explicou que a palavra Singapura significava a Cidade Leão. Hospedou-se bem;  quase não almoçou de tão ancioso que estava e exatamente às 15 horas estava sendo recebido por Li-Fu em seu gabinete.

- Sente-se, amigo de amigo meu é meu amigo.

- Obrigado, tenho o mesmo lema.

- Que o trás aqui?

- Parece que descobri o segredo das pérolas de Klang.

- Não me diga!. Temos recebido centenas, talvez milhares de cartas e telefonemas dizendo que descobriram o tal do segredo. Até já recebi aqui no gabinete dois ou três desses descobridores. Será que o senhor é mais um?

Richard enrubesceu com a indelicadeza daquele chinês. Mais um!

- Acredito que não senhor Li. Não viria aqui de forma irresponsável. Agendei essa entrevista através meu presidente, seu amigo. Não iria expô-lo levianamente.

Li-Fu como que estremeceu. Estava diante de alguém diferente, com forte personalidade. Tinha feito de propósito. Não era seu feitio, mas já estava se tornando enfadonho este caso. Não tinha jeito e não tinha mais tempo para perder, por isso nomeara uma comissão para atendimento desses casos. 

- Então. O senhor descobriu o segredo das pérolas de Klang! Falava ainda em tom de incredibilidade.

- Tenho toda a certeza, mas só posso transmití-lo junto com meu advogado e o seu, possivelmente em cartório, essas coisas incômodas, mas necessárias.

Li percebeu, finalmente, que se tratava de algo sério.

Marcaram novo encontro dentro de dois dias, com a presença dos advogados. O de Richard foi indicado mais uma vez pelo seu presidente. Morava em Londres e estaria viajando imediatamente para Singapura. Contactaram um cartório. Este fez a indicação de um perito judicial. A reunião seria filmada e gravada com cópia para as duas partes.  No dia acertado, às nove horas da manhã, Richard revelou o seu segredo... segredo de justiça.

A reunião durou pouco mais de uma hora. Richard explicou tudo ao Engenheiro da mineradora de Li-Hu. Os advogados, o escrivão e o perito judicial pouco entendiam do que se falava. Felizmente! Ao final, Richard deixou uma meia dúzia de esferas para as experiências, Era básico. Senão nada daria certo. Quando estava para sair, recebeu uma ligação do Li convidando-o para almoçar. Aceitou.

- Devo-lhe uma satisfação pelo que ocorreu no dia em que nos conhecemos. Pensei tratar-se de outro assunto e também era o caso das pérolas. Dizia comigo: mais um e não era. Você estava trazendo um grande alívio. Estávamos todos sujeitos à falência.Tenho quase certeza que as experiências serão um sucesso.Vai demorar alguns meses e ai poderemos conceder-lhe o prêmio que foi estipulado.  É nada em comparação ao que estamos perdendo e a perder. Se o senhor quiser, poderá investir parte desse dinheiro em nossa empresa, desde que as perspetivas de crescimento econômico são muito fortes, se tudo correr bem. Seu capital poderá dobrar várias vezes e o senhor poderá se tornar um de nossos sócios capitalistas. Será um prazer tê-lo na Ore Industry Singapore S.A. Possivelmente, poderá chegar à presidência em razão de suas referências. Você deverá ficar famoso no mundo das pérola e isto seria muito bom para nossa empresa.

E o senhor, presidente?

- Até lá estarei aposentado ou fazendo parte do  “Conselho de Notáveis” de nossa empresa.

E existe mesmo esse Conselho?

Não! Estou criando hoje.Serei o primeiro deles

Na manhã seguinte, Richard teve uma idéia. Já que estou aqui em Singapura, porque não visitar os pais de Marion que aqui residem. Ligou para ela  e falou de suas intenções.

- Que bom Richard. Muito obrigado pelo seu interesse. Vou ligar para eles e explicar que você é um colega de trabalho que está visitando Singapura. Quando  você ligar eles já sabem  do que se trata.   E deu o telefone do pai.

- Alô. Sou Richard, colega de Marion em Klang. Estou visitando Singapura e gostaria de conhecer os senhores. Admiro muito a sua filha.

- Será um prazer e deu o endereço.

Levou flores para a mãe de Marion e um celular para o pai. Moravam num apartamento pequeno de dois quartos e uma sala. Um daqueles quartos devia ser de Marion. Pediu para vê-lo. A mãe o levou até lá. Brinquedos de Marion quando era criança. Retratos da mesma época. Sentiu uma sensação diferente. Estava no caminho certo.Acreditava piamente.

Richard voltou para Klang no dia seguinte. Ainda tinha dois dias da licença. No térreo encontrou Santa Cruz.

- Como foi lá?

- Subamos. Vamos conversar no apartamento.

- Conte-me tudo.

- Os homens aceitaram nossa “tese” das  bolinhas atômicas. Ficaram com algumas, senão teriam que alugar ou comprar um desintegrador atômico. Vão iniciar a experiência. Teremos que esperar alguns meses até que se formem as pérolas adultas. Em caso positivo, farei parte da diretoria com um grande salário. Naturalmente que você será meu assistente, bem como os demais colegas. Todos terão cargos de gerência.

- Mas isso é nepotismo.

É. Nepotismo de amizade, de um amigo para outro.

Não se referiu ao prêmio de duzentos milhões de dólares. Não sabia porque. Achou conveniente. Era uma fortuna.

- Gostou de Singapura?

- Gostei! Gostei também dos pais de Marion. Estive com eles. São muito simpáticos. Vi o quarto de Marion de quando ela era menina e, certamente, ainda hoje, quando vai visitar os pais.  Vou ligar para ela.

- Esteve com meus pais?

- Estive.

- Gostou deles? Não são uma fofura?

- Gostei muito e espero que tenham gostado de mim. É importante!

- Como?

Ah! Estou brincando

- Vamos marcar um encontro para você me contar os pormenores. Tomou o chá da mamãe?

- Claro. Tomei.

- Estou desligando. A supervisora já está me olhando.

- Minha Santa, precisamos comemorar este feito. Poderemos fazê-lo na vila. Vamos ligar para Dayaki, comunicando-o

Foram todos. Dayaki os recebeu como sempre muito simpático.Foram ao famoso bar da esquina. Marcou! Não tiveram nem tempo de ver como era. Muito simpático. Vista e som  de mar Pediram cerveja e tira gosto de siri.

-Dayaki, não sei se lhe contei. Acho que não. Fizemos um tour no Estreito de Malacca e ficamos impressionados com uma fazenda de ostras existente no esturário de um dos rios da área. Parece que as águas tem um PH muito favorável para a criação desses moluscos e tanto isso é verdade que, independente de tudo, a natureza proveio toda essa região de muitas e muitas ostras, mas uma pesca intensa e frequente fará com que em alguns anos elas se escasseim. O prosseguimento da atividade deverá ser feito com as chamadas fazendas. Porque não fazemos uma sociedade nesse sentido aqui na vila?  Tenho alguma reserva e estou disposto a investir nesse negócio. Você entra com o capital humano, isto é, pessoas dispostas a trabalhar em cooperativa.

- Verdade? Você confia na capacidade do meu povo em trabalhar decentemente? Você confia em mim?

- Claro que confio.

- Então, vamos a luta. Quando você quiser voltaremos a nos reunir para traçar os planos de instalação.

Enquanto isto Richard fez outra viagem à Inglaterra. Pediu nova licença. Alegou que queria conhecer Singapura antes do seu contrato encerrar. Como se vê, inverteu os lugares de visita.  Queria pessoalmente expor ao seu presidente  os fatos ocorridos durante os últimos dias. Era uma deferência quase obrigatória. O homem confiou nele em todos os momentos e abriu mão de uma premiação milionária. Merecia em todos os sentidos. Por outro lado, Richard pensava em conseguir um empréstimo em um banco com o aval do presidente. Falou com ele.

-Pode escolher o banco. Temos contas na maioria deles. Quanto vai querer?

- Um milhão de euros.

- Tudo bem. Isto lhe satisfaz?

- Muito. Preciso ajudar a uma pessoa, aliás a um povo.

Após retornar de Londres, foram feitas três reuniões com Dahakis e outros líderes da comunidade. Decidiram  contratar uma empresa especializada na construção de fazendas marinhas. Posteriormente, construí-se-ia um um galpão para servir como sede e uma grande e enorme câmara frigorífico, super necessária num negócio dessa natureza.

Fora contratado um biólogo marinho para acompanhar a construção da fazenda. Chamava-se Renan e era francês. Residia em Singapura onde foi localizado. Com o tempo tornou-se muito amigo de Dayaki que o acompanhava a todo o momento. Aos poucos o malaio ia aprendendo  tudo sobre ostras e sua criação em fazendas. Dayaki também procurava ler tudo sobre o assunto em livros emprestados pelo amigo, bem como acessava todas as noites a internet. Salvou o seguinte texto:

Ao longo das últimas décadas, a humanidade vem sofrendo as consequências do uso indiscriminado dos recursos naturais proveniente da ação predatória e extrativa dos recursos naturais. Entre as atividades de maior impacto sofrido, destaca-se a pesca artesanal marítima. Torna-se necessário investir em empreendimentos que estejam inseridos no conceito de desenvolvimento sustentável, visando conciliar o incremento de atividades naturais, ou mesmo a minimização dos impactos causados pela atividade. Sob este contexto, a ostreicultura ou cultivo de ostras, tem sido destaque a nível mundial, como alternativa produtiva onde se aliam geração de emprego e renda com a manutenção da qualidade ambiental dos ecossistemas estuarino e marinho. No Pará, um estado brasileiro, essa atividade vem despertando o interesse de pescadores que vêem na atividade uma nova alternativa produtiva. A sustentabilidade de nosso planeta depende dessas inciativas, seja na produção de alimentos na agricultura, na pecuária e na aquicultura.”

Noutro acesso, salvou as seguintes informações:

Os moluscos são animais de corpo mole, desprovidos de ossos, encontrado em quase todas as partes do mundo. A maioria das espécies tem uma concha que lhes protege o corpo. Todos os moluscos possuem um órgão  semelhante à pele chamado manto que produz a substância de que é feita a concha – basicamente o carbonato de cálcio. A concha possui três camadas, de dentro para fóra: o hipóstraco, o óstraco e o perióstraco. Os bordos do manto forçam a saída de materais líquidos da concha à medida que o molusco cresce. Os moluscos constituem o grupo mais numeroso de animais aquáticos. Existem cerca de 30 mil espécies vivas conhecidas. Além disso,  já foram encontrados fósseis de mais de 35 mil outras espécies já extintas. Seis são as classes de moluscos: Gastropoda ou univalves; bivalves, Cephalopoda ( que compreende os polvos e as lulas); Scaphopoda (as conchas-dentes); Polyplacophora, que abrange os quitons e os Monoplacophora. Os univalves ou Gástrópodes constituem a classe mais numerosa de moluscos com cerca de 35 mil espécies. Incluem as lapas, as lesmas, os carsacóes e os búzios. Em seguida, temos os Bivalves, com cerca de 8 mil espécies, vivendo em água salgada ou doce. Compreendem os mariscos, as ostras, os mexilhões e os leques. Todos os Bivalves têm duas conchas articuladas por meio de charneiras que se assemelham a pequenos dentes. Quando os animais se sentem ameaçados, músculos poderosos fecham as conchas. Os Bivalves têm um pé muscular forte, cuja forma lembra a de uma machadinha. Diversas espécies desses animais movimentam-se impelindo o pé para fora e enganchando-o no lodo ou na areia. Alguns Bivalves, como os mariscos do gênero Solen, utilizam o pé par cavar buracos, empurrando-o para baixo e introduzindo-o no lodo ou na areia, primeiro, o pé incha para ampliar o buraco; a seguir, contrai-se e puxa a concha para dentro do buraco. Os mariscos do gênero Pholas podem escavar orifícios até na argila dura ou na rocha mole. A maioria das espécies de Bivalves não tem cabeça nem dentes. Obtêm o oxigênio e o alimento por meio de um sifão (tubo) muscular que pode ser estendido para alcançar o alimento”.

O biólogo estava admirado com o esforço de Dayaki para aprender. Sugeriu que ele tomasse um curso por correspondência da matéria e já no dia seguinte Dayaki se escrevia num deles. Era a noite. Ficava acordado até altas horas, estudando, revisando. Uma ocasião, resolveu mergulhar  já de noite para pegar algumas ostras e dissecá-las conforme instruções de uma das apostilas.

Enquanto isto começava a ser construído o galpão da empresa. A fazenda já funcionava. Estavam empregados uns 20 dayakis. Dentro de alguns meses começaria a primeira colheita com vistas aos primeiros negócios. Dayaki viajou inúmeras vezes à capital fazendo contatos com compradores do produto, inclusive um exportador. Esteve também em Singapura com a mesma finalidade. Foi à Indonésia. Não parava. Quando se encontrava na vila, estava em cima dos trabalhadores supervisionando suas ações. Certo dia, o biólogo lhe falou que estava para receber em Klang uma irmã que fazia a Faculdade de Biologia em Paris. Ela queria elementos para preparar sua monografia. Escolheu “Cultura das ostras em fazendas marinhas na Malásia”, aliás, por sugestão do irmão. Estava trabalhando no setor e poderia ser muito útil à irmã. Perguntou à Dayaki se ele queria ir a Lumpur para recebê-la.

- Claro, será um prazer. Você é um grande amigo e não poderia recusar um convite dessa natureza. Foi uma gentileza de sua parte. Sua irmã será muito bemvinda na comunidade.

A irmã de Renan que se chamava Marie era extraordinariamente bela. Loura, boa altura e um sorriso absolutamente cativante. Dayaki estava realmente impressionado. Nunca tinha visto uma mulher com tanta beleza. Alem do mais, educadíssima. Sentiu isto nos primeiros instantes. Foram almoçar no próprio aeroporto. Já passava das 13 horas e não havia  como fazer uma boa refeição em Klang àquele hora. E a moça estava faminta. Não comia fazia 24 horas. Não suportava comida de avião. Durante a refeição, conversaram em inglês, lingua que Dayaki dominava relativamente bem. Vez em quando, institivamente, falava em francês e tão logo percebia a atrapalhação linguística, pedia mil perdões. Dayaki ria do embaraço daquela menina. Não teria mais do que uns 22 anos. Dayaki também aprontou com ela. Lhe dirigia a palavra em malaio e igualmente pedia desculpas. Ela ria um sorriso maravilhoso. Repetiu a brincadeira mais algumas vezes para que ela sorrisse de novo.

Marie ficou hospedada na mesma “pousada” onde se encontrava seu irmão. Não tinha nenhum luxo, mas era agradável. Ficava em frente ao mar, no mesmo correio dos restaurantes onde almoçaram os mergulhadores, há algum tempo atrás. Marie adorou. Dava para sentir a natureza em todo seu esplendor. Em París não tinha essa percepção. Morava quase no centro, como que comprimida entre quarteirões de muitas casas. Nem o Sena ela via de onde morava.

Já no dia seguinte, Dayaki mostrava-lhe a fazenda de ostras numa canoa que ele mesmo remava. Marie usava um shortinho e Dahaki também percebeu a beleza de seu corpo. Por sua vez, ele estava apenas de bermuda, sem camisa e também Marie percebeu que aquele homem era muito bonito. Sua pele tinha um bronzeado que pensava não existir. Seus cabelos negros, impressionavam-na. Sorria sempre. Mesmo quando falava, falava sorrindo. Transmitia uma imagem absolutamente agradável. Devia ser casado. Não restava a menor dúvida.  Por via das duvidas, arriscou uma pergunta, aliás duas dentro do mesmo tema.

- O senhor é casado há quanto tempo? Quantos filhos o senhor tem?

-Marie, eu sou solteiro.

A moça levou as mãos ao rosto num gesto de admiração.

- O senhor é solteiro. Não acredito!

- Porque você não acredita?

- O senhor é uma pessoa muito simpática. Nenhuma mulher daqui havia percebido isto?

Dayaki estava a rir. A menina estava pelo menos gostando de sua aparência. Não saberia dizer que gostaria do seu modo de ser, de viver, de pensar, essas coisas que completam uma pessoa. Estava torcendo para que gostasse.

Passaram a manhã toda percorrendo a fazenda e ela fazendo anotações num caderno que havia trazido na bolsa. Perto das 11 horas, quando já tinha visto quase tudo, Marie perguntou se ele se importava que ela desce um mergulho naquele mar maravilhoso de Klang.

- Você trouxe maiô! Não! Trouxe biquini. E já tirava o short e a blusa e caia na água.

Dayaki procurava disfarçar toda a sua admiração, mas parece que não dava. A menina estava querendo lhe impressionar. Se já era bela de vestido, de corpo era um monumento.

- Venha Dayaki. A água está maravilhosa. Nunca pensei que existisse uma água de mar como esta.

Dayaki mergulhou de vez e saiu junto ao rosto dela. Pôde olhar de perto seus lindos olhos verdes e e seus dentes maravilhosos que lhe proporcionava um sorriso de uma deusa. Quase a beijara, mas se conteve. Ela poderia ter algum compromisso em sua terra, um noivo, algo assim para atrapalhar. Também seria deselegante. Poderia ser rejeitado e a relação entre os dois seriamente prejudicada. Ela lhe acompanharia durante toda aquela semana. Foi a recomendação do irmão que estava muito ocupado. Ia dar um tempo. Precisava ter certeza das verdadeiras intenções da francezinha. Mulher é um perigo. Faz certos avanços, mas também realiza recuos surpreendentes e embaroçosos.

Um deles aconteceu dias depois. Dahaki levou Marie para conhecer uma pequena ilha daquele arquipélago. Ilha deserta em razão de que não possuia água potável. Saltaram numa de suas belas praias e aí a menina tirou a parte de cima de seu maiô e expôs seus belos seios. Dayaki não sabia o que fazer. Se olhava; se não olhava. Mergulhou no mar se afastando da tentação incontrolável de olhar aquele espetáculo do gênero humano. Passados poucos minutos, ela também mergulhava próximo de onde estava Dayaki. Quase a mesma cena do primeiro dia quando Dahaki fez o mesmo e se conteve. A menina não! Deu-lhe um beijo na testa. No movimento seus seios ficaram próximos a boca do malaio. Não teve jeito. Era demais. Mordeu levemente o bico de um deles. A menina olhou-o como que séria e em seguida atirou longe a parte de baixo do seu biquini e abraçou fortemente o indígena. Era demais! Fizeram sexo ali mesmo. Logo após, Dahaki carregou-a para uma parte ainda mais rasa e deram prosseguimento àquela manhã de puro amor sexual. Certamente, ainda não havia entre os dois uma similaridade afetiva. Agiram como se fossem dois animais irracionais, isto é, deram vasão ao instinto animalesco que todo homem e toda mulher têm, nesses momentos.


quatorze


O dia seguinte foi de folga dentro da escala 2:1, isto é, um dia de mergulho, dois de descanso. Como era uma sesta-feira tinham livres três dias pela frente. Richard e Mário resolveram convidar Sandra e Marion para passar aquele fim de semana em Lumpur. Estavam receosos que o convite não fosse aceito. Poderia ser considerado precipitado e inconveniente, mal educado, pocessivo, estas coisas. Mas, para surpresa dos dois elas vibraram com o convite.

- Vejam como são as coisas dessa vida. Já estávamos aqui, eu e Marion, pensando em fazer a vocês o mesmo convite. Claro que aceitamos. Viajaremos a que horas?

Viajaram às 11 horas daquela sesta feira chuvosa em Klang. Não dava para fazer nada, a não ser ficar nas hospedarias respectivas, jogando carta ou assistindo televisão. Uma chatice.

Foi alugado um táxi e se mandaram. Richard cono era muito grande, ia na frente com o motorista e Merú viajava atrás entre as duas moças. De vez em quando brincava com o amigo por causa daquela situação.

- Estou com inveja de sua companhia nessa viagem. Você e o nosso amigo motorista fazem uma boa dupla. Ambos são altos. Poderão se olhar no mesmo nível. Ah! Ah! Ah! Enquanto isso estou aqui sendo comprimido por essas duas beldades.

- Vocês vão ver na viagem de volta. Vou alugar um furgão.

Quando chegaram ao hotel, aconteceu certo constrangimento na divisão dos apartamentos. Foi Richard que quebrou a castanha.

- Não somos nenhuma criança. Somos adultos e sabemos o que queremos, senão não estaríamos aqui sozinhos e espontaneamente. Dois apartamentos para dois casais, disse ao recepcionista que ria de forma discreta. Devia estar acostumado com essas coisas.

As moças riram e se abraçaram como que comemorando. Parece que já haviam combinado essa estratégia de aproximação, de uma vez por todas. Já namoravam fazia tempo e a distância amorosa entre eles era gigantesca para os tempos atuais ou para qualquer tempo, ao longo da história do amor.

Passaram dias maravilhosos. Praticamente os dois casais sumiram um do outro. Uma vez se encontraram rapidamente na piscina. Demoraram pouco conversando. Logo voltaram aos seus apartamentos. Não podiam perder um só minuto em conversa fiada. A história era outra! Também era o principio de duas uniões que duraria até o fim da vida.

Na volta, a fim de evitar novas gozações de sua Santa, Richard resolveu alugar uma Mercedes conversível, branca, luxuosíssima. O tempo havia melhorado. Pedia um carro desses. Ele mesmo vinha dirigindo. Marion ao seu lado com o braço sobre seus ombros alisando seus cabelos. Mário e Sandra atrás, como que isolados.

- Como estão ali atrás? Estão se sentindo muito isolados? Ah.Ah.Ah. Era a vingança; meia vingança. Não estava tão ruim para os dois.

 Um funcionário da locadora iria buscar o veículo no dia seguinte, sem maiores problemas.

Os dias e os meses foram se passando e numa certa ocasião Richard resolveu ligar para a mineradora de Li-Hu a fim de saber como andava a experiência ou se precisavam de alguma informação. Atendeu o próprio Li. Disse ele – As bichinhas já estão dando pérolas; todas as seis onde introduzimos as suas bolinhas. A cada dia crescem ainda mais. Aliás, esse processo é duas vezes menos demorado do que o sistema tradicional. Você teria uma explicação?

- As bolinhas tem o poder de atração que nem uma ima. Certamente acelera a formação da pérola o que é mais uma vantagem. Vai aumentar duas vexes a capacidade de produção.

Você está de parabéns. Preciso de sua conta bancária para que possamos depositar o valor do prêmio. Faça bom proveito, mas não esqueça que o investimento em nossa empresa, como já lhe disse, irá dobrar muitas vezes o seu capital. Pense nisto. O Li era um grande vendedor.

Determinado dia estando Mário a trabalhar, a supervisora do Call Center se aproximou de sua carteira e lhe disse que o presidente queria falar com ele.

- Podemos subir?

Claro! Vamos lá.

A supervisora o acompanhou até o elevador e ela própria acionou o botão de controle, não sabia quantas vezes. Era o tal do segredo ou código de segurança. Saltou e a supervisora se manteve dentro do elevador, retornando ao 2º andar. Por sua vez Mario agora se encontrava numa espécie de antessala com uma porta à direita e outra a esquerda. A da direita devia dar no salão dos tanques de água e seus apetrechos atômicos. A da esquerda quando foi aberta, dava para um corredor e ao longo desse corredor, diversas salas com os nomes dos diretores e gerentes. A última era do presidente. Bateu na porta e ouviu o homem pedir que entrasse. Estava sentado atrás de uma bela mesa de mogno. Na parede, ao alto, às suas costas, uma pintura de uma pérola, somente uma pérola. Parecia a bandeira de um determinado país, mudadas as cores. Abarcando todo o espaço inferior da mesa, um belíssimo tapete com motivos orientais. Num dos lados da sala, outra mesa, essa redonda e seis cadeiras. Deveria ser destinada a pequenas reuniões. Também um tapete estava lá por baixo dela. Em frente à mesa principal, duas cadeiras para visitantes. Sentou numa delas.

- Como vai senhor Mário?

- Vou bem, senhor.

- Vejo que a sua saúde está melhor. O senhor está com ótima aparência.

- Efetivamente, estou bem melhor, mas ainda não dá para mergulhar. Aliás, acho que não poderei mais mergulhar. Quando voltar ao Brasil vou fazer alguns exames.

- Pois bem, o chamei aqui porque estou sabendo que os senhores estão apoiando a iniciativa dos dayakis em instalarem uma fazenda marinha para o cultivo de ostras e que estariam até ajudando com doações em dinheiro.

-É verdade senhor; é uma projeto muito bonito.

- Também estou sabendo que está sendo construído um grande galpão para abrigar o escritório e uma câmara frigorífica.

- Acho que sim.

- Também quero ajudar. Estou disposto a oferecer aos dayakis esta câmara.

- Ah! Muito bom senhor presidente. Os dayakis deverão ficar muito agradecidos. É um presente muito valioso.

-Mas tenho uma condição. Só quero efetivar a doação na presença física do senhor Dayaki e do irmão de minha noiva. Gostaria que o senhor negociasse esse encontro. Poderá ser aqui ou mesmo na vila.

- Posso saber o porquê dessa condicionante?

- Pode! De relação ao senhor Dayaki sempre o admirei e nunca tivemos nenhum atrito. Pouco nos vimos na vida. Não sei o porquê dessa animosidade que dizem existir entre nós. De minha parte, não há nada, muito pelo contrário, até o admiro pela forma como lidera o seu povo. Sei que o pai dele já está com muita idade e as decisões de governo, digamos assim, são apenas dele.

- E de relação ao irmão de minha noiva, o Marcos, devo-lhe uma satisfação. Realmente não deveria ter aceitado morar com minha noiva antes de nos casarmos. Ele e o pai dele têm razão, contudo não sabiam da real intenção de minha pessoa de relação a ela. Eram as melhores possíveis. Ela trabalhava no Call Center e já a namorava e toda vila sabia disto. Em conseqüência, vinha sofrendo alguma discriminação que tendia a se agravar. Os costumes deles são muito rígidos. Por outro lado, está muito triste pelo que vem acontecendo, principalmente de relação ao seu pai que ela adora.

- Vou ver o que eu posso fazer senhor presidente.

- Richard, o Hana quer fazer uma doação aos dayakis. Comprometeu-se a custear a instalação de uma câmara frigorífica no galpão que está sendo construído, mas ele apresentou uma condicionante.

- Condicionante?

- Ele só efetivará a doação na presença de Dahaki e do irmão de sua noiva. Com Dahaki ele quer reatar uma amizade de uma inimizade que nunca houve. Com o irmão da sua noiva, ele quer dar uma satisfação por ter ele morado com ela antes de se casar e, nesse sentido, marcar o casamento com o apoio de todos da vila. Ela se sente constrangida com a situação e preocupadíssima com seu pai que já teve problemas justamente por causa dela.

Richard ficou pensativo durante algum tempo e em seguida falou – Parece fácil, mas não é ter que falar com um e com outro. Os dois fatos não têm nada a haver entre si, mas só existe uma pessoa para resolver as duas questões. O próprio Dahaki. A dele próprio, será uma decisão muito pessoal. Talvez seja a mais fácil! Já a outra, é difícil! A família está muito ressentida com o caso. O pai quase morre e até hoje sofre as consequências da depressão de que foi possuído. Na ordem das coisas, se é que existe qualquer ordenação nos dois casos, vamos conversar com nosso amigo. Vou ligar para ele e convidá-lo a vir até aqui. Já seria uma forma de aproximá-lo do Hana em estando em seu território.

-Ir até ai? De que se trata? Vocês sempre vieram até a vila quando queriam falar comigo e agora tenho que ir até ai. Qual é o problema? O que está havendo?

- Não está havendo nada, mas como você mesmo disse, todos nossos encontros foram na vila e o primeiro que sugiro que seja aqui na hospedaria, você estranha!

- Desculpe amigo. Você tem razão. Vou conhecer a hospedaria onde vocês moram. Pode ser esta noite? Quero ver a mordomia.

- Claro! 8 horas está bem para você?

- Sempre a esta hora; na primeira vez também foi nesse horário, lembra-se?

De repente Richard e Mário lembraram-se que precisava obter a permissão da segurança para que Dahaki pudesse entrar no terreno da mineradora onde se achava a hospedaria.

- Vou ligar para o presidente. Vou explicar a situação e pedir que ele mesmo providencie essa liberação, desde que os seguranças poderão criar dificuldades.

-Boa idéia, Mário. Ligue agora. Ele é o maior interessado Entenderá que as negociações de paz estão começando.

No horário marcado Dahaki chegava na hospedaria.

- Algum problema na portaria?

Não, por quê?

Oh! Por nada. Como é a primeira vez que você vem aqui, estávamos preocupados com seu acesso. Sabe como é! Empresa e a hospedaria estão no mesmo espaço.

- Vamos sentar ali no restaurante. Você quer comer ou beber alguma coisa? Aqui, nós mesmos nos servimos. Depois, de madrugada, uma moça tira as sobras e já bota a mesa de café para o dia seguinte Levamos algum tempo para descobrir a mágica.

- Pois bem, do que se trata? Deve ser alguma coisa e não “nada” ou “não era nada” como vocês disseram pelo telefone.

- E uma forma de falar, mas não é nada grave. Talvez complexo, dependendo de muitas coisas.

- Não estou acreditando nas suas palavras. Deve ser mais um problema na minha vida.

- Você está com algum problema? Realmente você aparenta estar ansioso, algo assim. Afirmou Mário.

- Estou e vou desabafar com vocês que são meus amigos e poderão me orientar.

Richard e Santa Cruz entreolharam-se entre si.

- Pode desabafar como você disse. Estamos aqui para lhe ajudar, seja o que for.

- Vocês conheceram a irmã do biólogo, a Marie, não conheceram?

- Menina linda, observou Richard.

- Pois bem. Foi essa beleza que me estragou, em tese. Fizemos sexo diversas vezes ao fim do expediente e mesmo até no expediente. Ela é encantadora tanto física como mentalmente. Um amor de pessoa. Pois bem! Esta semana ela me comunicou que estava grávida. Estou sem saber o que fazer e o irmão dela tornou-se meu amigo.

- Vamos por partes. Você gosta dela?

- Acho que gosto. É uma pessoa maravilhosa.

-Ela gosta de você?

- Parece gostar. Damos-nos muito bem.

- Você já pensou em se casar alguma vez? Ter muitos filhos, essas coisas?     

-Acho que já pensei Richard. A idade. Está na hora.

- Pois bem. Vamos marcar esse casamento. Vou com você até o irmão dela para você fazer o pedido. Não fal em em gravidez, essas coisas para não parecer que é forçado por uma circunstância. De certo modo é, mas tudo ficará bem porque vocês se gostam. Agora, não esqueça primeiro em pedi-la em casamento. Uma questão de princípio e de lógica. Tudo bem?

- Tudo bem. Sabia que contava com você, principalmente porque você é um homem experiente, Richard. Mário ainda é muito novo. Tem muito o que apreender.

- Experiência esta que não ajudou em nada, principalmente nessa questão de casamento. Até hoje sou solteiro. Preferiria que você dissesse que eu sou prático e objetivo. Falando em objetividade, vamos a razão pela qual chamamos você aqui.

- Mário esteve com o Hana. Foi convidado por ele. Ele quer um encontro com você. Ele diz que não compreende a inimizade que se diz existir entre ele e você, muito pelo contrário. Ele disse que admira muito sua pessoa.

- De forma alguma, gente!

- Um momento Dahaki. Há uma coisa muito importante ligada a nossa empresa e, principalmente, para a comunidade. Ele está disposto a colaborar instalando no galpão uma grande câmara frigorífica que haveremos de precisar de qualquer maneira. Vamos lidar com ostras o que a torna um equipamento indispensável. Estava preocupado e não sabia como adquiri-lo, desde que não tenho condições de fazer outro empréstimo antes de pagar o primeiro. Não diria que estou forçando a barra, chantageando-o, mas essa é a grande verdade, a única. Mais uma coisa. Você teve alguma briga com o homem?

- Não, nunca brigamos. Aliás, nunca nos falamos.

- E, então, qual é o problema?

- É o seguinte, eu como líder da comunidade não poderia ficar satisfeito com o caso da filha do pai de Marcos que a flagrou nadando nua na piscina daqui. O homem quase morreu. Tinha que ser solidário o que não quer dizer que admita a violência como solução, como poderia ter acontecido quando vocês foram à vila pela primeira vez.

- Muito bem. Se o problema era este, a coisa está resolvida. O Hana quer visitar os pais de sua noiva, se puder, e pedi-la em casamento. Parece que também ela estaria grávida, é o que eu imagino e agora que você está também para ser pai, estou achando tratar-se de algo de Deus. É muita coincidência.

- Claro que é e os três amigos se abraçaram numa cena muito bonita.

 O encontro com o Hana foi logo marcado.  Antes Dayaki conversou longamente com Marcos, irmão da noiva do presidente.

-Amigo você sabe que quando seu pai flagrou a filha na hospedaria da mineradora e ficou doente, eu me solidarizei com você e toda a sua família. Eles não eram casados; apenas amantes. Agora que o homem está querendo casar, acho que está tudo resolvido e bem resolvido. Não há mais razões de ressentimento. Só nos faz mal. E Marcos concordou com Dayaki. Iria ao encontro com o senhor Hana.

Aconteceu no fim de uma tarde de um fim de semana. Era sesta feira. Richard e Merú também estavam presentes. Os “rivais” se abraçaram e os dois mergulhadores batiam palmas.

- Presidente, quando o senhor pensa em se casar?

- Daqui a quatro meses, na primavera. É uma época muito bonita na Malásia.

- Presidente, tenho uma proposta para lhe fazer. Dayaki também está para se casar. Que tal fazer os dois casamentos ao mesmo tempo e no mesmo lugar?

- Maravilha Richard. Não poderia ser melhor. Será uma grande festa.

Faltava o contato com o irmão de Marie, o Renan. Richard estava um pouco temeroso porque a menina era muito nova, mas não tinha outro jeito. O irmão poderia mandá-la de volta para a França onde teria a criança.

- Renan, tenho uma coisa para lhe falar. É sobre sua irmã e Dayaki.

- Se for a noticia de que vou ter um sobrinho ou uma sobrinha, perderam seu tempo. Ela própria já me falou e disse-me que Dahaki lhe pediu em casamento. Pediu minha permissão. Já concedi.

Richard relaxou aspirando fundo. Estava com sorte. Só faltava ele se casar. Quem sabe, um dia.

Enquanto tudo isto acontecia, o galpão onde seria a sede da empresa de cultura de ostras, estava quase pronto, inclusive já com a câmara frigorífica instalada. Foi marcada sua inauguração para dentro de mais 15 dias. Era o tempo necessário para os últimos acabamentos, inclusive a disposição dos móveis do escritório e as bancadas de manipulação da ostras, ambos os departamentos separados por uma parede de vidro, devido ao cheiro de maresia dos moluscos. Também foram organizadas as salas da diretoria, duas delas com os nomes de Dahaki e Richard. O primeiro presidente o segundo, vice.

Foram convidadas autoridades de Lumpur como, por exemplo, o Prefeito da cidade; presidentes de cooperativas; de sindicatos; de supermercados e centros de abastecimento;  diretores e gerentes de bancos, demais pessoas.

Cortou a fita simbólica de inauguração   Yasmin e o pai que fez um grande esforço para estar presente. Foi de cadeira de rodas. Também estava presente toda a diretoria da empresa de Hana.

Em seguida, foi servido um coquetel e disposta uma mesa de frios e doces. Para finalizar, um caminhão carregado de engradados de ostras já cultivadas na fazenda, entrava no recinto do galpão. Dirigiu-se para a porta de entrada da câmara frigorífica e descarregou a sua carga. Foi a melhor forma de inaugurar um espaço. O simbolismo desse procedimento foi impressionante.

Daquele dia em diante a empresa chamar-se-ia: Fazenda Comunitária de Cultura de Ostras de Klang Ltda.

Os órgãos de imprensa de Lumpar estavam presentes e os de televisão gravaram a solenidade, bem como filmaram a fazenda e sua sede e a partir do dia seguinte, aquelas reportagens passaram a ser exibidas.

De relação ao casamento dos dois casais, marcou-se para ser realizado no dia 23 de setembro, inicio da Primavera na Malásia.

Enquanto isto, um dia Richard resolveu comunicar aos demais companheiros que havia ganho um prêmio proveniente de seu trabalho de descobrimento de novo processo de cultura de pérolas e iria recebê-lo em Singapura. Não se referiu ao valor do mesmo. Convidou todos os colegas, Marion e Sandra do escritório da mineradora Klang;  Dahaki e Marcos. Renam e Marie.  Alugou um pequeno avião e ele com o grupo desembarcaram em Singapura. Hospedaram-se num belo hotel. Conheceram a cidade. Estiveram com os pais de Marion. No dia seguinte seria a entrega do tal prêmio. A solenidade seria no salão de convenções do próprio hotel, um dos maiores da cidade, com capacidade para 800 pessoas sentadas. Horário: 20 horas. Minutos antes o grupo chegava ao referido salão e todos ficaram admirados e impressionados com o número de pessoas presentes, praticamente lotando o auditório. Havia um palco e as autoridades já se sentavam numa grande mesa tendo a frente um belíssimo arranjo de flores naturais. Também estava presente diversas emissoras de rádio e televisão, muitos fotógrafos. Parecia que a coisa era importante. Só Richard sabia do que se tratava.

Iniciou-se a solenidade. Começou a falar o senhor Hi-Fu, presidente da mineradora. Primeiramente, agradeço a presença do senhor Prefeito da cidade de Singapura e demais autoridades; a presença de todos os meus diretores; a presença de muitos dos meus colegas concorrentes, meus senhores e minha senhoras. – Hoje é um dia histórico no mundo das pérolas que é o mundo da maioria dos senhores Este mundo se encontrava perturbado. Determinada empresa lançou no mercado uma pérola que se dizia natural e não era, mas tinha um detalhe, era melhor do que as próprias pérolas naturais. Os exames de laboratório e os maiores avaliadores do mundo atestaram essa vantagem qualitativa. Realmente, muito bonitas, precisamos reconhecer. Aí, instituímos um prêmio para quem descobrisse a “fórmula” de cultivo especial que haviam descoberto. Um homem que não é do ramo, um investigador, que trabalhou para Scotland Yard, teve a felicidade de descobrir o segredo. Quero chamar ao palco o senhor Richard Palmer para receber seu prêmio de duzentos milhões de dólares. Richard se levantou sob uma salva de palmas poucas vezes ouvida naquele recinto. Os amigos entreolhavam-se entre si, claro que surpresos. Richard havia dito a eles que ia receber um prêmio em Singapura, mas não falou em valores. Um prêmio, um simples prêmio. E agora?

- Obrigado senhor Presidente da Mineradora, Hi-Lu; senhor prefeito de SIngapura, (em suma a mesma iniciação do discurso anterior) mas acrescentou – meus colegas de trabalho. Faço questão de, inicialmente, destinar 20 milhões de dólares a cada um deles pelo apoio que me deram e pela felicidade de tê-los conhecido. São todos, hoje, meus amigos fraternos.

Os rapazes levantaram-se e correram em direção ao palco onde estava Richard e se abraçaram aos gritos de alegria. A plateia aplaudia de pé. Pela televisão Hana e seus diretores assistiam a cena ao vivo.

- Que podemos fazer presidente?

- Nada! Absolutamente nada! Descobriam o nosso segredo. Deve ter sido aquele mergulhador de aquário que aqui ficou a “trabalhar” de araque. Ele foi mais esperto que meus seguranças e todo o sistema de proteção que instalamos. Um gênio e muito ousado, sou forçado a reconhecer e ainda contando com um ex-detetive de uma das maiores policias do mundo, não podia dar noutra. Vamos continuar vendendo as nossas pérolas com a diferença apenas de que agora as do concorrente têm a mesma qualidade. Será uma boa disputa. O mercado é muito grande. O mundo é enorme. Tem espaço para todos.

                                                                    quinze


Os dois casamentos estavam marcados para começar às 8 horas da manhã.  Seria realizado ao longo da Rua Prateada, como ficou sendo conhecida. Tinha sido devidamente preparada para a solenidade.  Nas suas laterais, nos dois lados, jardineiras de porcelana japonesa com belos e extraordinários arranjos de flores, encomendadas a uma famosa floricultura de Lumpur. Ao final da rua, foi montado um palco onde se armou um pequeno altar e a frente dele quatro almofadas de veludo. Muitas flores em torno.  Próximo a este palco, nas laterais da rua, foram montados suaves elevados onde ficariam os padrinhos, os parentes dos noivos e autoridades convidadas, entre elas os caciques das principais tribos da região. Esses elevados foram cobertos com carpete. Nos demais espaços da rua, de ambos os lados, ficaria o povo.

Foi instalado um sistema de som por toda a rua e imediações. O tempo estava ajudando com uma manhã de sol e uma brisa muito agradável, vinda do mar, ali perto.

Aqui vale um parêntese importante. A mãe de Serbento. o filho e a noiva chegaram a Klang na véspera do evento. Ficaram hospodados em Klang e só iriam para a vila no próprio dia do casamento, bem cedo. Claro que mãe e filho combinaram os detalhes. Ainda muito cêdo do dia da festa, às seis da manhã, viajaram para a vila. Ficaram na casa de Dayaki.
Começou o casamento. Primeiramente os padrinhos das noivas: Marcos e a esposa; dois dos caciques das tribos e suas esposas e por parte de Marie, o irmão Renan acompanhado por uma das moças do Call Center; em seguida, vieram os padrinhos dos  noivos: primeiramente os de Dayaki – Richard e Marion – Mario e Sandra – Delcazzi e  uma das moças também do  Call Center – Patrick, igualmente acompanhado com uma dessas moças e finalmente Serbento e a irmã de Dahaki YAsmin.Depois, mãe de Serbento, filho e noiva.  Em seguida, entraram os padrinhos de Hana – todos os diretores de sua empresa e respectivas esposas.

Logo após, um grupo de moças índias das diversas tribos presentes vestidas com seus trajes típicos. Belíssimas! Em seguida as moças da mineradora vestidas de longos esvoaçantes, azul e rosa, claros. Lindíssimas também. Sorriam para o público e agradeciam aos aplausos com suaves gestos de cabeça. Atrás delas, dois pajens carregando as alianças dos noivos. Em seguida, os noivos, ambos vestidos de branco pérola, casacos à moda indiana  com gola suspensa até o pescoço. Eram duas figuras impressionantes, tanto pelo que representavam socialmente, quanto pela aparência física extraordinária de ambos. Não tinham companhias femininas. Simbolicamente, um fazia companhia ao outro. Por fim, as noivas, vestidas iguais. Maravilhosas. Nas mãos, flores do campo. Igualmente, não tinham companhias – uma fazia companhia à outra. Muito bonito!

Subiram ao palco e um sacerdote católico casou os noivos. Dayaki não era católico, mas respeitou a vontade de sua noiva no sentido de casarem por esta religião.

Após a cerimônia, os noivos desceram e receberam os cumprimentos no espaço preparado ao lado do palco onde estavam sentados os padrinhos e convidados especiais. Em seguida desfilaram por toda a rua sob aplausos da multidão.

A cada passo da cerimônia o sistema de som tocava uma música correspondente. Foram ouvidas, Pompas e Circunstância de Edward Elga; Sinfonia 4 de Mozart; Noturno de em Mi Bemol de Chopin e, naturalmente, Ave Maria de Gounod. Emocionante!

Tão logo os noivos passaram, foi montado rapidamente um grande bufê com cerca de 50 metros de comprimento ou mais, para todo aquele povo.  Em seguida fez-se um grande baile popular ao som de músicas populares.

Perto das 12 horas, os noivos estavam partindo para o aeroporto. Hana iria até a Inglaterra, mais precisamente à Dover, onde um dia caiu n’água em direção a Calais na famosa travessia da Mancha. Dayaki ira para Paris para conhecer os pais de sua noiva.

E os nossos mergulhadores como estavam indo? Qual o futuro provável de cada um deles? Richard estava com casamento marcado com Marion em Singapura; Merú e Sandra viajariam juntos para o Rio onde pretendiam se casar; Delcazzi viajou solteiro para o Líbano. Deixou uma porção de noivas em Klang; Patrick estava viajando para a Escócia onde tinha casamento escolhido pela família, segundo as rígidas tradições do local; por fim Serbento haveria de casar com Soraya, irmã de Dahaki e voltar ao Brasil. Viajaria para a Europa, acompanhado da esposa, da mãe e irmão e a noiva do irmão. Só depois voltariam para o Brasil

O casamento não teve  a mesma pompa dos anteriores, à pedido dos noivos. Não queriam provocar comparações entre as duas solenidades. Por vontade do noivo foi realizado em igreja católica. Fez-se apenas um almoço com os membros das duas famílias.  Hana e Iasmin e Daiqui e Anne sua esposa estiveram presentes. Logo após, viajaram para o Brasil, mais precisamente para a Bahia.  Foram morar em Arembepe em casa escolhida e comprada pelo seu irmão. Serbento lhe mandou o correspondente a um milhão de reais três meses atrás. Ficava em frente ao mar. Linda!O irmão e a esposa foram morar na mesma casa que era enorme. 

Tão logo passou a residir na mesma, mandou construir mais uma piscina, maior do que a já existente, em forma de ameba. A água era salgada, vinda do mar ali perto. Era trazida num sistema tubular instalado a dois metros de profundidade e a dez metros da beirada do mar, absolutamente pura. O fundo da piscina era todo de areia da mesma praia e foi necessário obter uma licença para a captação desse material. O motor fora montado no sub-solo ao lado da piscina onde também havia um espaço para um laboratório. Ali faria suas experiências. Ainda de relação a piscina, ela possuía cascatas e ondas provocadas por um sistema eletrônico recentemente lançado no mercado. Em diversos pontos foram colocados corais e plantas marinhas. Era um verdadeiro ambiente marinho, esta era a intenção. Fizeram-se visores nos seus diversos lados onde passava um corredor subterânio anexo a casa de máquinas e ao laboratório. À noite ficava toda iluminada se assim quisessem. Por fim, a cada seis horas a água era retirada e a piscina ficava espraiada, digamos assim. Era toda areia, corais e plantas e lentamente voltava a se encher. Era como se fosse a Itapagipe do seu tempo de juventude: fluxo e refluxo do mar. Igualzinho!

E o porquê de tudo isto, dessa parafernália aquática que todos da casa estranhavam menos à sua mãe? Ela era cúmplice! A cada 15 dias ia à Itapagipe, mais precisamente ao Lobato, catar papa-fumo e, por acaso, rala-côco. Era levada pelo motorista da família. O mesmo que servia à princesa, sua esposa. Sim! Yana era uma princesa, desde que irmã de sangue de Dayaqui, que era príncipe,  filho que era do cacique da tribo considerado um rei.

Toda semana, Pequenina passava um dia na casa de uma velha amiga de infância com quem costumava pescar ao tempo de moça. Ambas de short catavam  e outros bivalves. Relembravam do tempo em que eram jovens e fortes. Conversavam e cantavam as músicas de antigamente. Havia uma diferença nesse quadro: antes faziam por necessidade. Precisavam pescar para sobreviver; agora era um deleite das duas Marias: da Glória, Pequenina e das Dores, sua amiga. Esta tinha feito um grande casamento. Era uma mulher rica.

Após a pescaria, a amiga cozinhava metade do pescado e a outra metade era colocada numa lata com água do mar e um pouco de areia. Preparavam grandes moquecas. Após o almoço, Pequenina voltava para Arembepe levando aquela lata e seus ocupantes. Eram para Serbento que os levava para o laboratório. Quando o piscimar esvaziava totalmente Serbento os enterrava na areia.  Mesmo que fosse noite, era um procedimento obrigatório. 
Aquela foi a última visita da mãe à Itapagipe com esta finalidade. O piscimar, assim era denominado, já estava com sua capacidade de absorção do marisco todo tomada. Não havia mais necessidade. Agora era só esperar de um a dois anos. Por que? Cada papa-fumo era aberto e mediante um pequeno corte no seu dorso, era introduzido um grão de areia. Como se fazia com as ostras visando a obtenção de uma pérola.

O começo dessa operação fora iniciada pelo próprio Serbento tão logo chegou da Malásia. Ainda não existia a piscina. Os papa-fumos vindos da península foram enterrados numa das bacias formadas pelos recifes de Arembepe. Antes introduzira um grão de areia em cada um deles. Baseava-se em informações de biólogos estrangeiros de que, os papa-fumo tinham também a capacidade de produzir uma pérola, da mesma forma que uma ostra. Alguns deles citam resultados positivos em diversas partes do mundo e até mesmo no Brasil, mais precisamente em São Paulo, onde o marisco é conhecido como sapinho ou berbigão. Só havia um detalhe: os papa-fumos só produzem pérolas negras, desde que eles não possuem o nácar das ostras, justamente a substância que dá o tom prateado às pérolas. Mas não tinha importância, pelo menos econômica, desde que as pérolas negras eram até mais valiosas que as congêneres das ostras. 
E por cerca de um mês  Serbento não voltou à sua preciosa bacia. Sua atenção estava voltada para Yana, sua esposa. Sempre que podia, mostrava-lhe Salvador com um prazer infinito. Era um bom cicerone. Nas noites de sábado saiam para dançar. Aos domingos, almoçavam fora. A mãe os acompanhava.
Num determinado domingo, a esposa mostrou desejo de tomar um banho de mar. Estava ali tão perto e ainda não tivera esse prazer. Preferia mais a piscina. Serbento a levou justamente para a bacia onde estavam seus papa-fumos. Não lhe falou nada. Entrou com a esposa no pequeno espaço e começou a procurar os papa-fumos que havia enterrado na areia. Estavam todos mortos. As conchas abertas indicavam o óbito. Que teria acontecido?
Soraya percebeu algo em seu marido. Estava pensativo – O que houve?
- Nada! Depois lhe explico.
Sentou-se na praia e ficou a olhar a esposa a nadar. Era uma grande nadadora. Tinha sido mergulhadora de pérolas em sua terra. Resolveu juntar-se a ela. Ali mesmo contaria o que houve.
- Você tem que procurar um especialista,  talvez um pescador. Deve ter uma explicação.
Não conhecia ninguém confiável, mas tinha que achar um. Por enquanto procuraria um pescador e tinha que ser de Itapagipe. Os daqui talvez nem conhecessem o bichinho.
E, no dia seguinte, foi à Itapagipe. Levou a esposa. Avisou a mãe que iriam almoçar fora. Conhecia um velho pescador. Não sabia se ainda estava vivo. Tomara! Felizmente encontrou-o. Serbento explicou o que houve. Somente escondeu a finalidade da experiência. Disse que pensava fazer uma colônia de papa-fumos em Arembepe.
- Meu amigo Serbento. Quanto tempo! Como vai sua mãe? Você sempre foi um menino muito inteligente. Que o traz até este velho pescador que já não pesca mais. Só faz olhar o mar com muita saudade.
- Meu amigo Pedro, o prazer é todo meu. Esta é minha esposa, Yana. Venho ao seu socorro. O senhor conhece tudo de pesca. É sobre os papa-fumos e contou a história ao velho pescador.
- Garotão. É simples. Você afogou os bichinhos. Os papa-fumos precisam respirar de tempos em tempos, senão morrem. É por isto que eles vivem em locais onde a maré se espraia como aqui em Itapagipe. Reparem que não dá papa-fumo em lugares de maré permanente. Sempre nas partes que se descobrem com a vazante. Sinto muito!
Estava explicada a mortandade de seus papa-fumos em Arembepe. A bacia tinha água permanente. Não secava totalmente, mesmo nas marés muito baixas. 
- Meu bom Pedro. Quero lhe dar um presente. Não é pagamento. É presente mesmo. E tirou uma nota de cem reais e colocou no bolso da camisa do velho pescador.
Foi aí que Serbento teve a ideia de reproduzir um ambiente aquático que se assemelhasse ao que acontecia em Itapagipe. Voltemos a ele.
E agora ele funcionava com toda precisão. Antes havia consultado um colega que lhe fora indicado. Era professor de diversas faculdades. O atendeu muito bem. Explicou que esses animais efetivamente como que respiram. Praticamente, eles são quase anfíbios, ou melhor, têm algumas características dessa espécie. Melhor dizendo: eles precisam de ar para sobreviver e reproduzir. Têm uma espécie de respiração. Precisam de um fornecimento constante de oxigênio para produzir a energia que os mantêm vivos. Os peixes, por exemplo, retiram o oxigênio da água. Os papa-fumos possivelmente tenham um sistema misto. Tanto retiram o oxigênio da água como do ar. Faltando um dos dois, não sobrevivem.
Serbento tinha tido a prova na bacia de Arembepe. Apesar de uma água sempre renovada pelas ondas, seus papa-fumos não sobreviveram.
Também antes Serbento aventou a hipótese de formar uma colônia de papa-fumos “trabalhados” no próprio mar da Ribeira, como era conhecida essa área de Itapagipe. A grande dificuldade era a mobilidade do animal. Eles se movimentam diferentemente da ostra que se fixa num lugar e ali permanece por toda a vida. Pensou em cercar uma determinada área, mas seria descoberta e era ilegal. Tinha que manter sigilo total com as experiências que iria realizar.
Foi neste ponto do processo de decisão que optou por fazer uma segunda piscina em sua residência. Não iria sacrificar a família, especialmente sua esposa, em fazer a experiência na piscina atual. Construiria outra ao lado. Tinha bastante terreno para tal. Mas não seria uma piscina comum. Teria que ter todo o aparato que se assemelhasse a um ambiente marinho, no caso, o ambiente da Enseada dos Tainheiros. Fez o que fez, como já se viu. 
E com a ajuda de um arquiteto que lhe fora indicado, um cara que realmente comprou a idéia e com ela se entusiasmou, construiu o seu grande aquário natural. O profissional nunca imaginou para que fosse realmente aquele projeto. Tinham-lhe dito que era para criar mariscos. Todos! Uma idéia realmente excêntrica. Estava acostumado a essas coisas.
E os dias e os meses foram se passando. Vez em quando, Serbento colhia alguns papa-fumos, primeiro para constatar se ainda estavam vivos e segundo, abria-os com uma ânsia incomum, buscando encontrar vestígios de uma pérola ou outra coisa estranha ao corpo do animal. Nada encontrou! Ainda não era tempo. Não havia decorrido um ano e, segundo sabia, só após um e até dois anos, mariscos como a ostra, costumavam produzir suas pérolas. Imagine o pobre do papa-fumo. Sem uma tradição genética, teria que durar até mais tempo. Nesse particular, formou uma idéia que, efetivamente, as ostras que eram “sacrificadas” com a introdução artificial de um elemento estranho em seu corpo ao expelir material para reprodução de outras ostras, já deviam fazê-lo com as sequelas daquele elemento provocativo que lhes foi introduzido. Os papa-fumos, não! Não havia tradição desse procedimento, pelo menos aqui no nordeste.
Teria que se conformar com a idéia que só após dois anos pelo menos, os seus papa-fumos poderiam lhe proporcionar a ventura de uma pérola. De resto tinha que dar assistência a sua esposa, sozinha no Brasil, ainda sem amigas e sem parentes. Todos ficaram em Klang. Nesse ponto lhe veio a idéia de uma viagem à terra da consorte. Ela vibrou quando soube. A mãe não quis ir.  Na minha idade, eu sou vou atrapalhar. Providenciou as passagens e viajariam dentro de 15 dias. Iria de navio, saindo do Rio de Janeiro.  Antes, precisava providenciar e treinar alguém que cuidasse de seus papa-fumos e da casa. Colocou anuncio no jornal procurando casal sem filhos para caseiros em Arembepe. Exigiam-se referências. No dia marcado apareceram seis casais. A maioria morava na região de Camaçari. Foi escolhido Alonso e esposa. Não tinham filhos. Ele espanhol, ela brasileira. Tinha curso profissionalizante feito em sua terra. Entendia de eletricidade, já tinha sido pedreiro, pintor, encanador, quase tudo! A pessoa ideal! Serbento tivera sorte, assim lhe parecia.
E a Alonso fora explicado o funcionamento da piscina extra onde se encontravam os mariscos. Fora-lhe dito que era uma criação em cativeiro. Fundamental era a observância do funcionamento do fluxo e refluxo da água, senão os mariscos morreriam. Em caso de problema devia procurar a firma que o instalou. No mais era cuidar da outra piscina, da casa como um todo e telefonar a cada três dias para a Malásia onde ele estaria. Deu-lhe o fuso-horário. De madrugada!

Yana vibrou quando o marido lhe participou da viagem. Iriam primeiro à Tóquio. Serbento estava interessado em visitar as mineradoras de pérolas daquele País, o maior produtor mundial, tanto das nacaradas quanto das negras. Credita-se a um japonês, Kokichi Mikimoto, a invenção do transplante, a técnica que permite a produção da pérola a partir do nácar, quando se desejar. A primeira pérola foi colhida na Baia de Ago no Japão em 11 de Julho de 1893. Já as pérolas negras foram descobertas em Taiti, muitos anos depois. No Japão a Ilha de Ishigaki é famosa pela exclusividade de produção de pérolas negras. Iria até ela, logo após a visita à Tóquio.

Dois dias antes do dia da viagem, o casal viajou para o Rio de Janeiro. Tinham avisado a Mario, seu companheiro de aventura em Klang, que estava viajando para Klang por navio que sairia do Rio. Gostaria de revê-lo e a Sandra, sua esposa. Foram recebidos no aeroporto.
- Vocês vão ficar em nossa residência esta noite.
- Mas tínhamos feito reserva em hotel em Copacabana.
- Não tem problema. Cancelaremos a reserva. Qual é o hotel?
- Copacabana Pálace.
- Pegou o telefone e discou. Em um minuto a reserva estava cancelada. Alegou força maior.
A casa de Mário e Sandra em Jacarepaguá ficava num condomínio fechado. Digna de um rei. Belíssima! Tinha até cinema. Os dois estavam muito felizes. Passaram a noite toda relembrando a aventura de Klang. 
- Será que isto  vai dar certo, Bento?
Só Mário chamava-o assim. 
- Não tenho nada a perder, mas tenho muito a ganhar se tudo se concretizar.
- Mas você já é um homem rico. Deve estar mais rico ainda. 20 milhões de dólares aplicados não é brincadeira. Pouca gente na Bahia tem esta fortuna.

- Não estou pensando em mim. Meus planos são outros. Quero ajudar a comunidade dos Alagados. Em não havendo mais condições de erradicá-la, acho que devo melhorá-la de alguma forma e as pérolas seriam a fórmula de ajudar.
- Você pensa repassar seu segredo? Você acabaria com os papa-fumos da região. No dia seguinte todo mundo estaria a catá-lo e acabaria com todos eles em poucas semanas. E essa mesma gente não teria o que comer no dia seguinte e nos próximos dois a três anos. É o tempo que se prevê para a formação de uma pérola. Por outro lado acho que, esta geração que você prepara, não dará pérola. Somente as que lhe sucederem com a pré-disposição genética, poderão proporcionar esse milagre. Isto mesmo. Considero as pérolas um milagre da natureza.

- De forma alguma. Penso em fazer um Fundo de Ajuda e Assistência. Saneamento básico, água e esgoto. Em seguida Educação e Saúde para todos. Hospitais e escolas profissionalizantes. Penso em erradicar as palafitas que continuam sendo construídas. Junto ao governo, vou trabalhar para a construção de um cais que limitará o contorno do mar. Já tomaram grande parte dele e continuam tomando em doses diárias. Só com dinheiro se pode fazer isto. O dinheiro das pérolas.
Enquanto isto, Sandra e Yana conversavam mais adiante da piscina.
- Está gostando da Bahia?

- Adorando!
-Muita saudade de sua terra?
- Muita. Mas a gente tem que ir adiante. Meu destino foi traçado assim e eu saberei segui-lo com todas as minhas forças.

- E o amor?
- Também com amor. Amo meu marido e tenho certeza que ele também me ama. Somos felizes, e você? Era o repique.
- Eu e Mário também nos amamos. Somos muito felizes.


18

Às 10 da manhã o navio partia do Porto do Rio. Devidamente acomodados em cabine da primeira classe, os dois fizeram amor pela primeira vez a bordo. Desceram os 10 andares do transatlântico e foram almoçar. Num lindo estampado comprido, quando o casal entrou no restaurante, muitos que lá estavam admiraram a beleza de Yana. Parecia uma princesa e realmente era. Vieram, a saber, mais tarde. A descoberta ocorreu assim: à noite, houve um baile a rigor. Yana estava ainda mais bela. Trajava um vestido prateado, lindo! Serbento de Black-tie. Numa determinada hora a orquestra parou de tocar e um locutor, falando em inglês, começou a anunciar as autoridades presentes naquele evento. Fazia parte do cerimonial, a não ser que pedissem com antecedência que não fossem anunciados.
-Estão presentes conosco o embaixador do Brasil na Malásia e Singapura, fulano de tal e digníssima esposa e continuou citando mais uma dezena de autoridades. Já no final o locutor pediu a atenção do público para a presença de uma princesa no Caravelle. Era um orgulho! Trata-se da princesa Yana de Klang, na Malásia.
Yana pega de surpresa levantou-se e cumprimentou o público com um gesto de cabeça.
- Mas, amor, vai ser um problema o resto da viagem.
- Não pensei que fizessem isto. Não tenho culpa.
Saíram a dançar, e logo Yana percebeu a atenção que despertava, principalmente das mulheres.
-Amor, todo mundo me olha.
- Quem está te olhando?
- As mulheres.
- Ah! Pensei que fossem os homens.
-Também me olham, mas com mais discrição.
- Isto passa, é um momento de curiosidade. Não é toda hora que se vê uma princesa.
- Sentaram-se e foram logo convidados a participar da mesa do comandante do navio. Uma pessoa simpaticíssima. Estava lá também o embaixador do Brasil e esposa. Outras autoridades também estavam sentadas. A situação começou a melhorar. Yana ficou mais à vontade. Ninguém a olhava especificamente. Havia como que uma normalidade social. Todos ali eram importantes em suas áreas. Ela era apenas uma princesa. Estava como que equivocada. Ninguém a olhava tanto e o comandante do navio não seria tão irresponsável em anunciar seu nome se houvesse qualquer perigo. Era uma praxe.
Menos à vontade deveria ficar Serbento. Ele era apenas o esposo da princesa, mas tal não aconteceu. Falava fluentemente o inglês. Isto ajudou. Ao seu lado direito ficou a esposa do embaixador. Usava um lindo colar de pérolas pretas com lampejos azulados.  Serbento achou uma grande coincidência. Não se conteve. Exclamou:
- Que lindo colar a senhora está usando. Parabéns.
- São pérolas do Japão. Comprei em Tóquio.
- Já desconfiava. O Japão é a pátria das pérolas negras. As primeiras pérolas negras foram encontradas lá.
- Parece que o senhor conhece muito bem pérolas.
- Fui mergulhador de pérolas na Malásia.
- O senhor mora lá?
- Não. Minha esposa é de Klang, uma região da Malásia. Estamos indo para lá. Ela também mergulhava.
- A princesa?
- Sim. Antes de casar. Aliás, todos em Klang mergulham.
- Sou encantada pelas pérolas. Dizem que tem uma história muito bonita. O senhor deve saber alguma coisa. O que significa a palavra pérola.
- O significado de sua palavra é convertido. Teria vindo do latim, de pema ou de sua forma esférica do latim sphaerula. Ela é conhecida há mais de dez mil anos. Conta-se que após a criação do mundo os quatro elementos honraram o Criador com um presente. O Ar ofereceu-lhe um arco-iris; o Fogo uma estrela cadente; a Terra um rubi e a Água uma pérola. E por aí vai.
- Lindo! Depois quero saber mais.
- Será um prazer.
Enquanto isto, Yana conversava com o comandante.
- Comandante qual é o transatlântico mais veloz do mundo?
- É o Grand Voyager! É de bandeira das Ilhas Marshall. Têm capacidade para 835 turistas e 350 tripulantes. Pesa 25 mil toneladas e possui 418 cabines. Sua velocidade é de 28 nós ou 60km/h. Ele, entretanto não é o maior. O maior é o Solsticio. Pesa cerca de 134 toneladas e tem mais de 300 metros de comprimento, podendo transportar 4.250 passageiros. Tem uma velocidade cruzeiro de 45km/h.
- E o seu navio, comandante?
- É apenas o mais luxuoso de todos. Não é muito veloz em razão do seu tamanho – 251 metros e seu peso – 56.1 toneladas. Pode transportar mais de 2000 passageiros. Tem 700 tripulantes.
Você já o percorreu princesa?
- Ainda não, comandante. Vimos alguma coisa.
- Pois bem! Ele tem duas piscinas, sauna, SPA, salão de beleza, internet, café, 3 restaurantes, sorveteria, 7 bares, teatro para 600 pessoas, discoteca, clube infantil, sala de jogos, biblioteca e free shop.Tem 777 cabines, 132 delas suítes com varanda. Não sei se esqueci algo. Devo ter esquecido. Amanhã você e seu esposo vão começar a ver. Tenho orgulho de comandar o MSC Sinfonia. Esta será minha última viagem. Estou me aposentando. Aliás, o comando me foi dado nesta viagem por esta razão. Vocês estão na principal suíte, não é verdade? A destinada à Presidentes.
- Sim comandante. Belíssima. Hoje será minha primeira noite nela.
O comandante ficou pensativo! Lembrou-se de sua primeira viagem com a esposa.


19

A viagem transcorreu a mil maravilhas. Yana e Serbento tiveram uma segunda Lua de Mel. No décimo segundo dia, o Sinfonia atracava no Porto de Toquio. Hospedaram-se no New Otani Tokyo onde passariam três dias, sesta, sábado e domingo. Na segunda feira viajariam para a ilha de Ishigaki  onde existe grande produção de pérolas negras. Iriam de helicóptero. Havia uma linha regular.
Foram a teatros, parques, museus, tudo enfim que em três dias pudessem ser feitos. Aproveitaram ao máximo as maravilhas e os tropeços de Tóquio, uma das cidades mais populosas do mundo.
Na segunda feira pegaram um helicóptero em direção à ilha de Ishigaki. Foram ver as fazendas de pérolas negras dessa região e tiveram uma agradável surpresa. As pérolas negras eram obtidas de amêijoas, de cuja família os papa-fumos pertencem.
As fazendas ficavam localizadas em áreas de mangue onde o fluxo da maré descobria grande parte da área, como acontece em Itapagipe. Eram, entretanto, lugares desertos, específicos e delimitados legalmente, diferentemente de Itapagipe onde o local é publico. Não havia como fazer igual na Enseada dos Tainheiros. Teria ser algo bem artificial que nem ele já tentava em sua casa em Arembepe, naturalmente com maior amplitude. Se preciso fosse compraria uma área  à  beira mar para fazer suas fazendas. Talvez em Barra do Jacuipe, ali perto. O local tem muito mangue e extensas áreas virgens.
Na segunda feira, o casal partiu de avião para a Malásia. Saltaria no aeroporto de Kuala Lumpur, capital desse país. De lá partiriam de helicóptero para Klang.  

Foram recebidos pelo pai e pelo irmão. Juntos pegaram o helicóptero. O povo deu  um abraço no pequeno campo de futebol próximo à cidade. Todos de cocar. Do alto pareciam bouquets de flores girando em torno. A alegria era geral. Yana também de cocar, levado pelo seu irmão. Cocar de princesa. Serbento com um lindo colar de flores naturais sobre os ombros. Um dia maravilhoso e inesquecível. Após mais de três anos, Yana estava de volta à sua terra. Viu-se menina a correr pela aldeia. Depois a mergulhar em busca de pérolas. O casamento com o homem que amava. Beijou a mãe com carinho. Estava bem. Lembrou-se de muitas amigas. Abraçou a todas.

Os Dayakirs haviam progredido e muito. Forneciam ostras para toda a Malásia e Singapura. Esqueceram as pérolas. Vez em quando encontravam uma ou outra nas colônias que abundavam no litoral de Klang. Eram feitos colares, mesmo que só fosse uma, presa a uma corrente de ouro. Depois acrescentariam outras, à medida que iam achando.
- E aí Dayaki, o homem ainda tem a mineradora? Serbento se referia a Yan, presidente da Mineradora de Klang.
- Cunhado. O homem cresceu muito. Vende pérola para o mundo todo. Outro dia almoçamos juntos.
-Almoçaram juntos?
- Sim. No Golf Clube de Klang. Um almoço de confraternização dos empresários de Klang. Hoje eu faço parte. Sentamos juntos. Tornamo-nos amigos. Minha mulher é muito amiga da mulher dele. É um cara simpático. No princípio foi aquela impressão negativa, mas justiça seja feita, ele sempre se portou muito bem. Tinha que defender seus negócios. Nós, vocês, é que criamos o monstro que nunca foi.
- E verdade Day. Verdadeiramente, criamos um monstro ou imaginamos fosse ele um monstro.
- Vou marcar um jantar com ele e gostaria que você e Yana estivessem presentes.
- Será um prazer, quando quiser.
No dia seguinte, Yana mostrou desejo de tomar um banho de mar. – Querido, vamos mergulhar?
- É. Vamos lembrar os velhos tempos.
Praticamente, todas as mulheres da aldeia que ficava à beira-mar foram para a praia ver a princesa tirar o roupão e de biquíni branco mostrar seu belo corpo. Era uma novidade para elas. Tomavam banho de mar de vestido. O desenho de seus corpos era que chamava a atenção. Sensual. No dia seguinte, todas estavam a tomar banho de calcinha e sutiã. Foi preciso Yana encomendar em Lampur dezenas de biquínis e distribuí-los.  Todas as cores, mas as mulheres deram preferência aos brancos que nem o dela. Foi preciso que no dia seguinte voltasse à praia exibindo um biquíni de duas cores. Aí a preferência fora quebrada.
E em todas as noites daquela semana, sucederam-se festas por toda a aldeia, às quais compareceram representantes de tribos vizinhas numa grande confraternização. Não mais se faziam guerras como antigamente. Pelo contrário, cooperavam-se entre si. Entenderam que a Malásia é muita rica. Tinha terra e riqueza para todos. Uns dominavam o comércio de madeira; outros, o de frutas;  os dayakis de ostras e assim sucessivamente.  Dessa maneira, se faziam presentes chefes das tribos semang e senoi, entre outras.  
Numa daquelas noites se fez presente Yan e a princesa Yasmim. Também belíssima em um vestido branco bordado com pequenas pérolas. No pescoço, como não podia deixar de ser, um belíssimo colar de pérolas de diversas tonalidades. Tinha até pérola dourada. Neste caso, talvez não fosse nem pérola. Serbento ficou curioso. Será que ele conseguiu fazer uma perola revestida de ouro ou mesmo pura?
Ao se despedir Yan convidou o casal a jantar em sua residência. Seria naquele sábado.


20
- Viu que belíssimo colar a mulher do Yan usava? Tinha até pérola dourada. Seria de ouro mesmo ou nem pérola era?

- Bem. Você precisa esquecer um pouco as pérolas da vida. Já está se tornando uma obsessão. De ouro ou de prata, o que importa? Será que você vai retomar toda aquela história de investigação de anos atrás? Agora você está sozinho. Antes era um grupo. Todos pensando.

- É. Você tem razão, mas que vou tocar no assunto, isto eu vou. É curiosidade científica. Preciso saber. Dar-lhe-ei parabéns.

- É melhor você deixar para lá. Águas passadas são águas passadas.
Foram recebidos com grandes abraços e beijos. Sentia-se a satisfação do casal. A residência era belíssima. Ficava no terreno da mineradora, mais para os lados do mar. Quase não se via a sede da empresa. Ficava atrás em meio a um coqueiral. O passado retornou à mente de Serbento. Tinha que retornar, apesar do esforço de esquecer. Yana tinha razão. De nada valia agora. Mas, aquela pérola cor de ouro? Seria natural? Não era ouro? E para piorar a situação, Yasmim portava naquela noite um colar só de pérolas douradas. Parecia que fora feito de propósito. Num vestido todo preto, aquele ornamento em volta do pescoço tornava-se mágico. Serbento não se continha e a toda hora mirava a peça. Yan ria. Parecia que ele estava se divertindo com a aflição do brasileiro ou era simplesmente uma forma de ser, alegre de natureza. Era um homem feliz, rico e tinha uma bela mulher ao seu lado.
Yana percebia a aflição do marido. Ele não vai se conter. Certamente, fará indagações. Tinha receio da reação do anfitrião.
- Vejo que o senhor conseguiu algo extraordinário com as pérolas, Fê-las douradas. São verdadeiras? Devem ser!
- Sim. São verdadeiras. Sabia que o senhor iria se interessar. Eu mesmo pedi a minha esposa que as pusesse. Reparei na aldeia que o senhor ficou impressionado com apenas uma delas, imagine 20 ou 30. Não sei quantas tem o colar da minha esposa.
- Realmente me impressionou. Sou do ramo. Tenho um projeto em desenvolvimento no Brasil. Claro que não de pedras douradas que eu nem sabia podia existir, mas de pérolas negras.
- Pérolas negras? A partir de colônia de ostras?
- Não. A partir de outros mariscos. No momento, não posso dizer quais.

- Conheço a técnica. Os mexilhões do Taiti produzem pérolas negras. São belíssimas e podem alcançar outras tonalidades fechadas.

- Isto mesmo.

- O senhor tem interesse em conhecer a tecnologia das minhas pérolas douradas? Claro que se o senhor for desenvolvê-las no Brasil, deverá pagar royalties sobre a produção o que é muito justo. Todo o projeto está patenteado em segredo de justiça. Precaução!

- Claro que tenho interesse. Poderemos ser sócios em meu País. Também poderemos fazer uma troca. O meu projeto também é inovador. Talvez o senhor possa se interessar.

- Claro! Amanhã, como sem falta, o senhor está convidado a visitar a nossa fábrica. Agora vamos ao jantar. Nossas esposas devem estar aflitas. Conversa de homem sempre é muito longa e complicada. Vamos a elas.

Às 9 horas Serbento chegou à fábrica. Foi logo conduzido à sala do presidente. Após cumprimentos, desceram pelo elevador até o térreo onde se realizava todo o processo de enxerto das ostras antes de voltarem para o mar. Antes era no terceiro andar.
- Aprendi muito com os senhores. Hoje nossa mineradora é um livro aberto, como se costuma dizer. Patenteei todo o processo e possíveis derivações e quem quiser produzir as pérolas que criamos é só pagar os royalties respectivos. Não são baratos. Aliás, propositalmente, são realmente muito caros, chego a reconhecer. Talvez não compense. Ganhamos mais do que o próprio concessionário. Por essa razão, vou explicar como se consegue uma pérola dourada. Talvez você se interesse.
Serbento até então em silêncio, respondeu: - Em verdade, não penso em ser seu concessionário. Meu interesse é mais científico do que monetário. Tenho o meu projeto das pérolas negras e talvez isto me baste.
- Gostei do “talvez”. O senhor mede muito bem suas palavras.
Claro! Ainda não vi nada e poderei me surpreender. Quem sabe?
- Pois bem. Como o senhor bem conhece, a pérola normal forma-se na ostra através uma reação orgânica contra um corpo estranho que lhe é introduzido. Aos poucos o animal vai revestindo esse corpo estranho com o nácar da madre-pérola de sua concha. Aliás, chama-se madre-pérola justamente por ser essa substância “a mãe da pérola”. Já tinha reparado isto?
- Em verdade, não!
- Pois bem. E se mudássemos a substância proveniente dessa reação? Em vez de madre-pérola fosse, digamos madre-ouro? Até esse nome eu já patenteei. Esse foi o ponto de partida. Como uma ostra poderia produzir madre-ouro, ou melhor, o “nácar” que a partir de agora poderíamos chamar de “ourocar”. Somente por uma forma. Modificando o seu habitat e sua alimentação. Foi o que fizemos. Em tanques devidamente preparados com boa oxigenação através guinchos, colocamos na água um caldo à base de ouro em pó. Fomos devagar. Naturalmente, as ostras passaram a absorver estes elementos. Muitas morreram, mas as mais fortes resistiram. Esperamos por muito tempo os resultados. Nada! As ostras que se mantiveram vivas não apresentaram nenhuma transformação. Nada aconteceu.
Essas ostras tiveram larvas das quais se originaram novas ostras. Separamos as mesmas. Foram colocadas noutro tanque como a mesma densidade da água do primeiro e contendo o mesmo caldo do anterior. Elas cresceram. Fizemos o enxerto em cada uma delas. Introduzimos uma pepita esférica de ouro e aguardamos a reação. Em pouco mais de um ano, constatamos a existência em muitas delas de uma pérola dourada. A concha também tinha tons dourados em seu interior. Não era madrepérola como as demais possuem em seu revestimento. Resumindo, as ostras filhas, digamos assim, carregaram consigo a transformação genética que as ostras mães sofreram.
- Sensacional! E o senhor mandou analisar em laboratório a composição dessa nova pérola?
- Não! Não achei necessário. Vai dar o de sempre: carbonato de cálcio, material orgânico e água, os elementos químicos de sempre de uma pérola.
 Serbento se aproximou do segundo tanque e perguntou. Posso ver uma dessas ostras?
- Claro! Pegue uma daquele lado. São mais antigas. Talvez você já encontre até uma pérola.

Serbento se inclinou e pegou uma das maiores. Abriu. Tinha uma pérola dourada. Linda!

- É sua. Um presente para sua esposa.

Os dois homens voltaram para o escritório. – Aceita um cafezinho?

- Claro! É brasileiro esse café?

- Possivelmente.

Ainda conversaram por algum tempo. Serbento agradeceu a acolhida recebida; agradeceu a pérola e convidou Yan para ir ao Brasil tão logo seu projeto estivesse pronto.

- Irei.

Serbento voltou para a aldeia pela praia, como antigamente. Todos os mergulhadores faziam assim. A indústria ficava próxima. Cerca de 200 metros. Caminhava pensativo.  E ele nunca soube da composição de sua pérola dourada! Não se completa. Seria a primeira coisa que ele faria e ao chegar em casa, avisou à mulher que iria a Lampur naquela tarde. Depois explicaria o motivo de sua viagem. Não lhe falou da pérola que lhe fora mandada como um presente. Depois a entregaria, se não ficasse muito prejudicada com o exame de laboratório ou conseguiria outra com o próprio Yan. Diria que perdeu. Um irresponsável pensaria o homem, mas as perspectivas eram muito fortes. Este homem poderá ter descoberto a reprodução de ouro a partir de um animal e não está sabendo.  Não se tratava, evidentemente, de fazer um metal. Tratava-se de reproduzi-lo, de crescer, a partir dele próprio. Será que isto é possível?
Foi recebido pelo Dr. Tatsu na Unversidade de Lampur. Dayaki havia agendado a consulta. Era seu amigo. Serbento queria fazer um exame de laboratório da pérola que trazia. O cientista ficou de logo impressionado com a peça. Linda! Sensacional! Parece feita de ouro.

-É justamente isto que eu quero saber, disse-lhe Serbento.

- Vamos ao laboratório. Até eu estou curioso.

- Se o senhor puder retirar apenas uma pequena partícula, eu lhe agradeço. Quero dar de presente à minha esposa.

- Só preciso de uma pequena parte. Realmente uma partícula.

- É ouro. Ouro apenas regular. Talvez com menos de 14 quilates, talvez 12. Como o senhor fez este pingente? Na mão ou o senhor tem uma fôrma?
Serbento não soube como responder. Simplesmente disse ao cientista. Fiz. Fui moldando.
Era incrível o que estava acontecendo. O cara conseguiu fazer crescer o ouro a partir de certa quantidade. Tem o mundo aos seus pés e não está sabendo.
E ele, o que faria? Se espalhasse a descoberta, o metal perderia seu valor. Ele é caro porque é raro. É escasso. As pessoas fariam em qualquer praia, mesmo em casa em tanques de diversos formatos como o Yan tinha em sua indústria e ele igualmente em Arembepe, aonde viviam os seus papa-fumos tentando fabricar pérolas negras. Uma grande ironia.
Voltou para Klang e presenteou a sua esposa com a linda pérola.

- Vou mandar fazer um anel quando você terminar suas consultas.
Não lhe disse nada sobre os resultados de sua visita à Lampur. O segredo começaria dentro de casa. Não sabia se estava certo, mas a coisa era muito importante. Poderia mudar a história da humanidade. História da humanidade? Sim! É provável que acontecesse. Tinha que tomar cuidado. Poderia ser uma história triste. Queria-a alegre com a ajuda de Deus.
Foi difícil segurar o segredo com a esposa. Resolveu contá-lo. Ela era sua companheira. Viria a saber mais cedo ou mais tarde. Como era de se esperar, Yana ficou impressionada, quase pasma.
- Bento. Será que este cientista que você procurou em Lampur está realmente certo. Será que é ouro mesmo? Você não vai dar uma de Flamel?

- Quem é Flamel:
- Nicolau Flamel. Ele nasceu em 1330 em Pontoise, na França, e foi um dos maiores alquimistas da história. Segundo conta-se ele conseguiu produzir prata em 1382 e finalmente ouro, por transmutação. Nunca foi rico no entanto 10 anos depois começa a construir hospitais, igrejas, abrigos e cemitérios e os decora com pinturas e esculturas contendo símbolos alquímicos. Deu para desconfiar, tanto que após seu falecimento ocorrido em 1418, sua casa foi saqueada por caçadores de tesouros a procura de sua receita sobre o ouro.

- Como você sabe dessa história.

- Lí. Não sei aonde. Sei e agora está sendo útil. E sabe o que aconteceu com ele e sua esposa?

- O que aconteceu?
- Nunca morreram. Quando foram abrir suas sepulturas só encontraram a roupa do corpo. Não havia mais nada, nem ossos. Ah.Ah.Ah. Já pensou? Nosso amor será eterno. Nunca morrerá.
- Vamos deixar de brincadeira. O assunto é muito sério. Tenho isto na mão. Pode ser que seja. Já pensou?
- Não quero que você fique maluco. Vamos cuidar de nossas vidas. Vamos vivê-las com a força de nosso amor. Depois, quando voltarmos para o Brasil, você volta a pensar nessa história maluca.
- Não. Em Singapura vou tirar a prova dos nove. Mas, enquanto isto. Você tem razão. Vamos gozar as nossas vidas. E vai ser agora....
Foram de helicópero para Singapura. Richard e Marion os esperavam na porta da casa. O aparelho pousou há poucos metros de outro que alí se encontrava. Abraçaram-se efusivamente. Depois se dirigiram para a sala de visitas.
- E ai Serbentão? Era a forma como Richard se dirigia antigamente a Serbento.
- É um grande prazer revê-lo, grande amigo.
- O prazer é meu. Falavam em inglês.
- Como vai a mineradora?
- Agora em sou o presidente.
- Oh! Parabéns.
De relação a Marion e Yana, as duas se sentarem um pouco mais adiante onde estavam os dois homens.
- Esta feliz? Perguntou Marion.
- Muito feliz e você?
- Também, Richard é um homem extraordinário. Como vai sua vida no Brasil?
- Excelente! Moro à beira-mar num lugar paradisiaco chamado Arembepe. Espero que um dia você vá conhecer.
- Olha que vou. Este negócio de paradisiaco também é comigo.
- Richard preciso fazer uma consulta a um geólogo de verdade. Você deve conhecer alguém.
- Conheço. O Dr. Tamaka. É japonês. Pode ser para amanhã?
- Claro!
- De que se trata?
- Análise de uma pérola.
- De uma pérola? Carbonato de cálcio, material orgânico e água. Está analizada. Estou bincando. Deve ser algo mais importante. Tenho interesse em saber o resultado.
Serbento arrependeu-se do que havia solicitado. E se o indicado fosse pessoa de sua equipe. Mesmo que  não fosse, certamente transmitiria alguma informação. Mudou de idéia.
- É uma pérola negra. Serbento pensou na preservação do segredo. Não podia ter pedido indicação por parte de Richard. O cara é muito bacana, mas já se passaram quase 5 anos. O tempo muda as pessoas. Precisava pensar um pouco mais. Manteria a consulta, mas não da pérola dourada e sim de uma preta que obteve no Japão.. Consultaria a lista telefônica. Qualquer coisa, menos o tal do doutor Tamaka. Deve fazer trabalhos para a Mineradora ou é da própria Mineradora.
No dia seguinte o Dr. Tamaka lhe atendeu. Baixinho, gordinho, cabelos todos alvos. Uma simpatia, mas um perigo. Apresentou-lhe a pérola negra. Precisava saber sua composição.
- Posso quebrá-la?
- Pode. E levou os pequenos destroços a um microcópico.
- O que o senhor quer saber?
- Sua composição. Ela tem nácar?
- Tem um pouco. Esta misturado com muito material orgânico. Quase não aparece, dái a pérola ser negra.
- Muito obrigado. Quanto lhe devo?
- Não se preocupe com isto. Depois eu acerto com a mineradora.
Serbento percebeu que o homem era, efetivamente, da mineradora. Que perigo acabou de correr.
Correu para uma cabine de telefone. Deveria ter uma lista telefônica. Efetivamente tinha. Consultou – Universidade de Singapura – Departamento de Geologia. Ligou. Marcou uma entrevista com o geólogo de plantão. Dirgiu-se para lá. Antes de entrar, ainda nos jardins da universidade, teve uma idéia luminosa. O cara vai destruir a pérola quem nem fez o Dr. Tamaka com a pérola negra. Ele próprio a destruria, então. Pegou uma pedra. Colocou a pérola num pedaço de papel retirado de sua agenda e  a esmagou. Agora era só pó.O homem vai ter que examinar o pó. Isso é que é importante. O pó, não a pérola. Como não tive essa idéia antes?
O geólogo começou a examinar o pó que lhe fora dado. – Onde o senhor encontrou esse pó?
- Numa casa de material de tinta. É pó de ouro para pintura.
- Logo vi. É um ouro muito mole. Tem muito pouca prata e cobre. É quase gelatinoso. Só serve, efetivamente, para pintar peças a ouro. Tem poucos quilates. 
Serbento saiu do laboratório arrazado. Gelatinoso! E como na pérola se apresenta tão bem? Talvez não seja tão bem assim. Faltou algo que aquele bandido não explicou. Bandido! Oh não! Ninguém é bandido. Ele está no seu direito. Claro que não iria explicar tudo. Faltou alguma coisa que não foi dita. Ou será que é assim mesmo? O geólogo falou que tem pouca prata e cobre. E se se acrescentasse ao caldo doses maiores desses elementos? Por essa razão ele não sabe que descobriu a fabricação artificial do ouro. Faria isto na primeira oportunidade. Só no Brasil.
Passou dois dias na casa dos Richards. Maravilhosos. Relembraram os acontecimentos daquele época quando os dois mergulhavam para o Yan. Perguntou sobre todos os companheiros. Todos estavam bem. Ricos e felizes. Yan também quiz saber sobre Santa Cruz que morava no Rio de Janeiro.
- Está bem. Aliás, muito bem. Antes de vir para cá, estivemos com ele e Sandra. Mandou um abraço. Sabia que ia me encontrar com você.
Enquanto isto, Marion e Yana fizeram muitas compras nos magnífcos shoppings de Singapura. Numa joralheria viu um colar de pedras douradas. Ficou encantada. Marion percebeu a atenção que amiga estava possuída por aquela joia.
- Algo especial?
- Não! Não é muito comun pérolas dessa cor. Seriam naturais ou enchertadas? Por outro lado, estou achando que está muito barato. Somente 100 dólares?
- Vamos entrar.
O balconista trouxe a peça. Parecia pouco interessado em vendê-la.
- Algum problema com este colar, perguntou Marion?
Em verdade, minha senhora, esta peça está com defeito. Estamos liquidando-a. Apenas 100 dólares e se a senhora pagar em dinheiro, concederemos um desconto de 50%. Mas, mesmo assim, não aconselho levá-la.
- Mas porque?
-Quando ela pega calor, as pérolas se deformam ou racham. Ficam parecendo umas peras. É gelationosa. Compramo-nas no inverno. Quando chegou o verão, aconteceu o que a senhora está vendo. Estão deformadas. Quebradiças.
Yana começou a pensar no marido. E o coitado pensando que tinha ouro na mão?  Foi bom ter visto isto. Precisava alertá-lo.
À noite, ainda no quarto, antes de descer para o jantar, Yana tocou no assunto. Contou o que tinha acontecido. Serbento não se assustou. Parecia até já saber.
- Querida! Também constatei isto no exame que mandei proceder num especialista. É o chamado “ouro mole”. Falta-lhe outros elementos que lhe dão dureza, como sendo a prata e o cobre. Não chega a ter 14 quilates. Talvez 12 ou até menos. Mas isto não quer dizer nada. Talvez se acrescentarmos esses metais ao caldo que as ostras vão absorver para modificar a sua reação, tenhamos resultados melhores. No caso do Yan ele deve ter trabalhado com ouro barato, por questões de custo. A finalidade dele era obter uma pérola dourada e não ouro.
21
Ao retorno de Singapura combinaram esquecer a tal da pérola dourada e o que ela poderia conter. Faltavam ainda um mês para a volta ao Brasil. Tentariam aproveitar da melhor forma possível. Alugaram um iate. Foram conhecer todas as ilhas da região e até de Singapura que não ficava longe. Naturalmente, da parte mais ao norte.
Foram dias maravilhosos. Yana era uma deusa. Um peixe. Uma ninfa. Uma sereia. Era tudo na sua nudez encantadora. O máximo que vestia era a peça do biquine de baixo. O seios ficavam sempre à mostra. Na maioria do tempo o iate velejava sozinho através seu piloto automático. Serbento queria estar sempre junto da sua esposa. Aproveitamento total. Absoluta integração. Chegavam a exaustão. Quando acordavam não sabiam nem onde estavam. Tinham que consultar os intrumentos e os mapas de bordo. Riam da “perdição” geral do iate e deles próprios.
Foi com tristeza que viram chegar o dia da volta. Na véspera foi aquela festa. Dayaki preparou algo extraordinário como nunca se viu em Klang. Dançaram até de madrugada. Naquelea noite só o sono poderia reparar. Acordaram às 11 hóras. O voo estava marcado para às 14 horas.Foi o tempo de arrumar as malas e partir para o aeroporto de Lampur. Chegaram com uma hora de antecedência. Os pais e o irmão os acompanharam. Dayaki prometeu ir ao Brasil no mes seguinte. Como sem falta. A irmã deu-lhe um grande abraço. Promessa é promessa, disse-lhe. Saltaram no Rio e ainda passaram uns dias com Mario  e Sandra. Parecia que não queriam chegar a Salvador. Sabiam o que os esperava.
A mãe continuava bem. Informou que os caseiros foram maravilhosos. Deveriam ser mantidos. Fizera uma grande amizade com a mulher do mesmo. O homem era uma pessoa prática e conhecia de tudo. Um verdadeiro quebra-galho. Era muito necessário. Serbento concordou em mantê-los. Por outro lado, estava sumamente ansioso de relação aos seus papa-fumos. Teriam produzido alguma coisa? Começou a catá-los e a medida que abria cada um era um sofrimento. Nada! Também ainda não era tempo. Só um ano. Tinha que esperar mais tempo. Enquanto isto começou a providenciar a construção de um novo tanque. Seria simples, apenas o suficiente para as suas experiências douradas, como resolveu agora chamá-las. Em quinze dias estava pronto. Não tinha nenhum luxo. 
Enquanto isto, Serbento no seu laboratório procurava a melhor forma de fazer o caldo de ouro, platina e cobre. Só de ouro, já tinha provas que não era suficiente. Obtinha-se um ouro mole como era o de Yan. O grande prolema que se apresentava era obter a homogeinadade do caldo. Não poderia ser um caldo granulado. Como fazer com partículas de ouro, platina ou paládio e cobre? Lhe veio uma idéia. Pimeiramente tornaria líquido todos esses elementos em candinhos. O ouro, por exemplo, fica líquido a uma temperado de mais de 1000º.  Mas se você derramar água nesse momento, o ouro imediatamente se solidifica. E se água estiver nos mesmos 1000º , não haveria uma junção do oxigênio e do hidrogênio da água  às moléculas do ouro? È o que haveria de fazer. Procedeu assim. Pareceu-lhe que houve integração. Mas não poderia manter aquela homogeinidade naquela temperatura. Tão logo baixasse a temperatura, aquela mistura se solidificaria. Enquanto isto o cadinho expelia vapor por todos os lados. O ambiente da sala ficou impregnado de fumaça. Não diria que aquela fumaça cheirava a ouro. Era inodora mas ela era composta de que? De oxigênio, hidrogênio e ouro. Outros metais tivesse, como a platina e o cobre, também estes elementos estariam na sua composição. Pelo amor de Deus. Parecia ter encontrado a solução. Bastava tão somente liquidiicar a fumaça voltando a ser água. Povidenciou um aparelho apropriado e no dia seguinte, repetindo a experiência, reteve a fumaça em um recipiente e aquele vapor tansformou-se  rapidamente em água. Agora era só analizar aquele líquido. Constatou-se a presença de cobre, prata e ouro. Tinha vencido.
O próximo passo foi encher o tanque com aquele líquido, processo que demandou longo tempo. Mais de dois meses. Praticamente, caia de gota em gota do aparelho de conversão líquida. Apesar disto, não perdeu tempo. Quando já havia alguma água, dez centímetros por exemplo, já tinha colocado alguns papa-fumos, mexilhões e ostras. Também outros tipos de mariscos bivalves. Sabia muito bem que não seria aquela geração a possível produtora de pérolas douradas. Quando elas germinassem, seria a nova geração que sofreria a introdução de algo extranho em seus corpos. Demandaria tempo, mas não tinha outro jeito. Enquanto isto não acontecesse, acompanharia mais de perto os seus papa-fumos de pérolas negras. Tinha muito esperança que algo de bom estava para acontecer.
Já haviam decorrido quase um ano do inicio da operarão “dourada”, resolveu assim chamá-la. Consequentemente, a operação “pérola negra”, a outra, fazia mais de dois anos. Estava na hora de verificar, papa-fumo por papa-fumo, se deram ou não a cobiçada bolinha negra. Foi abrindo um a um. Estava no 32º. No 33º lá estava uma pérola negra. E logo sucederam outras e mais outras. Não eram muito grandes, mas eram pérolas negras. Era a redenção dos Alagados ou seu fim trágico de muita fome e do crescimento da criminalidade. Era preciso ter muito cuidado. Serbento repassou todas as formas pensadas e repensadas de como transferir aquela riqueza aos seus habitantes. De logo, estava descartada o repasse do segredo, nem mesmo a informação de obtenção de uma pérola a partir do papa-fumo. Todos iriam tentar de alguma maneira. Não haveriam de conseguir. O detalhe da herança genética, levaria muitos anos. Enquanto isto, estava instalada a fome e o que dela decorre. Procurar os líderes da comunidade, nem pensar. Todos com interesses políticos. Procurar a igreja e os padres, também não lhe agradava. Ficar para sí o resultado da venda das pérolas, não lhe satisfazia como pessoa humana. Nem precisava. Tinha que encontrar uma fórmula.
Primeiramente, fez um contato com Richard em Singapura. Ele tinha todos os meios de distribuição. Venderia as pérolas para ele com exclusividade. O escocês aceitou a proposta. Mas como transferir o produto do Brasil para o Oriente? Richard veio ao Brasil e abriu uma filial na Bahia. Serbento lhe forneceria as pérolas. Tinha que registrar uma firma. De que? Fazenda de ostras. Seria o principal objetivo. Poderia obter algumas pérolas. Experiências seriam feitas. Uma eventualidade!  A séde? Comprou um terreno em Jacuípe, junto ao mar. Ali mantinha uma colônia de ostras e já transferira grande parte dos papa-fumos para área que  se espraiava de seis em seis horas, que nem em Itapagipe. Não havia o risco de perda ou dispersão dos mariscos. Como que limitando o terreno, havia um canal de razoável profundidade. Tinha que aliviar sua casa. Estava virando uma indústria. A esposa não reclamava, mas olhava com certa desconfiança. Era o princípio de um desentendimento.
Richard Veio com Marion. Ficaram hospedados na casa de Serbento e Yana. Passaram dias maravilhosos. O inglês comparou Arembepe aos melhores lugares do mundo, inclusive Singapura. Serbento mostrou-lhe toda Salvador, inclusive e principalmente, os Alagados.
- Aqui passei minha infância e boa parte da juventude. Isto que você está vendo, não existia quando eu era menino. Era uma imensa enseada rodeada de mangues por todos os lados. Um paraiso ecológico.  Aí, um dia, o governo resolveu nomear essa área como aterro sanitário de Salvador e quase ao mesmo tempo, nomeou-o como sendo um polo industrial. Foi o principio da degradação. As indústrias atraíram muita gente do recôncavo e das ilhas do arquipélago da Baia de Todos os Santos. Criou-se um déficit habitacional. Aí o governo começou a aterrar com lixo provieniente das outras partes da cidade. O processo começou no chamado bairro do Uruguai por volta de 1943. Vieram as construções e em não sendo suficientes, surgiram as primeiras palafitas. Até ai era mais ou menos suportável, até que em 1953 aconteceu a grande invasão dos Alagados de Itapagipe e Lobato, onde nos encontramos. Foram tomados do mar mais de um milhão de metros quadrados. Acabaram com os manguesais que eram um santuário de peixes e mariscos. Depos aterraram com areia proveniente da Ponta da Penha em Itapagipe. Esta extração, modificou o eco-sistema da área. Surgiram praias permanentes onde nunca houve. Deve ter modificado o sistema de correntezas. O lixo, isto é, as coisas que a população começou a jogar no mar se dirigiram para os fundos da Baía de Todos os Santos onde ficam Saubara, Cabuçu e Bom Jesus dos Pobres, areas sumamente piscosas. Surgiriam as chamadas “marés vermelhas”. Mataram milhões de peixes. Outras irão acontecer de tempos em tempos.
- E quantas pessoas vivem hoje nos Alagados?
- Dizem que são cem mil pessoas, mas acredito que é muito mais. Os recenseadores têm dificuldades de fazer um levantamento correto. Acho que deve alcançar à casa dos duzentos mil moradores. Uma cidade!
- Por outro lado, houve uma transformação social muito grande. Itapagipe de meu tempo era um balneário. As famílias moradoras da Cidade Alta, viam verenear aqui. À princípio alugavam as casas. Depois construíram suas próprias residências, muitas de alto padrão. Perderam muito dinheiro. Com a invasão, estas casas desvalorizaram 70% a 80% do valor. Hoje, ou estão abandonadas ou foram vendidas a preço de banana. A população que pode veranear hoje o faz na chamada Linha Verde, onde se encontra também Arembepe onde moro.
Apesar de tudo, o amor que se tem por esse lugar é incomensurável. Também se tem pena. A maioria das famílias que vivem aqui se sustenta com pesca de papa-fumo principalmente e esses bichinhos nunca faltam, apesar da poluição e da ação predatória de sua colheita.
- E você pensa em ajudá-los?
- Penso ajudar e muito.
- Você não vai divulgar o seu segredo sobre a produção de pérolas negras através desse marisco? Acho eu que se o fizer vai ser um caos.
- Também acho. Vão acabar o marisco em pouco tempo e não vão conseguir nada, além de ser demorado. Leva cerca de três anos se bem procedido. Não haverá nem reprodução e está ai a chave do segredo.
- E como você fará as doações sem aparecer, como você pretende?
- Através de uma ONG, mas uma ONG mesmo com toda visibilidade social que essas organizações deveriam ter. Não é o que se ver por aí. Serve até para manobra política e projeção social de quem dela participa. Não é o meu caso. Prefiro ficar absolutamente incógnito e sentir o prazer mais profundo de ver as coisas melhorarem. É a chamada paz de espírito. Preciso tê-la. É uma questão de mentalidade.
- Acho que para tanto, o conselhável é você sediá-la fora do Brasil, na Malásia por exemplo ou em Singapura, onde resido. Também gostaria de fazer parte. De onde estou, fica mais fácil.
- Claro! Será em Singapura. Obrigado amigo.
22
Após uma semana de estadia em Arembepe Richard e Marion voltaram para Singapura. De imediato, foi providenciado o registro da ONG. Foi denominada “ONG PARA O DESENVOLVIMENTO DE ALAGADOS”. Há de se reparar que não se denominou “dos Alagados”. Deu-se um termo mais genérico. Era uma forma de tornar a ação social ainda mais invisível.
De imediato, Richard doou um milhão de dólares. Serbento não podia tanto. Doou 200 mil dólares. Dayaki, também sócio, participou com 300 mil dólares. Até o próprio Yan doou 500 mil dólares. Mario participou com 100 mil, uma ordem de acordo com a riqueza de cada um. De imediato, a ONG tinha em caixa mais de dois milhões de dólares e ainda não havia entrado o dinheiro da venda das pérolas negras. Estavam sendo negociadas. Havia uma perspectiva de mais um milhão. O presidente ficou sendo o Richard. Serbento decisivamente não queria aparecer e nem podia.
A primeira providência foi reunir um grupo de assessores composto por um engenheiro, um arquiteto, um sociólogo, um advogado e um professor. Fizeram-se diversas reuniões e foi solicitado ao arquiteto e ao engenheiro um projeto. Discutiram-se as coordenadas. O que se pretendia. Um novo bairro. Um novo conceito de morar, de vida enfim. Aquilo ali tinha que acabar.
Enquanto isto, Serbento já lidava com a segunda geração das ostras e demais mariscos. Boa parte já fora transferida para Jacuipe. Uma pequena quantidade foi deixada junto às matrizes. Não queria arriscar nada. Açambarcava todas as probabilidades. Mais um ano e veria o resultado. Em todas havia sido enxertada uma pequena esfera de ouro. Tinha mandado preparar a partir de 500 gramas de ouro 18 quilates. Havia esferas de um até três milímetros.

Passou-se o tempo e num belo dia de sol, sentado na varanda junto com a esposa, esta lhe chamou atenção para algo que imaginava ter visto.

- Querido, vi algo brilhando no tanque das ostras. Pareceu-me um brilho dourado. Deve ser o sol que está muito forte.
Serbento apurou a vista e nada viu, mas de repente notou algo realmente diferente. Desceu às pressas e se dirigiu ao tanque onde se encontrava a segunda geração das ostras e papa-fumos enxertados com as pepitas de ouro. Aproximou-se como que sorrateiramente; o coração batia forte. Não sabia por que, mas procedeu assim. Quando pôde ver o cacho de ostras que ficava bem ao centro do tanque, uma delas estava completamente dourada. Brilhava com o sol. Linda! Algo realmente extraordinário. Pensou. Teria conseguido? Colheu a bendita e ao abri-la seus olhos viram sua primeira pérola dourada. Tinha perto de quatro milímetros de circonferênia. Tivesse dois e já estaria mais do que satisfeito. Tinha conseguido! E como explicar a concha também dourada? Aproximou-se da esposa com as duas, uma em cada mão. Riam e choravam ao mesmo tempo. Abraçavam-se. Pulavam. Gritavam e só se contiveram quando o caseiro e a esposa chegaram perto.
- O que foi patrão?
- Vou ser pai. Minha esposa acaba de me comunicar que está grávida. Já começamos a comemorar.
Yana parou quando ouviu aquela desculpa do marido. Como ele foi rápido naquela situação. O caseiro jamais poderia saber o que realmente estava acontecendo. Para ele, aqueles tanques e os mariscos ali enterrados, eram com que um hobby de seu patrão, aliás, como lhe fora dito.
Subiram para seus aposentos e Yana foi logo ao assunto. – Você quer realmente ser pai? Deveria ter me dito há mais tempo. Naquele momento de euforia você se traiu. Quero este filho agora. E fizeram amor sem nenhuma prevenção.
23
No dia seguinte, muito cedo, a primeira coisa que Bento fez foi pegar o cacho das ostras onde esteve aquela dourada e levá-lo para Jacuipe. Deixou lá e marcou sua localização. Fizera isto antes que o caseiro e sua mulher acordassem. Mais tarde, pediu ao homem que catasse todos os outros mariscos e os colocassem num túnel com água. Levaria o mesmo também para Jacuipe, à tarde. Só manteria o aquário. Uma transportadora apanharia amanhã as laterais do tanque que seria desarmado. No local, que ele plantasse rosas amarelas. Muitas rosas! Gostaria de ter rosas douradas, mas  ainda não as havia.
No dia seguinte, fez uma coisa que não gostaria nunca de fazer. Destroçar aquela pérola, bem como sua concha para efeito de análise do pó resultante. Queria guardá-la como uma recordação ou dá-la para a sua esposa. Mas não poderia arriscar nada. Aprendera a lição. Ninguém poderia saber que aquele pó era proveniente de uma pérola. A concha também era perigosa, mas mesmo assim, resolveu guardar um dos seus lados.
Feito o exame, não restou a menor dúvida. Aquele pó era ouro, mas um ouro diferente. Ele possuía algo orgânico. Estranhou o profissional, mas era de primeiríssima qualidade. As peças que fossem confeccionadas a partir daquele ouro seriam magníficas.
O técnico ficou impressionado e perguntou sua procedência.
- Trouxe da Malásia. Minha esposa é de lá.  E o outro pó que trouxe em separado? Referia-se ao pó de um dos lados da concha.
- Também é ouro, mas com maior teor orgânico. Tem moléculas que nem possuem as madrepérolas. Ele possui o nácar das pérolas e algum material orgânico. Não é tão bom quanto o outro.
- Madrepérola das pérolas?
- Sim, o senhor gosta de pérolas? Minha mulher as adora. Sabia que aos 30 anos de casamento, comemoram-se as Bodas de Pérola? É o meu caso. Dei-lhe um colar de pérolas verdadeiras. Segundo ela, Venus e Afrodite nasceram de dentro de uma concha de madrepérola, tendo sido criada pelas espumas do mar. Bonito, não?

   
Muito bonito!
Serbento saiu do Laboratório de Análise Química, sumamente pensativo. Aquela hora de sucesso deveria ser de muita reflexão e de agradecimento a Deus. Tinha nas mãos o poder da riqueza. Dizem que esse poder costuma  transformar as pessoas. Ultrapassa a normalidade das coisas, inclusive da própria vida. Esperava que com ele ficasse tudo como estava e se houvesse mudança que fosse para melhor.
Quando chegou a casa, a esposa lhe sorria. – Tenho certeza que você obteve o que queria. Está nos seus olhos.
- Realmente conseguimos. É ouro. Também com a mulher que eu tenho, porque não haveria de vencer? Agora vai começar a parte mais difícil dessa operação. Precisamos ser as mesmas pessoas que sempre fomos: um pelo outro. Preocupa-me o excesso de riqueza. Dizem que modifica as pessoas. Em nosso caso, isto não acontecerá. Não pode acontecer. Estou motivado para o bem. Vou ajudar as pessoas. Acho que você pensa da mesma forma.
- Claro bem. Você ajuda seus Alagados e eu ajudo meu povo.

A maior preocupação de Serbento agora era a manutenção daquele segredo. Já tinha aliviado a curiosidade do caseiro. Ele sempre perguntava o porquê de dois tanques com os mesmos mariscos, tomando grande espaço do jardim da casa. Não era somente porquê tinha mais trabalho. Ele realmente desconfiava de algo. Se ele tivesse visto a concha dourar ao sol, não sabia o que poderia acontecer. E agora as mesmas conchas lá em Jacuipe. Entregues a Deus. E se elas começarem a brilhar ao sol? Os tainheiros que ficam alí pescando tainhas e agulhas, haverão de se aproximar julgando ser o brilho de um grande cardume. É o que eles procuram com olhos de águia. O que fazer para que tal não aconteça? Já havia notado em algumas das ostras, rajadas douradas em suas conchas. Era o indício da formação de uma pérola. Haveria de brilhar. O que fazer?  Voltou a se perguntar. Como combater o brilho? Com outro brilho. Resolveu colocar uma bola de plástico no centro da fazenda marinha. Aplicou laminados dourados em torno dela. Prendeu-lhe com um pedaço de corda e uma pedra fundeada. Chegava a doer nos olhos quando o sol incidia sobre a mesma. Os pescadores de princípio extranharam. Depois começaram a chamar o local de Dourado em alusão ao peixe do mesmo nome. “Pra os lados de Dourado tem muita tainha”, comentava-se na Colônia de Pesca. A bola como que atraia as tainhas. Era a velha atração da luminosidade sensível a muitos peixes, inclusive, também, às agulhas. Também demarcou o pedaço com redes, afim de evitar a aproximação dos pescadores. Eles sempre respeitam. Foi o caso. Dizia que era um pesqueiro de espera.
Quando a produção fosse crescendo, não tinha certeza como faria para entregar o produto à espontadora de Richard. Fundiria o ouro. Seria complicado. O melhor era faturar como sendo pérolas ou ostras. Richard que as repassasse da forma que quisesse. Estabeleceram o preço com base na gramagem de ouro. A primeira entrega já fora milionária. Mais de 10 milhões de dólares, pagos imediatos pela Cacex do Banco do Brasil.
Agora restava aguardar o resultado dos papa-fumos e outros mariscos, espécies que estavam enterradas, inclusive a vieira, um marisco enorme que poderia moldar coisas maiores do que uma pérola. Pensava numa  pequena imagem do Senhor do Bonfim, como fizeram alguns povos asiáticos com a imagem de Buda.  Porque não?  E foi justamente numa vieira que fora encontrada a primeira pérola dourada. Enorme. 6 milímetros. Sensacional! Ainda restavam os papa-fumos. Teria a mesma sorte. Mais do que isto. A primeira pérola encontrada num deles era preta com rajadas douradas. Algo extraordinário. Deveria ter um grande valor.

 Pectem maximus
Num tempo relativamente curto, Serbento acumulava uma riquesa extraordinária perto de quinhentos milhões de dólares. Era hora de concretizar seu plano para os Alagados e ajudar sua esposa nas suas obras de assistência social em Klang.
Voltou a convocar o “conselho” da ONG que tinha fundado. O arquieteto já deve ter preparado o projeto de reconstituição dos Alagados. Sim! Os Alagados tinham que ser reconstituido. Faria um bairro modelo para todo o mundo. No afã da busca pelas pérolas, vez em quando arranjava um tempo para conversar com o arquitero. Dizia o que pretendia para a área. Esperava que ele tivesse assimilado suas idéias. Não era uma coisa comun como se vê por aí. Era um plano gigantesco. Tinha ciência que que o atual ambiente moderno fabricado pelo homem nega toda a relação com a natureza. Queria uma “cidade” ecológica, com energia renovável e auto-sustentável, isto é, seus moradores deveriam viver dela, dos recursos que ela poderia proporcionar. Se não os tivessem, que fossem criados.
Em dia determinado o arquiteto apresentou seu projeto. Destacou, inicialmente, a construção de uma avenida contornando toda a área dos Alagados. Salientou que o projeto da atual Avenida Suburbana poderia ter sido outro. Deveria ter sido construída como a que agora se projeta. Balizando toda a área dos Alagados, afim de evitar sua expansão. Efetivamente, após a sua construção, todo o lado esquerdo de quem vem do centro, cresceu ainda mais e continuará crescendo se não houver uma contenção, um limite e esse limite será dado pela nova avenida. Ei-la em destaque:





O traço vermelho indica o seu trajeto. Começa no bairro do Uruguai, contorna-o. Alcança Santa Luzia, Lobato, faz o contorno de toda a Baía do Cabrito onde há uma saída para BR324 e chega em Plataforma. Ali, será construída uma ponte ligando-se com a Penha. A avenida continua pela atual Av. Beira Mar que seria ampliada, contorna toda a área do Estaleiro do Bonfim, Pedra Furada e vai desembocar na Boa Viagem.
De relação à ponte, não temos ainda o projeto de sua forma. Temos alguns exemplos que nos inspira,  principalmente a Ponte JK. Poderia ser algo semlhante. Ela tem ser também decorativa.
Ponte JK
Vamos dar especial atenção às áreas verdes. Além da beleza, elas tem que ser produtivas. Para começar, vamos reconstituir uma ilha que existia entre o Porto dos Mastros e o Lobato, antes da invasão.

Uma ilha verde
Será um manguesal que nem como existia antes. Ele vai produzir vida marinha de muitas espécies.

Também, após a avenida, serão plantados mangues em quase todo o seu contorno.  Está representado pela linha verde.
Toda a energia que será gasta no Novo Alagados será aeróbica. Serão implantados em toda a extensão do morro atrás por entre as casas dos bairros de São Caetano.

Cataventos
Na área onde se encontra a Enseada do Cabrito, será implantado um grande canteiro de hortas, não somente para abastecimento grátis à comunidade local, como um grande negócio. Salvador, praticamente, não tem mais hortas. Aproveitaremos o manancial de água doce ali existente, proveniente do Rio do Cobre.

Em verde mais claro, as hortas.


Para  que possamos ter essa área à disposição, precisamos derivar a população que a habita para outros locais. Serão instaladas em edifícios de apartamentos de no máximo 6 andares que serão construídos entre Santa Luzia e Lobato. A disposição desses apartamentos se faz necessário salientar. Vejam:
Os quadriláteros são os edifícios. Em seguida uma praça arborizada; a avenida, o manguezal e em azul o mar. A disposição dos edifícios permite que todos tenham à frente para o mar. Em ambos os lados, a mesma formação até aonde se permitir.
Vejamos um exemplo de uma cidade mais ou menos com as mesmas características que se quer implantar. Tem até a ponte.
Uma cidade
Em seguida, falou o médico. Construiremos um grande e moderno hospital para atendimento gratuito aos moradores dos Alagados. Haverá uma unidade de atendimento a pacientes outros, mas mediante pagamento, o que dará sustentabilidade econômica ao mesmo. Todos os funcionários não especializados serão requisitados no próprio bairro.
Em seguida, falou o professor. Construiremos uma escola integral, desde creches ao ensino profissionalizante, inclusive com curso de enfermagem para aproveitamento no hospital já nos primeiros seis meses.
Com a palavra o próprio Serbento. Como vimos, teremos uma horta que necessitará de muita gente para a sua manutenção. Distribuiremos para todos os supermercados, além de nós próprios termos um posto de venda, bem como outra unidade para mariscos e peixes. Teremos um centro de artesanato com venda de seus produtos ao público em geral. Há outras idéias no campo comercial e industrial que seria enfadonho aqui anunciar. O que se pretende é dar emprego a todos que não tenham.
- Mas isto é uma utopia, falava o advogado até agora silencioso e visivelmente pouco interessado no que se falava. Os senhores são uns utópicos. Não há recursos para se fazer uma obra como esta. Estou aqui representando a Associação dos Moradores dos Alagados por solicitação do seu presidente e estou vendo e ouvindo loucuras de um plano utópico. Estou perdendo meu tempo. Os senhores vão me dá licença e se levantou para sair.
- Um momento senhor. Serbento estava indignado. Não há nenhuma utopia em querer fazer uma coisa, mesmo sendo cara. Depende de trabalho, de querer fazer. Nada é impossível. O senhor, por exemplo, quando defende uma causa mesmo lhe sendo desfavorável, o senhor não é utópico. O senhor a defende mesmo assim e não está perdendo seu tempo. Nós também não estamos aqui perdendo tempo.
- Conversa fiada, dá licença e se retirou.
O causídico não sabia que Serbento já reunia 50 milhões de dólares entre o Brasil e a Malásia destinados aos primeiros trabalhos.  Faria sim a grande avenida. Ela própria se sustentaria, caso a Prefeitura aprovasse seu plano. Cobraria pedágio como já se fazia em outras partes do mundo. Seria uma via privativa da comunidade, mas atraente e necessária à maioria das pessoas. Procurou o Prefeito em nome da ONG. Expôs seu plano.
- Estamos querendo construir uma avenida que vai beneficiar a cidade como um todo sem nenhum custo para a Prefeitura. Para tanto, seria necessária a cobrança de um pedágio eletrônico, como já se faz em várias capitais da Europa. Esta avenida vai contornar toda a área dos Alagados, contendo-o. Em seguida faremos um novo bairro, um bairro ecológico e auto-sustentável.
- Louvo a atitude de vocês, mas preciso consultar meus assessores sobre se é legal ou não essa cobrança. Preciso de um tempo. Tão logo se passe, chamarei o senhor.

Decorrido quase um mês, Serbento recebeu um registrado dos Correios e o emitente era a Prefeitura de Salvador, Gabinete do Prefeito. Era a resposta sobre sua solicitação.
Prezado Senhor:
Estou lhe comunicando através da presente a decisão da Acessoria Jurídica dessa Prefeitura sobre a solicitação feita pela ONG da qual o senhor é o diretor no Brasil que:
1º - Apesar dos fins sociais de sua solicitação, inclusive sem nenhum custo financeiro para a Prefeitura, esta Acessoria julgou indevida a cobrança de pedágio eletrônico, apesar de saber  que em alguns países da Europa já está sendo praticado, mas no Brasil ainda não foi regulamentado.
2º - Houvesse uma via alternativa na área, talvez fosse possível a concessão com algumas restrições.
Saudações
... e a assinatura do prefeito.
Imediatamente Serbento procurou um advogado em Salvador por indicação do professor José Nilton. Era muito seu amigo e foi seu aluno. Explicou o caso.
- No meu entendimento, essa resposta me dá a entender que a própria Prefeitura está interessadíssima na realização dessa obra. Nenhuma “acessória jurídica” dá as informações de viabilidade numa decisão negativa. Quando ela afirma “houvesse uma via alternativa na área, talvez fosse possível a concessão...”, ela praticamente está permitindo o feito. Não é possível que eles não saibam que existe uma via alternativa nas proximidades. Trata-se da Avenida Suburbana, construída há muitos anos.
- Também tinha percebido a citação, mas com outra conotação: esses caras realmente não conhecem Salvador. Vivem entre o Campo Grande e a Pituba e desconhecem o resto da cidade. Lembro-me, por exemplo, de um debate político na televisão entre o então radialista Fernando José e os políticos Virgildásio de Senna e Manoel Castro. A uma determinada altura do debate o radialista afirmou que os políticos que já foram prefeitos, fizeram uma prefeitura voltada para os bairros nobres de Salvador, enquanto a periferia se encontrava tristemente abandonada á décadas. Os atingidos refutaram dizendo que não. Sempre trataram a periferia com o maior cuidado. Querem ver uma prova, afirmou o radialista:  Um dos senhores poderia dizer-me e ao telespectador, onde fica o Bairro da Engomadeira em Salvador? Foi um Deus nos acuda. Senhor do Bonfim me ajude.

-Não vale olhar para os assessores na platéia pedindo ajuda, enfatizou o radialista. Cada um chutou um bairro. Nenhum dos dois sabia. Pois bem, afirmou o radialista – o Bairro da Engomadeira, o sofrido Bairro da Engomadeira fica em Tancredo Neves. E ganhou a eleição naquele momento e era apenas um radialista.
- Assisti esse debate. Realmente, um exemplo.  Vamos fazer a nossa solicitação agora por escrito. Tenho certeza que o senhor terá a sua avenida.
Um mês após, Serbento foi chamado à Prefeitura para, em reunião com engenheiros da mesma, apresentasse o seu plano. Se fez acompanhar do arquiteto e do engenheiro da ONG. Foi aprovado com mérito. Obteve a concessão.
Imediatamente, ligou para Richard. – Conseguimos.
- Parabéns. Agora você precisa de minha ajuda aí. Está muito sozinho. Viajo na próxima semana com Marion.
- E a indústria como fica?
- Patrick tratará do assunto.
- O escocês?
- Ele mesmo. Desde que assumi a presidência, ele trabalha comigo. É muito bom. Por outro lado, com os avanços tecnológicos falamos e nos vemos a qualquer momento. É como se estivéssemos juntos.
- Não seria o mesmo caso entre mim e você?
- É diferente. Esse empreendimento é algo gigantesco. Precisa ser muito bem pensado. A indústria já caminha praticamente sozinha.
Como da vez anterior, Richard e Marion ficaram em Arembepe. Os dois amigos conversaram a noite toda. Serbento lhe comunicou que já tinha conseguido um terreno ao final do bairro do Uruguai onde seria montado o canteiro de obras. Já estava sendo montado. Inicialmente, o maior problema que se apresentava eram as palafitas existentes na margem entre Santa Luzia e Lobato. Aquele pessoal teria que sair para que a via começasse a ser construída.
- Bento, só tem um jeito. Alojá-los em qualquer lugar. Temos que fazer isto.
- Claro! O meu pensamento é alugar ou comprar as casas existentes no espaço onde vão ser construídos os primeiros apartamentos. Levantar o primeiro prédio. Terá 6 andares. Quatro apartamentos por andar. Uma sala, dois quartos, cozinha e banheiro. Todos com varanda. Tão logo esteja pronto, já serão menos vinte e quatro palafitas em nosso caminho. Aí já teremos condições de começar a construção dos primeiros cem ou duzentos metros da via expressa.
- Começaremos a fazer as primeiras propostas amanhã, mas tenho uma sugestão, dizia Richard. Precisamos estar mais pertos. Arembepe é muito longe dos Alagados. Que tal comprarmos  uma casa para nós. Ficaremos lá de segunda à quinta, por exemplo. As esposas certamente não irão gostar, mas não tem jeito. Elas poderão ir nas quartas e retornam conosco no dia seguinte.
Como se previa, as esposas apesar de não gostarem da idéia, tiveram que aceitá-la. Era evidente a necessidade.
Na segunda feira Serbento e Richard, após intensa procura, acharam uma casa à venda. Aliás, era mais do que uma casa. Era um prédio de três andares e ainda por cima um grande pombal, isto é, um andar todo descampado com quatro colunas. Não foi muito caro. Aliás, uma pechincha: oitenta mil reais. Fosse em Londres, pensou Richard, seria um milhão de libras esterlinas. Deram um pulo no canteiro de obras onde se encontravam o arquiteto e o engenheiro. Informaram-lhes da compra. Pediram-lhes um projeto de reforma do imóvel. Precisavam de duas suítes. No mais era só uma boa sala, um escritório confortável  e uma boa cozinha. Em cima deixariam como está. Colocariam duas a três redes. Ideal para elas e, em menos de dois meses a residência alternativa estava pronta, após providencial intervenção de uma decoradora.. As esposas vieram para conhecer. Promoveram uma pequena festa regada a muita champagne. Num determinado momento Serbento sugeriu mais um brinde, dessa vez ao Solar das Amêijoas, em alusão aos papa-fumos existentes na área. Esclareceu - Amêijoas é o nome que é usado em Portugal para designar grande número de bivalves, inclusive o papa-fumo.
- Aprovado por unanimidade, disseram todos.
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Na semana seguinte os dois amigos passaram a morar nos Alagados de segunda a quinta. Saiam de Arembepe e se dirigiam imediatamente para o escritório da obra. Almoçavam num restaurante próximo e só iam para a nova residência à noite. Lá, eles próprios faziam qualquer sanduíche. Falavam com as esposas via internet. Richard também conversava com Patrick em Singapura e assim foram se passando os dias. Todas as quartas feiras pela manhã as esposas chegavam de Arembepe. Faziam compras em Salvador e o resto do dia era dedicado aos maridos. Numa dessas ocasiões Yana manifestou a Serbento o desejo de possuir uma canoa. Fora menina das praias de Klang. Eximía nadadora e mergulhadora. Ainda sentia falta dessas atividades. Marion nem tanto, mas arranjava um nado qualquer. De imediato, o marido adquiriu uma com vela e tudo. Também material de pesca, inclusive para papa-fumos. Naquela área era sempre uma atração. Tinha certeza que a esposa não resistiria em catá-los. Não seriam como as ostras de Klang que ela pegava às dúzias à procura de pérolas, mas na falta, o que se há de fazer?
Num daqueles dias, as duas mulheres saíram a velejar pelo Canal da Ribeira. Foram até a Ponta da Penha. Adoraram o lugar. A igrejinha era um brinco. Seu frontispício era todo cravejado de conchas. Na volta, a maré havia esvaziado completamente. Era dia de Lua Cheia. Milhares de marisqueiras tomavam quase todo o espaço despraiado de Plataforma até o Lobato. Yana se dirigiu para perto, velejando pelo canal. Encalhou a canoa na lama e saltou. Marion relutou pisar naquela lama, mas foi arrastada pela amiga. –Agora, vamos pescar papa-fumo, disse-lhe.
- Você vai me desculpar, mas eu não vou meter minhas mãos nessa lama. Nem pensar. Fiz as unhas ontem.
- Marion, não acredito e puxou a amiga que se esparramou na lama. – Desculpe amiga, agora não tem mais jeito. Vá se lavar no canal e volte. Pescaremos muitos papa-fumos.
Efetivamente, pescaram mais de duas centenas dos bivalves. A novidade agradou a Marion. Era algo diferente. Uma vida diferente. Tentaria aproveitá-la da melhor forma possível. Tinha uma grande professora.
Em seguida, passaram num mercadinho nas proximidades. Compraram temperos, azeite de dendê e leite coco. Fizeram uma grande moqueca. Ligaram para os maridos. – Hoje vocês são nossos convidados. Fale com Richard.
- O que vocês fizeram? Encomendaram um peru?
- Bem parecido. Você quase acertou. Na hora vocês vão ver.
E foi uma surpresa quando os dois homens chegaram. Quando abriram a porta já sentiram um cheiro diferente. Ao chegarem na sala, uma grande panela de barro estava no centro da mesa. Fumegante! Estava lá o amarelo ouro de uma grande e belíssima moqueca de papa-fumo. Foram a ela com voracidade. Serbento pediu calma a Richard. Ele não estava acostumado. Em seguida ligaram para o escritório e disseram que só iriam no dia seguinte. “Dormiram” o resto do dia e da noite.
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Fazia algum tempo que Serbento não ia à Jacuipe ver como andava sua fazenda de ostras. No sábado convidou Richard para um passeio até lá. Em verdade, desde que Richard viera de Singapura não tinha tido a oportunidade de ver a criação. Foram com as esposas. O inglês ficou impressionado com o que estava vendo. Da superfície da água saiam raios dourados. Era um espetáculo indescritível. Ficou preocupado.
- Bento, isto não está chamando muita atenção?
- Possivelmente. A comunidade vizinha já chama esse local de Dourados. Acreditam que seja reflexo das lâminas douradas que apliquei na bola ao centro.
- Até quando?
- Sei que num belo dia, aliás, um mau dia, haverão de descobrir. Mas, o que fazer?
-E os funcionários? Não haverão de falar?
- Todos os funcionários são daltônicos. Confundem a cor amarela do ouro. Esse pessoal geralmente tem dificuldade de se empregar em muitos serviços. Em nosso caso foi diferente. Foi uma felicidade para eles. Ganham bem, apesar da deficiência.
- Existem muitos daltônicos no mundo?
- 8% da população mundial são daltônicas, principalmente entre os homens. O percentual entre as mulheres é bem menor, em torno de 2%.
- Mas é um espetáculo maravilhoso. Podemos mergulhar?
- Claro, vamos lá.
Aqueles cachos dourados eram que nem joias numa grande vitrine. Foi a comparação que pôde fazer. E a vitrine se movia com as ondas a balançar. A espuma por vezes também dourava. Chegava a doer na vista. Que coisa! Não dá para ficar muito tempo. Como que hipnotiza. O inglês começou a ficar tonto. – Vamos sair logo Bento. Não suporto mais. Como é estranho! Antes colheram algumas conchas. Seriam ofertadas às suas esposas.
- Você está de parabéns Bento. Nunca vi algo igual em toda a minha vida.
- É. Mas o melhor está por vir. Estou fazendo uma experiência com uma cruz de um santo local, como faziam os asiáticos com a imagem de Buda. Estou usando algumas “vieiras”. São mariscos grandes. As vieiras são moluscos bivalves da família Pectinidae.  Seu nome científico é Nodipecten nodosus. Pode crescer até 6.5 milímetros. Vão ser vendidas com exclusividade em nosso centro de artesanato. Vamos atrair milhares de pessoas. A auto-sustentabilidade da comunidade é o nosso grande objetivo. A via que estamos construindo é apenas um acesso material, físico. A sustentabilidade é a alma do negócio. O espírito da coisa.
O primeiro prédio de apartamentos ficou pronto em tempo recorde. Algumas familias  foram logo transferidas. Os homens em idade adulta foram empregados na obra. As duas coisas repercutiram muito favoravelmente em toda a comunidade. Agora, eram os próprios donos das palafitas que ainda restavam, que procuravam o canteiro de obras. De novo, essas famílias ficaram alojadas em casas agora alugadas enquanto ficava pronto o segundo prédio. . No entanto, os pais de família foram logo empregados. Grande parte desse pessoal estava sendo treinada para cuidar das futuras hortas. Outros para serviços de atendimento ao público em lojas que seriam construídas. Ainda outros para pedreiros, pintores e carpinteiros. Uma grande parte, contudo, estava trabalhando na construção da grande via. Tinha até curso de línguas: inglês e espanhol.


As “forças contrárias” não estavam nada gostando do que estava acontecendo. Explica-se melhor, a Associação dos Moradores dos Alagados, a tal da AMA. Que nome errado! O prestígio deles estava concentrado no lema, “quanto pior, melhor”. Se faltasse água, bloqueava a avenida. Se faltasse luz, soltava foguetes para iluminar a noite. Não se via nada de produtivo e eficiente. Segundo se sabia, seus diretores eram proprietários de grande número de casebres. Alugavam por preços extorsivos. Não se diga que eram defensores dos traficantes, mas toleravam a sua ação no cortiço. 

Enquanto isto, a rodovia se adiantava. Já tinha alcançado Santa Luzia e rapidamente chegaria ao Lobato. Para esta localidade, estava sendo pensada a construção de um grande monumento em homenagem ao primeiro poço de petróleo descoberto no Brasil. Manter-se-ia o marco de sua instalação por Getúlio Vargas, mas se faria algo que realmente atraísse as pessoas de todo o País quando viessem a Salvador.

Certa manhã Yana e Marion  saíram a passear na linguicinha, como era agora chamada. Inauguravam uma vela maior. Foram mais longe. Dirigiram-se desta vez para a Bacia do Cabrito. Após atravessarem a Ponte São João, perceberam uma lancha aproximar-se em grande velocidade. Vinha em direção a elas. Começaram a fazer sinais. Nada! Cada vez mais próxima. Seriam atropeladas, pensaram elas. Há menos de 10 metros de uma coalizão a lancha deu uma brusca cambada para a esquerda, provocando uma grande onda e se afasta. Como resultado, a canoa vira com as duas mulheres. Yana se recupera e procura ver detalhes da lancha que pudessem identificar futuramente o seu dono. Enquanto isto, Marion se debatia em baixo da vela. Yana mergulhou e retirou a amiga daquele sufoco. Ela poderia ter se afogado se estivesse sozinha. Não sabia mergulhar. Tiraram a vela. Desviraram a canoa e com as mãos começaram a tirar a água de dentro. Levaram horas, mas enfim conseguiram restabelecer as condições de navegação a remo. Chegaram exaustas na pequena enseada onde a canoa ficava ancorada. Haviam perdido todo o material de pesca, celulares e óculos. A vela também ficou por lá. Quando chegaram em casa, ligaram para os maridos. Vieram correndo.

- O que aconteceu, perguntou Serbento?

- Acho que tentaram nos matar ou, pelo menos, nos assustar. Contou o que aconteceu.

- Viu o nome da lancha?

- Não, não vi. Só percebi uma faixa vermelha em seu casco.

Richard ao lado ouvia tudo em silêncio, franzindo a sobrancelha. Segurava a mão da esposa que não parava de chorar. Por fim se pronunciou. – Isto é coisa de bandido. Já foi minha especialidade. Tinha sido da Scotland Yard como se sabe. Deixe isso comigo.

No dia seguinte os dois amigos saíram a percorrer todas as marinas existentes na Enseada dos Tainheiros. Uma lancha com uma faixa vermelha. Encontraram três. Uma estava quebrada e a segunda há muito não era usada. Foi a informação que obtivera da direção da “marina”. Só pode ser aquela: Águia do Mar.

No escritório Richard achou o que estava pensando encontrar. À noite, sozinho, pegou a canoa e se dirigiu até próximo da Águia do Mar. Não tinha ninguém tomando conta. Desamarrou-a. Amarrou a canoa na popa da lancha com a sua proa bem ajustada entre as armações do grande motor de popa. Voltou à mesma e começou a remar deslocando lentamente a grande lancha. Chovia muito, o que facilitava a intervenção. Conduziu-a até o meio do canal. Voltou a subir na mesma, levando consigo a carga que havia trazido da obra. Arriou a âncora da lancha e se afastou. Dentro de meia hora a Ribeira veria um grande espetáculo. Não fosse a chuva e ainda seria melhor. Fundeou a canoa e se dirigiu para o Solar das Amêijoas. Subiu no terraço e esperou acontecer. Uma grande explosão, luminosa que nem ela clareou a noite da Ribeira. Quebrou seu silêncio.

No dia seguinte, os jornais noticiavam. “Vândalos explodem lancha na Ribeira”. “Traficantes explodem lancha” – “Explosão paga dívida de drogas”. “O que está acontecendo nos Alagados?”

Serbento lia as manchetes em silêncio. Do outro lado da mesa Richard tomava seu café calmamente. – Foi você, não foi?

- Talvez. O mar deixa muito poucas provas. Vamos trabalhar normalmente. Yana e Marion devem voltar para a Arembepe imediatamente. Estão suspensas suas vindas a Ameijoas às quartas feiras.

O inglês dava as ordens como se estivesse ainda na Scotland Yard. Vamos reforçar a segurança no canteiro de obras. Iremos alugar um carro blindado em Salvador. Deixaremos o nosso em Arembepe. Vem fogo por ai. Não se pode dar moleza para esse pessoal. O caso da lancha contra a canoa das meninas foi apenas um aviso. Por mais incrível que pareça, eles têm uma ética profissional até para matar. Primeiro avisa para que o adversário se prepare. É assim que eles gostam. Não matam pelas costas. Gostam de enfrentar o adversário de frente. Acham-se uns heróis.  Consideram-se uns Robin Youlds. Da merda!

- Acho que você não deveria ter chegado a tanto. Pode não sido de propósito. Quando perceberam a canoa, desviaram a lancha para não atropelá-la. Fez-se a marola e a canoa virou.

- Amigo, acorda para a realidade. Já leu a quem pertencia a lancha que pipocou? Se não leu, digo-lhe que pertencia ao advogado da Associação dos Moradores dos Alagados, o tal de Dr. Diógenes. O mesmo que lhe enfrentou aqui, segundo você me comentou.

- O que?

- Verdade, já tinha lido o jornal antes. Praticamente não dormi. Acordei de madrugada.

- Bento, a perda material para esse pessoal é nada. O pior você fez quando idealizou esse projeto e o está executando. Estes caras estão perdendo prestígio político e em avalanche temem perder o tráfico de drogas e outras mazelas. Estão furiosos. Devemos nos preparar para muita coisa que vem por aí. Vá por mim. Tenho experiência.



Por questões de segurança, resolveram vender o Solar das Amêijoas. Ainda ficariam uma semana e então, vendesse ou não, deslocar-se-iam de Arembepe todos os dias ou um dia sim, outro não. As esposas não iriam mais. Como de sempre, quando chegaram ao Uruguai foram a pé percorrer a parte já concluída da avenida. Estava uma beleza. Já tinham sido feitos uns seiscentos metros. Já chegava ao Lobato. Precisavam entrar em contato com a Petrobrás a fim de pedir autorização para erguer um monumento dedicado ao primeiro poço de petróleo descoberto na Bahia e no Brasil. A idéia era levantar uma torre como se fosse de petróleo num dos lados da avenida, possivelmente do lado do mar, onde pudesse ser vista em todo o entorno dos Tainheiros. À noite, ficaria iluminada. Já tinham reunido fotos, como a que se vê adiante. Referida torre, ficaria sob um pedestal cravejado de conchas douradas. Dir-se-iam terem sido pintadas.

No final da tarde se dirigiram para o Solar afim de embalar tudo que precisasse ir para Arembepe ou colocado no escritório da obra. Às 9 da noite estava tudo concluído. Subiram para dormir em suas suítes. Lá para tantas, Richard que tinha dificuldade de conciliar o sono, começou a sentir  cheiro de gasolina. De principio pensou tratar-se de um carro. Logo em seguida, percebeu fumaça entrando por baixo da porta da suíte. Deu um pulo da cama e abriu a porta para certificar-se. A parte térrea da casa estava em chamas. Chamou Serbento. – Vamos subir para o pombal. Não há como descer. A escada está toda em chamas. – Tire estas redes. Vamos amarrá-las umas nas outras. Uma ponta de uma delas deverá ficar no gancho bem ajustada. Desceremos por elas. Primeiro vai você. Irei em seguida. Alcançaram com certa facilidade a rua. – Vamos pegar a canoa. Seria arriscado andarmos por aí ou nos dirigirmos para o escritório da obra, apesar de lá ter seguranças. Começaram a remar em direção à Ribeira. No meio da travessia olharam para trás e o fogo já tomava todo o prédio e, ao que parece, estendia-se para outras casas. Até que os bombeiros chegassem ia ser um grande estrago. Pegaram um taxi e se dirigiram para Arembepe. No trajeto nenhum dos dois falou nada. Estavam pensativos. Foram os bandidos da lancha. Era o revide.

No dia seguinte, a ONG apresentou queixa ao delegado da Delegacia de Costumes. Pediam investigações, pois ao que tudo indicava, o incêndio teria sido criminoso. Eles não tinham gasolina em casa. Foi trazida. – Os senhores desconfiam de alguém? – É difícil afirmar, mas, quer nos parecer que a Associação dos Moradores dos Alagados estaria envolvida. Serbento explicou as razões da desconfiança. Eles estão com os interesses contrariados com a construção da avenida que estamos fazendo na área e a locação dos moradores em prédios de apartamentos. Estamos empregando a maioria dos moradores das antigas palafitas. Estão perdendo negócios. – Que negócios? - O senhor sabe qual é. Vamos pedir reforço policial. Particularmente, a ONG vai contratar mais seguranças. Temos que nos sobrepor. – Sugiro que o senhor peça uma audiência ao Secretário de Segurança do Estado. Há determinadas normas a cumprir. – Claro, é o que vamos fazer.

Foi solicitada e imediatamente atendida. O incidente estava em todos os jornais. Combinaram que a ONG construiria um módulo nas proximidades dos apartamentos e seria deslocada, inicialmente, uma equipe de 10 policiais, sob o comando de um tenente. Em uma semana, fez-se o módulo. Por outro lado, a ONG disponibilizaria de 20 a 30 seguranças, escolhidos na comunidade, para ajudar no policiamento. Seriam treinados em serviço. A idéia era formar uma guarda particular permanente, integrada com a população e que lhe desse confiança até de denunciar traficantes e outros bichos. Os mesmos eram logo presos pela guarda oficial. Começava um saneamento social.

Efetivamente, o incêndio destruiu cerca de 20 casas. Todos os moradores foram transferidos para as novas unidades de apartamentos. A esta altura, já eram 240 famílias habitando as novas unidades. Em ritmo acelerado, continuava a construção dos edifícios. Agora, a meta principal era transferir todas as famílias da área onde se faria a horta. Em seis meses o espaço estava livre e, sob orientação de agrônomos, a horta se fazia e dentro de pouco tempo começaria a produzir. Iniciou-se, então, a construção de um grande posto de venda. Também foram treinados moças e rapazes para a área de venda externa. A idéia era distribuir os produtos para as redes de supermercados e mercadinhos. Também seriam montadas barracas nas feiras livres. Todas tinham a designação de “Verduras do Cobre” em alusão ao Rio do Cobre que abastecia a horta. Não se aplicaria agro-tóxicos na produção. Seriam absolutamente naturais. Ao lado, começou a construção de outro posto de venda destinada a mariscos e peixes. Não teria produção própria em sua totalidade, devido a precariedade da pesca na Bahia, mas seriam adotadas severas regras de compra acompanhadas por especialistas. Construir-se-ia também um centro de lojas com destaque para produtos de artesanatos da Bahia, com especial atenção para as rendas da Ilha de Maré, os caxixis de Maragogipinho, Cachoeira e Santo Amaro e as cruzes de ouro das Vieiras. Seriam adquiridas pelos novos comerciantes por preço irrisório. Enquanto isto, a rodovia rodeava toda a Bacia do Cabrito e chegava a Plataforma. Estava concluída a primeira grande etapa. Quase prontos também estavam os apartamentos em torno de grande parte da avenida, menos na área destinada à horta. Olhado de cima, os Alagados apresentavam visíveis e grandes claros de espaços vazios. Ali estavam as residências cujos moradores foram deslocados para os apartamentos. Nesses espaços seriam construídas várias praças, escolas, bibliotecas e aqui e acolá mais alguns prédios de apartamentos, conforme a necessidade de ocupação, mas, praticamente, quase toda a população dos Alagados já estava morando em frente ao mar nos apartamentos em série.

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Praticamente, uma das poucas casas que ainda resistiam em ser demolidas para dar espaço às obras de uma nova Alagados, era a pertencente à Associação dos Moradores dos Alagados, a famosa  AMA. Praticamente, ela ficou no centro de um descampado. Em torno começara a ser construído um grande jardim. Dava a impressão de um monumento ao centro do mesmo. Monumento da corrupção, do paternalismo, de tudo que era ruim. Vivia quase todo tempo fechada. Quando alguém aparecia, não respeitava os caminhos entre as flores. Chegavam pisando. Em determinado dia, uma Kombi se aproximou e foram levadas todaos as carteiras, computadores e demais coisas. Retiraram uma placa que ficava na frente. Estava encerrado um ciclo de corrupção. Os moradores queriam atear fogo na mesma, mas Serbento fora contra. Queria mantê-la, como se fosse uma lembrança constante de algo muito ruim na vida daquela gente. Era mantenedora da miséria. Quanto maior, melhor para eles.

Enquanto isto a via chegava finalmente à Plataforma com saída para BR-324, conforme previsto. Já era hora de marcar o dia da inauguração. Do Rio vieram Merú e Sandra. Também ficaram em Arembepe. Da Malásia chegou Dayaki. Saiu com ele. Foram até Jacuipe afim de que ele conhecesse Dourados. O nome pegou. Fizeram um mergulho. Dayaki também era um grande mergulhador. Ficou extasiado que nem Richard. Num determinado momento, chamou Serbento que estava próximo e lhe mostrou uma concha enorme.

-É uma Vieira. Tem muitas por ai. Em todas elas coloquei uma pequena cruz. A comunidade irá vendê-la com exclusividade. Você deve saber da história de Buda revestido de madrepérola lá no Oriente. Seria algo parecido.

- Posso apanhar uma?

- Claro!

Chegaram à praia e abriram a Vieira. Tinha uma cruz revestida de ouro. Voltaram ao mar e apanharam outras tantas. Todas tinham a cruz em tamanhos diferentes, mas todas lindas. Era uma benção. Aquele era uma obra do bem.  Serbento pensou uma forma de agradecimento por aquela ventura. Lembrou-se que, antigamente, no alto do morro de Plataforma existia um Cruzeiro de madeira. Ao que parece, quando da invasão dos Alagados de Itapagipe, até a madeira que formava a grande cruz fora levada para a construção das palafitas. Um sacrilégio. Não precisava tanto! Ergueria outra no mesmo local, mas acrescentaria um detalhe: seria cravejada de conchas douradas. Seria a Cruz Dourada de Nossa Senhora dos Alagados. À noite ficaria toda iluminada. De dia, o próprio ouro a iluminaria.

Enfim chegou o dia da inauguração: uma sesta-feira. Presença de autoridades. Banda de música. Pediu-se ao povo que se vestisse de branco. Cortou-se a fita de inauguração. Yana e Marion fizeram em duas mãos. Estava inaugurada a Avenida do Contorno dos Alagados. Todo o povo caminhou por sua extensão. Por fim, um ônibus repleto de crianças do bairro cruzava o sinal eletrônico. Fora registrado o primeiro pedágio de Rua em Salvador. Um marco histórico!

Agora, restava fazer a ponte ligando Plataforma à Penha.  Serbento e Richard decidiram entregar a incumbência à Prefeitura que se comprometeu em fazê-la.  Não se diga que estavam cansados. Precisavam cuidar dos seus negócios e tratar melhor suas vidas particulares. Foram dois anos de muita luta. Serbento e Yana, por exemplo, tinham um filho para criar. Nascera naquele período. Richard e Marion estavam longe de casa fazia mais de um ano. Junto com Dayaki viajaram juntos.

FIM










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